Para a extrema direita, a competência é um vício, não uma virtude

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Leia o artigo de Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação (2015, governo Dilma), professor titular de ética e filosofia política da USP e professor visitante da Unifesp

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Qual é a coalizão do governo Bolsonaro

A direita brasileira não ganha eleições democráticas com quadros orgânicos seus, gente que ela formou. Embora chame a esquerda de irracional, a direita só chega ao poder com outsiders agressivos e demagogos: Jânio (1960), Collor (1989) e Bolsonaro (2018). A exceção é Fernando Henrique Cardoso (1994), outro outsider, mas acadêmico e não demagogo –e que fez a direita aceitar o jogo democrático, levando-a para o centro e para as políticas sociais. Mas isso é passado.

O governo atual se divide entre a extrema direita e a direita autoritária. A extrema direita tem os ministérios que tratam de valores (Direitos Humanos, Meio Ambiente, Educação), mais as Relações Exteriores. É o DNA do presidente. Aqui, repudia não só a esquerda, mas também a centro-direita que FHC articulou.

Nenhum ministro extremista é respeitado fora da bolha bolsonarista. Falou-se em nomes de qualidade, como Mozart Ramos para a Educação e Xico Graziano para o Meio Ambiente, mas qual. Para a extrema direita, a competência é um vício, não uma virtude.

Já a direita autoritária ficou com os superministérios da Economia e da Justiça. O empresariado e parte da imprensa apostam neles, fazendo vista grossa à extrema direita, que gera vergonha fora do país. Seus apoiadores esperam que Paulo Guedes produza crescimento econômico e que Sergio Moro entregue algo que não se sabe o que é, se a redução na corrupção, se a melhora na segurança pública.

Se a banda exótica der errado (e deve dar), os ministros sensatos ganharão mais protagonismo. A extrema direita se esvaziará em favor da direita. Uma direita autoritária, diferente da antiga aliança tucana. Mas, da economia, não esperem avanços sociais. Na Justiça, a ênfase estará na repressão, não nas causas do crime.

Mas o exotismo sairia de cena ou pelo menos do primeiro plano. Se isso implicaria a exclusão ou a discrição do clã Bolsonaro, não se sabe.

Fazia tempo que o Brasil não se encontrava tão perto da entropia: a possibilidade de se inviabilizar. De entrar em colapso, por longos anos ou mesmo para sempre. O mais perto que estivemos disso foi com a hiperinflação, logo antes de 1994.

A economia é chave. Se o governo nos fizer crescer, ganhará pontos. Mas a ala exótica não ajuda nisso. Derrubará o valor da marca Brasil. Enfraquecendo a educação e a criação cultural, reduzirá a qualidade de nossa mão de obra.

Na hora em que nós deveríamos, com mais ciência, ir além das commodities, a ala extremista pode até nos tirar a certificação ambiental dos melhores produtos de nossa agropecuária.

Há muitos cenários pela frente. O governo pode endurecer, como já sugeriu, negando bolsas a quem não reze por sua ideologia. Ou o presidente fica no cargo, mas contido pelo entorno sensato, para o bem da economia. Ou os militares intervêm, o que é improvável (embora o fato de haver essa hipótese dê calafrios).

Os superministérios podem dar certo, ou não. O Judiciário pode até mesmo anular a eleição de 2018: a lei eleitoral fornece pretextos, hoje, para cassar praticamente qualquer eleito. Tudo é possível ante a possibilidade da entropia (sinônimo leve: desastre). A única quase-certeza que tenho é que será difícil a extrema direita dar as cartas por muito tempo.

Da FSP