Para Freixo, esquerda precisa de união para enfrentar Bolsonaro

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Se um dia viu Rodrigo Maia (DEM-RJ) como um mal menor, ao menos ante a ideia de um candidato bolsonarista “puro-sangue” à presidência da Câmara, a esquerda precisa agora cair na real.

Para Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que no dia 1º de fevereiro estreia na Casa e já disputa sua liderança, os progressistas precisam marcar posição para enfrentar um “governo que tem o Ministério da Praça É Nossa, que fica falando azul e rosa enquanto você tem situações muito mais graves” acontecendo no paralelo.

Não dá para ter “amnésia” numa hora dessas: quando Maia fechou acordo com o PSL de Jair Bolsonaro, ficaram claras suas intenções, diz. “Agora a gente esquece e começa a chamar de centro quem a gente chamava de direita?”

Freixo conversou com a Folha em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, da qual se despede após três mandatos. Vai morar em Brasília de terça a quinta, num apartamento funcional, e passar o resto da semana no apartamento que divide com a namorada, a roteirista e ativista feminista Antonia Pellegrino.

Por que se candidatar à presidência da Câmara?

O PSOL tem uma tradição de lançar candidatos. É uma eleição de dois turnos, importante lembrar. Não tem por que não ter uma candidatura que discuta a pauta que nos interessa. Bolsonaro consegue se eleger nas regras democráticas com medidas de extrema-direita —e é a primeira vez que ela ganha no Brasil, nunca passou de 10% dos votos. Quando um presidente eleito diz que vai armar o latifúndio para que enfrentem melhor os ativistas, quando avisa que vai acabar com o ativismo no Brasil… São processos que afrontam o limite da democracia claramente. O contexto amplia a necessidade de uma candidatura para demarcar um campo. Não só a do PSOL. A gente acha que é mais importante que não seja só o PSOL.

O sr. diz que PSOL sempre lança um nome, mas sua candidatura só vingou após Rodrigo Maia fechar acordo com o PSL. 

Aí é que tá. A gente decidiu na última reunião da bancada. Mas era véspera de Natal, tinha tido a ameaça contra mim, não era o momento de lançar. E depois coincidiu do PSL anunciar apoio a Maia. Então a gente: “Bom, agora mais do que nunca é um momento bom para esse debate”.

Parte da esquerda, como o PT, chegou a ver Maia como um mal menor. O PSOL nunca cogitou apoiá-lo? 

Esse debate nós fizemos. Se existisse uma candidatura vinculada ao governo Bolsonaro e a do Maia caracterizasse uma contra, no segundo turno provavelmente [a] apoiaríamos. Não tem por que, no primeiro turno, não apresentar uma pauta sobre o que a gente espera do Congresso num momento que não é como outro qualquer. A gente não pode ter uma amnésia e esquecer que teve impeachment, “fora, Temer” e a vitória da extrema-direita. A realidade colocou a esquerda nesse cenário de diálogo como há muito tempo a gente não conseguia ter. Agora a gente esquece e começa a chamar de centro quem a gente chamava de direita?

Havia também uma preocupação em, sem acordo, ser totalmente alijado de cargos vitais na Câmara…

São cerca de 135 deputados da esquerda. Evidente que esses partidos não vão ficar de fora da dinâmica da Câmara, seja quem for o presidente. Eles estarão nas comissões, não dependem de um acordo para isso. O grande enfrentamento ao governo Bolsonaro vai se dar na relação do Parlamento com a sociedade civil. Esse é o governo que tem o Ministério da Praça É Nossa, que fica falando de azul e rosa, e ao mesmo tempo, você tem [sob ameaça] a Justiça do Trabalho, as terras indígenas, situações muito mais graves. Claramente tem uma estratégia do Bolsonaro de “falem do que falo, não falem do que faço”. A esquerda não pode cair nessa armadilha.

E ela está caindo? A polêmica de menino vestir azul, e menina, rosa, dominou o debate público…

Fui na feira e tinha um nabo que era muito curioso, o formato. Postei [a foto] e falei: “Calma, ministra, isso é só um nabo japonês. Mas o mais importante não é discutir o nabo, e sim a reforma da Previdência”. Daqui a pouco você está discutindo se o nabo tem aquele formato porque é da cultura marxista.

O PSOL boicotou a posse de Bolsonaro, um presidente eleito democraticamente, o que foi visto por alguns críticos como sinal de imaturidade política.

Deu-se uma importância maior ao que não é uma questão central. Imaginar que alguém, na posse, não fale de desigualdade, mas “vamos acabar com ideologia”, nos leva a uma certeza muito grande que ali não era o lugar de quem está preocupado com a democracia. A hora que chegar no Congresso uma pauta importante para o país, vamos debater. Se for boa, não tem por que votar contra porque é o governo Bolsonaro. A maturidade mais importante é o que é melhor para o país.

Se era uma questão menor, estrategicamente foi esperto não ir na posse de um presidente eleito democraticamente? Até Evo Morales foi.

Tem uma posição política importante de dizer que não foi qualquer governo que foi eleito. Nosso apoio à democracia é total, ao governo, não.

Há no PSOL críticas internas sobre a adesão ao “Lula Livre”. Guilherme Boulos, o candidato de vocês à Presidência, esteve com Lula antes de sua prisão, em São Bernardo do Campo. E o PSOL não apenas apoiou: abraçou o mote “eleição sem Lula é fraude”. Corre o risco de ser visto como apêndice do PT?

O PSOL nasce no auge do PT, o primeiro governo Lula. Essa origem deixa inconteste nossa relação com PT. O que não quer dizer que a gente tenha que ser antipetista, transformar o PT no maior inimigo, maior do que os inimigos de sempre. Isso, sim, seria uma imaturidade. Outros partidos de esquerda —PDT, PC do B— já fizeram alianças com PT no primeiro turno. A gente sempre teve candidato próprio. Apoiei Dilma no segundo turno contra Aécio com críticas enormes a Dilma —e não fomos para o governo. A gente sabe do hegemonismo do PT, que é a principal crítica que o Ciro fez, mas nem por isso deixamos de apoiar Haddad no segundo turno. Porque temos a responsabilidade com a sociedade.

Conversaram com Ciro Gomes sobre o bloco à esquerda formado por PDT, PSB e PC do B, que exclui PT e PSOL?

Conversei com o Carlos Lupi [presidente do PDT]. Nesse momento histórico, não dá para ter um bloco com parte da esquerda. Existem diferenças? Existem. Erros de condução do PT? Existem. Mas essas diferenças nunca serão maiores do que enfrentar um governo de extrema-direita. Todos da esquerda temos que ter uma maturidade imensa de superar [as divisões internas] diante de uma sociedade civil amplamente ameaçada. Cada um vai continuar a ter o seu partido, as suas candidaturas, mas precisa agir conjuntamente e com responsabilidade histórica.

O sr. disse que foi um dos fiadores do projeto Boulos candidato. Ele teve o pior desempenho de um presidenciável do PSOL. O partido fez sua autocrítica?

A gente teve um dos melhores candidatos da nossa história no pior momento histórico. A polarização que aconteceu levou ao voto útil no primeiro turno: pessoas dizendo “quero votar no Boulos, mas vou votar no Haddad —ou no Ciro, para não ter PT e Bolsonaro no segundo turno, porque, se tiver, Bolsonaro ganha. Claro que tivemos erros de estrutura, de condução de campanha, mas não na escolha do candidato.

Dos governos novos na América Latina, só o México é de esquerda. Onde foi que o campo errou?

Aí mora um erro de leitura que toda a esquerda cometeu, de leitura. Mesmo não sendo antissistêmico, Bolsonaro consegue dialogar com o antissistema. Pela linguagem comum que usa. Todo mundo tem alguém igual a ele na família, um amigo que fala desse jeito. É a ideia de que é algo diferente na política por não ser diferente [do povo]. E 2018 dialogou com 2013. Se teve um erro profundo, foi a esquerda não entender [os protestos de] 2013. Houve muita pouca paciência para falar sobre. E é mais que antipetista, é antissistema.

De 2013 pra cá, ascendeu o fantasma do comunismo. Ao que o sr. atribui esse…

Devaneio.

…fenômeno?

Da mesma maneira que eles dizem que grande problema da educação é o Paulo Freire. Quem dera nosso problema fosse excesso de Paulo Freire nas escolas. Fazem isso pra criar uma pauta que interessa ao discurso conservador. Nosso problema não é o socialismo, é a obra da escravidão.

O que o sr. chama de devaneio pode ter sido alimentado por parte da esquerda, PT e PSOL inclusos, que apoia os regimes de Cuba, Venezuela e Nicarágua?

Isso dividiu a esquerda.

O PSOL, ao menos institucionalmente, defendeu a Assembleia Constituinte de Nicolás Maduro. Na sua visão, ele é um ditador?

Parte vê como ditador, parte como socialista, isso nunca unificou. Pessoalmente, acho que um governo que atira na sua população perde a razão, sempre.

A esquerda deveria ser mais enfática em denunciar ataques aos direitos humanos nesses países?

Acho que qualquer violação de direitos humanos tem que ser denunciada. Agora, não tem um pensamento único nem dentro dos partidos, que dirá na esquerda. Que Bolsonaro usou isso, usou. E bem. O que ele tenta reafirmar: estou fora da política, e a política é comunista. Se aproveita de uma crise petista para dizer isso. O que a esquerda precisa fazer, mais do que dizer se a Venezuela é uma coisa ou outra, é dizer o seguinte: a gente precisa livrar o Brasil das lacunas da escravidão, não do socialismo. A gente tem 10% mais pobres brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza.

A esquerda falhou em responder aos anseios populares na segurança pública e na ponte com evangélicos?

Insisto em dizer que um dos erros grandes da esquerda é a falta de capacidade de diálogo com setores evangélicos. É uma população muito próxima dos valores humanitários. Temos que discutir pontos em comum. E aí é o trabalho de base, né? A esquerda que deixou de fazê-lo perdeu a capacidade de dialogar com a sociedade. Acho que Mano Brown [que em outubro disse que o PT desaprendeu a “língua do povo”] tem razão nisso.

Já a segurança pública tem uma administração muito estadual, que não estava na cultura da esquerda necessariamente. Nem a polícia. Mas o debate da segurança pública não foi um que a esquerda priorizou. É um tema tão importante quanto saúde e educação. Não tem como separar mais. A esquerda pecou. E a direita na verdade não apresentou nenhuma solução. O que se apresentou no Rio está longe de ser uma.

Há essa ideia difundida de que direitos humanos são coisa de esquerda.

É preciso requalificar o conceito de direitos humanos, falar mais em lutas humanitárias. A expressão “direitos humanos” já cria uma imagem previamente associada a coisas que impedem o diálogo. Achei muito curioso quando Bolsonaro disse: “Vamos acabar com a ideologia do politicamente correto”. Dialoga com a ideia de que você vai poder voltar a fazer piada racista, homofóbica. Houve muito avanço da pauta das mulheres, por exemplo. A filha que entrou na universidade e já não aceita que certas coisas sejam faladas dentro de casa. Bolsonaro transforma, num discurso defensivo, o que sempre foi opressão em oprimido. Essa ideia de que os avanços republicanos, da mulher ao LGBT, geraram uma perda de direitos de quem sempre teve domínio completo.

Progressistas discutem se é o momento de recuar em algumas causas para focar numa luta mais ampla contra um avanço conservador. O que acha?

Não me agrada muito a ideia de resistência. A esquerda precisa deixar claro que as lutas identitárias são estruturais. Se você pega a questão de gênero: você não pode mais ter as mulheres ganhando menos que os homens por uma questão de desenvolvimento, e não só feminismo. Se a esquerda se desintegrar em lutas que dividem mais do que somam, nesse momento vai errar de novo.

O que vai priorizar em seu mandato na Câmara?

Claro que vou estar na área da segurança pública, mas o debate tributário me interessa muito. A gente vai continuar tributando principalmente consumo? Onerar muito mais os mais pobres? Ou a riqueza?

A reforma da Previdência será central na próxima legislatura. Acredita que é preciso fazê-la?

Não dá para ter uma reforma que amplia a desigualdade. Aqui no Rio, por exemplo: a expectativa de vida no Leblon [zona sul] é 82 anos, em Acari [zona norte], 60. Não dá para estabelecer uma idade mínima como se as pessoas vivessem no mesmo lugar. Agora, fazer esse debate, claro que é necessário.

Da FSP