Tecnologia dá mais visibilidade a agressões contra mulheres
O ano mal começou e cinco mulheres já foram brutalmente assassinadas por seus companheiros dentro de suas casas no Rio – em alguns casos na frente dos filhos. Pelo menos outras duas agressões graves foram registradas no Estado no mesmo período. O feminicídio só foi tipificado como crime no País em 2015. No Rio, foram 68 casos em 2017 e 61 em 2018 (os números de dezembro não foram divulgados ainda), segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP).
A facilidade de filmar ou gravar as agressões com um smartphone e também de disseminar as imagens nas redes sociais tornou-se aliada importante para o aumento das notificações, segundo especialistas. O grande número de denúncias, por sua vez, acaba aumentando a conscientização da população em geral e das próprias autoridades para a gravidade do problema.
Números do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos revelam que o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio. O País só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de assassinato de mulheres. Com uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil registra 48 vezes mais esse crime do que o Reino Unido, por exemplo.
O crime mais recente registrado no Rio ocorreu no último sábado. Tamíres Blanco, de 30 anos, foi morta a garrafadas na frente da filha de onze meses, dentro de casa, no Morro do Urubu, na Piedade, zona norte do Rio. O principal suspeito do crime é o marido da vítima, Dilson Araujo, que está preso.
Na última quinta-feira, duas mulheres foram mortas por seus maridos. Simone Oliveira de Assis Carvalho foi assassinada com golpes de marreta, dentro de casa, em Itaguaí, na região metropolitana. José Carlos da Silva de Carvalho, marido da vítima, foi preso. Na manhã deste mesmo dia, um outro homem foi preso acusado de esfaquear a mulher na Piedade, na zona norte.
Outros dois casos de agressão ganharam destaque na imprensa nos primeiros dias do ano novo. O empresário Fábio Tuffy Felippe, de 44 anos, filho do presidente da Câmara de Vereadores do Rio, Jorge Felippe (MDB), foi preso sob a acusação de agredir a mulher, Thais Christini Cardoso com vários socos. Fotos da vítima com o rosto desfigurado, os olhos roxos e inchados foram compartilhadas por parentes dela.
Coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Rio, Flávia Nascimento explica que o feminicídio é um crime que ocorre no ambiente privado, geralmente sem testemunhas. Para ela, a tecnologia tem ajudado na produção de provas dos crimes. “A partir do momento em que as imagens da violência são divulgadas, isso faz com que as pessoas tenham mais consciência do problema”, afirma.
O número de crimes contra as mulheres aumentou?
A gente tem tido mais notícias de crimes contra as mulheres, eles estão repercutindo mais. Estatisticamente não temos dados para afirmar que aumentou. Mas pelos dados que temos desses primeiros dias do ano, a gente já percebe uma tendência de aumento em relação à janeiro de 2018 (que teve sete registros). Nos cinco primeiros dias deste ano, já foram quatro crimes consumados. São indicativos fortes de que o ano está se iniciando de forma muito violenta.
Qual a importância da tipificação do crime de feminicídio neste processo?
Antes, não tínhamos como produzir dados. Por isso é importante dar um nome a esse tipo de crime, para produzir dados e prevenir a violência. Com certeza, o fato de termos mais informações, mais campanhas, contribui para termos mais denúncias, mais registros.
Ainda existe subnotificação?
Acho que ainda pode haver subnotificação sim. Há muitos crimes que não são notificados, então, certamente, há feminicídios entre eles. Mas, hoje, dificilmente um feminicídio será classificado de forma equivocada como homicídio. Nesse sentido, não acho que haja subnotificação. Acho que pode haver subnotificação principalmente da violência que não chega a termo, como a moral, a psicológica e até mesmo a violência física.
A tecnologia deu mais visibilidade aos crimes, com as câmeras por toda parte e as redes sociais?
Sim, deu muito mais visibilidade. E isso foi muito importante porque a violência contra a mulher é uma violência que ocorre num ambiente privado. E a palavra da mulher costuma ser muito desqualificada diante da palavra do homem. Então, a partir do momento em que as imagens da violência são divulgadas isso faz com que as pessoas tenham mais consciência do problema.
O Brasil é o quinto país no ranking de mortes violentas de mulheres da ONU. A que a senhora atribui essa colocação?
Atribuo à falta de implementação de políticas públicas para coibir esse tipo de violência. Quando uma mulher registra uma ocorrência e não encontra a proteção adequada, ela acaba voltando ao relacionamento abusivo, se colocando em posição de vulnerabilidade. E o que temos visto é que, desde 2014, há um sucateamento dos equipamentos de atendimento à mulher. Não adianta apenas o registro na delegacia. Ela tem de ser atendida para ser protegida, para resgatar sua autonomia, se livrar da dependência econômica e emocional para conseguir sair do ciclo de violência. O atendimento não pode ser só técnico, jurídico. Mas também assistencial, psicológico.
O homem brasileiro é especialmente violento?
A nossa sociedade apresenta traços muito fortes da cultura patriarcal que contribui muito para a violência contra mulher. Quando a mulher nega determinados papeis socialmente atribuídos a ela, a reação, muitas vezes, é violenta. Parceiros não aceitam que as mulheres trabalhem, querem limitar seu contato com outras pessoas. Por isso, é muito importante a implementação de uma política pública prevista na Lei Maria da Penha, que prevê o ensino, nas escolas, de matérias que tratem dos direitos humanos das mulheres como prevenção a esse tipo de violência.
Quais as principais características desse tipo de crime e como as mulheres podem se proteger?
Uma das principais características do feminicídio é que é um crime evitável. Nunca é um ato isolado, um episódio único de violência. Ele vem num crescendo de violência moral, psicológica, física. Por isso dizemos que é um crime evitável. Com as campanhas educativas, as mulheres devem ser capazes de se perceber em situação de risco e buscar proteção.
Do Estadão