Países africanos esnobam Bolsonaro por declarações racistas do presidente
O chanceler de Angola, Manoel Domingos Augusto, foi a primeira autoridade internacional a ser recebida pelo novo ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Para alguns especialistas, isso mostra o interesse de Brasília em manter boas relações com o país. No entanto, o diplomata foi um dos poucos representantes africanos presentes na cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro, confirmando o afastamento da África nas relações internacionais do novo governo.
O ministro angolano foi recebido na manhã de quarta-feira (2), antes mesmo do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, o que foi visto como um sinal de prestígio por Domingos Augusto, que falou de “relações excepcionais entre os dois países”. Ao deixar o encontro, o chanceler africano frisou, em entrevista à agência de notícias Lusa, que o grande potencial econômico dessa parceria pode ser ainda mais explorado entre os dois países.
Segundo Amaral Lala, diretor-geral do Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais de Luanda, esse encontro entre os chanceleres reflete o histórico de relações positivas entre os dos países lusófonos. “O Brasil foi o primeiro Estado a reconhecer o Estado angolano após a proclamação de sua independência no dia 11 de novembro de 1975”, lembra.
Além disso, os brasileiros estão entre os principais parceiros econômicos de Angola. As relações comerciais entre os dois países pesam mais de US$ 850 milhões, com um superávit de US$ 420 milhões para o Brasil.
Escândalo da Odebrecht pode pesar na relação?
Um dos principais atores dessa relação econômica é a construtora brasileira Odebrecht, presente em Angola há três décadas. A atividade da empresa conta muito, já que ela representa um dos primeiros empregadores privados do país africano.
Porém, a filial angolana – como a moçambicana – esteve envolvida no escândalo de corrupção que sacudiu a política brasileira. A Odebrecht teria pago US$ 50 milhões entre 2006 e 2016 a representantes do governo para obter contratos públicos e embolsar US$ 262 milhões de lucros. E diante de um governo Bolsonaro que defende a luta contra a corrupção como uma de suas metas, há quem se questione sobre o impacto do escândalo da Odebrecht nas relações entre Brasília e Luanda. “Mas duvido que isso seja um elemento de fricção, pois a luta contra a corrupção é uma agenda que também é prioritária para o chefe de Estado angolano”, estima Lala, apontando para uma possível sinergia entre os dois líderes nesse ponto.
Fim da cooperação Sul-Sul?
Durante sua passagem por Brasília, o chanceler angolano insistiu que o governo brasileiro pretende continuar negociando não apenas com Angola, mas também com todo o continente africano. A explicação do chefe da diplomacia angolana é uma resposta às dúvidas sobre o lugar da África nas relações internacionais do Brasil. Principalmente após o presidente Jair Bolsonaro ter se mostrado menos apegado à política Sul-Sul defendida pelos governos petistas, que tentavam valorizar as parcerias com países em desenvolvimento.
Adriano de Freixo, coordenador do curso de graduação em Relações Internacionais e do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB) da Universidade Federal Fluminense (INEST – UFF), lembra que o General Mourão, ainda como candidato a vice-presidente, criticou o a política externa dos governos petistas e o que classificou de “acordos comerciais com a ‘mulambada’, termo utilizado para se referir aos países africanos e sul-americanos que, segundo ele, não teriam trazido qualquer ganho para o país”.
Porém, frisa Freixo, “a política africana do Brasil, que chegou ao seu auge nos anos Lula, já está em declínio desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, devido não só às crises política e econômica, mas também ao próprio desinteresse da presidente por questões de política exterior”. No entanto, ele lembra que, mesmo enfraquecida, essa parceria vinha se mantendo, inclusive durante o mandato de Michel Temer.
Mas segundo o professor, ao que tudo indica, o Brasil se prepara para ter “uma política externa agora, efetivamente, bastante ideologizada à direita e bem pouco pragmática, com as alianças externas sendo definidas por opções político-ideológicas do executivo – EUA e Israel, mas também Polônia e Hungria, por exemplo – e não pelos reais interesses e necessidades da sociedade brasileira”, o que excluiria de certa forma o continente africano do tabuleiro.
Líderes africanos céticos
A presença pouco expressiva dos líderes africanos entre os representantes internacionais que compareceram à cerimônia de posse de Bolsonaro já foi vista por muitos como uma resposta à essa eventual mudança de estratégia de Brasília. Entre os chefes de Estado e de governo vistos na capital federal na terça-feira (1°), apenas o cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca e o marroquino Saadeddine Othmani representavam o continente africano.
Mas para Amaral Lala, a ausência dos líderes do continente é mais complexa e se explica também por razões ligadas à imagem do novo presidente brasileiro. “Bolsonaro, durante a campanha, passou mensagens que deixou céticos um conjunto de países, sobretudo africanos”, comenta o especialista angolano. Ele lembra que o então candidato fez declarações consideradas racistas, em um país com uma grande comunidade de origem africana, o que não soou bem na África. “Há ainda uma espécie de nuvem sobre o que será a presidência de Bolsonaro”, aponta Lala. “Creio que a questão racial e a forma como ela é encarada por integrantes do novo governo também ajudam a aumentar essa desconfiança e, por que não dizer, e certa desilusão com os novos rumos do Brasil”, completa Freixo.