Infelizmente, Bolsonaro ainda tem bastante gordura para queimar

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O mercado político e a política do mercado especulam sobre a aparente liquefação acelerada da governabilidade de Jair Bolsonaro. Se é óbvio que os alarmes no painel de controle do Planalto disparam em uníssono, também é importante não levar toda a previsão apocalíptica pelo seu valor de face.

Bolsonaro está desgastado pela sua incúria no caso laranjal/Bebianno, mas está longe de ser uma Dilma Rousseff em ocaso de mandato. Nesse sentido, a queixa de seus apoiadores de que ele é vítimas de um assédio de forças políticas acostumadas com o gosto da tinta da caneta presidencial é correta, ainda que seja uma meia verdade.

Assim o é porque é fato que corporações estão em movimento contra a reforma da Previdência, por exemplo, ou por qualquer mudança que possa lhes afetar. A elas interessa ver a crise em fogo alto. Mas isso não pode descontar a incapacidade política demonstrada pelo Planalto. O recado dado nesta terça (19) pela Câmara, ao derrubar a canetada dos sigilos ampliados pelo general Mourão, foi eloquente.

Por quê? Bom, se a base é uma geleia habitada por políticos tão histriônicos como nanicos, uma surra daquele tamanho só ocorre com omissão, ou ainda uma omissão organizada por quem manda. A velha política, como os valentes pioneiros gostam de chamar, pode ter morrido, mas seus fantasmas são “poltergeists” bastante corpóreos e não vão engolir qualquer ordem dada por Paulo Guedes.

Mas igualmente é fato que Bolsonaro tem bastante gordura para queimar. A velocidade da esteira na qual corre pode, claro, aumentar a cada áudio trocando mimimis com Gustavo Bebianno que surgir na praça. E tornar-se uma bicicleta de “spinning” descontrolada se algo de fato terrível emergir.

Do ponto de vista de mobilização de base e imagem, nunca se deve tirar de mente que a ala Moro do governo e do Judiciário seguirão em ação, com a Polícia Federal gerando as manchetes de sempre —como ela reagirá se chegar a algum pedaço de carne do bolsonarismo, isso é algo a ver.

Por ora, o mercado está apostando no arrefecimento das coisas e na volta de alguma racionalidade ao debate. Consultorias recomendam, ao estilo do bom e velho clássico da ficção “Guia do Mochileiro das Galáxias”, a não entrar em pânico —mesmo se a Terra for explodida em pedacinhos, como os sortilégios mais pesados que vêm do Rio de Janeiro sempre sugerem ser possível lá na frente.

Na outra ponta, observadores calejados de Brasília, que já assimilaram a existência de uma nova e desorganizada ordem, creem que o termos governo Bolsonaro e racionalidade são incompatíveis. Segundo essa leitura, as conversas giram até sobre em quanto tempo o presidente será chamado de general, e não capitão.

Parece e é algo exagerado, mas convém notar que os operadores da geringonça estão todos bastante preocupados com o desgoverno dela. Falo aqui dos onipresentes militares, mas também de integrantes do PIB sem interlocução com o presidente —consideram que Guedes fala pelo governo, o que não parece uma aposta das mais seguras.

Ninguém esperava um governo que se propunha revolucionário ter um começo fácil. Mas que o grau de turbulência ameaçasse a própria sobrevivência dele, isso nem a esquerda esfacelada poderia imaginar. É de se perguntar, em caso de desastre, quem será o primeiro a deixar a Terra e agradecer, como os golfinhos do supracitado livro de Douglas Adams: “Até mais, e obrigado pelos peixes!”.

Para a crônica do que aconteceu com a onda de direita após a chegada de seus representantes ao poder, a terça (19) deixa um episódio a ser anotado. Enquanto o caso Bebianno dava seu sétimo dia de calor ao bolsonarismo, em São Paulo o figurão tucano Aloysio Nunes Ferreira entregava o cargo a João Doria após a PF bater à sua porta, pedindo escusas pelo constrangimento ao governador (e não se está julgando mérito algum aqui, claro).

Da FSP