Rossieli contradiz Doria e afirma ser contra Escola Sem Partido
Para o novo secretário da Educação do Estado de São Paulo, Rossieli Soares, discussões em torno de projetos como o Escola sem Partido só atrapalham. “A única ideologia que deve nos interessar é a ideologia da aprendizagem, essa tem que ser a nossa obsessão”, disse ao Estado o ex-ministro, no governo de Michel Temer. “Vamos discutir o que interessa: os jovens e as crianças não estão aprendendo adequadamente dentro das nossas escolas.” A posição forte, nada política, é ainda contrária ao que disse o governador João Doria justamente ao anunciá-lo para o cargo. O chefe afirmou ser favorável à bandeira do presidente Jair Bolsonaro, que quer combater uma suposta doutrinação de professores nas escolas.
“A gente precisa apoiar o professor e não colocar a culpa nele”, continua Rossieli, que quer implementar em São Paulo um modelo de estágios para docentes nos moldes de uma residência médica. Na semana passada, ele ainda se envolveu na polêmica dos livros didáticos ao negar qualquer responsabilidade nas mudanças publicadas em 2 de janeiro no Diário Oficial. Segundo revelou o Estado, o edital havia sido alterado e passava a permitir erros, publicidade e a não exigir referências bibliográficas. O governo Bolsonaro culpou a gestão Temer.
Como vai lidar com a questão do Escola sem Partido? O governador disse que defende o projeto. Vocês já conversaram novamente sobre isso?
Não voltamos a conversar sobre isso, nosso foco tem sido a discussão da aprendizagem. A gente perde tempo demais em coisas que não são essenciais, vou perder meu tempo com ideologia disso e daquilo, quando só 5% dos jovens saem do ensino médio com a aprendizado suficiente? A única ideologia que deve nos interessar é a ideologia da aprendizagem, essa tem de ser a nossa obsessão. Essa é nossa postura em São Paulo. Vamos discutir o que interessa: os jovens e as crianças não estão aprendendo adequadamente dentro das nossas escolas. Se algum professor abusar dentro da sala de aula para fazer campanha para um lado ou outro, tem procedimento para isso. A escola em primeiro lugar tem de ser capaz de resolver os seus problemas, seus conflitos. Se não, tem mecanismos para se tomar providência. Se a criança não aprender Português, não vai saber interpretar, não vai saber usar linguagem e vai ser refém de qualquer tipo de ideologização. Quando eu garanto a aprendizagem, eu to buscando dar o caminho, para que a criança, o jovem, tenha cada vez mais independência para escolher o rumo que quer.
Muito se fala que professores têm que ser denunciados, que fazem doutrinação.
O que a gente precisa é investir muito na formação de professores. Temos 82% dos professores no Brasil oriundos de universidades privadas, então não é nem uma questão ideológica da universidade pública. A gente precisa apoiar o futuro professor para ele chegar mais preparado na sala de aula. A gente precisa apoiar o professor e não colocar a culpa nele. É culpa do que nós, sistema, estamos fazendo. Não temos metodologia suficiente, prática, o professor chega na sala de aula e o que ele teve de suporte para apoiá-lo? Quando esta lá na formação tem que dizer que a vida de professor é assim, vai enfrentar isso, pode trabalhar no noturno, numa escola com tecnologia ou com muitos problemas de infraestrutura.
O senhor acabou de finalizar no MEC a Base de Formação Docente, que prevê residência para professores iniciantes. Vai fazer isso em São Paulo?
Sim, a gente vai discutir com as universidades, com o governo, a gente precisa investir nesse futuro profissional, assim com nos atuais. Por que você, mãe, pai, não aceita ir ao médico que teve só teoria? Eu posso devorar livros sobre cirurgia, só vou ser um cirurgião se eu tiver prática. Tudo bem, cirurgia mata, mas qual o prejuízo que a gente está fazendo para a educação em não dar oportunidade do professor para ele ficar ao lado de um profissional experiente, para aprender a fazer procedimentos e facilitar a aprendizagem?
Dá pra fazer já no primeiro ano?
Não é fácil. No primeiro ano é muito difícil porque o orçamento já esta definido, a matrícula já está feita, a organização da rede também. Vamos ter que discutir orçamento para isso, precisa ouvir as universidades e elas precisam escutar as discussões que nós vamos fazer com a rede.
Hoje existe o estágio, mas ele é burlado, ninguém faz direito.
Não dá pra fazer de conta que existe estágio. Em tese, existe há décadas no Brasil, mas qual o efeito disso? A pessoa dá uma assinatura lá e libera. Não pode existir isso, estamos falando do futuro das crianças. Quando a gente fala do conceito da residência pedagógica, é dar uma turma para o futuro professor pilotar, quando ele está lá no fim. Nos últimos semestres de uma licenciatura, o cara tem que estar dentro da escola. Assistir uma aula, ver como o aluno reage, como os outros colegas com experiência reagem.
O senhor é do Sul, morou anos em Amazonas, nunca viveu em São Paulo. O que diz sobre as críticas de que não conhece a rede estadual?
Tenho muita tranquilidade em dizer que vou aprender muito, mas conheço a rede há dez anos, mesmo trabalhando em outro Estado. Todo mundo olha para São Paulo, quando São Paulo tem um problema e faz algo que dá certo, reverbera pelo Brasil. Não é porque sou ou não de São Paulo que vou dar certo, poderei dar certo ouvindo a rede e sendo técnico.
O grande problema aqui é que somos o Estado mais rico, mas nas últimas avaliações nacionais pioramos e estamos atrás de muitos Estados.
Posso dizer que, em quatro anos, vamos melhorar. Como secretário de educação de São Paulo não tenho direito de não ter a ambição de colocar São Paulo sempre no primeiro lugar. Não tem como não buscar um desenvolvimento ainda maior sem avançar com educação. Mas precisa jogar as claras e colocar foco na aprendizagem. Continuar com o que é bom e melhorar outras coisas. Temos um processo de política continua, mas não tivemos continuidade na educação. No final das contas, o Ideb é 3,8. Temos que ter obsessão em dar qualidade ao que estamos fazendo com o professor. Há 19 mil professores com carga horária de 12 horas, é quase institucionalizar o bico. O ideal é fixar o professor na escola, muitos deles estão em três, quatro escolas, que qualidade de vida estamos dando para essa pessoa? Tem também salário, carreira, formação. Estamos falando do Estado mais importante da federação em todos os aspectos. Não existe possibilidade de a gente não focar no que é essencial, que é aprendizagem, todo o resto só atrapalha.
E a reforma do ensino médio, outra bandeira sua no MEC, como vai ser em São Paulo?
A gente está perdendo milhões e milhões de jovens e os que estão ficando não estão aprendendo dentro da escola. Acho que isso está muito claro para a sociedade, que quer mudanças. A lei (da reforma do ensino médio) não impõe a regra de cima para baixo, a construção vai ser feita com os estudantes, com os professores, com a rede em São Paulo. A primeira questão é como será o currículo. É preciso entender que a nossa educação tem que estar ligada ao projeto de vida do jovem, precisa escutar o que o jovem quer. E ai a educação vem e apoia, o mundo inteiro esta avançando nesse sentido.
Os alunos reclamam muito que não são escutados, houve ocupação de escolas em 2015 também por causa disso aqui no Estado.
Grande parte da minha vida, de tudo que aprendi, foi dentro de grêmio estudantil. É algo que pretendo fortalecer e muito. A discussão do ensino médio é muito importante com os professores, mas é muito importante com os alunos. Se a gente não conectar todos esses mundos não vai dar certo. Já em dez dias vamos pedir que todas as escolas criem a liderança de classe para já em fevereiro iniciar o processo da criação dos grêmios ou da eleição. Para a gente ter lideranças para discutir. O menino que participa de um grêmio desenvolvo competências que a sala de aula não vai dar.
Do Estadão