Lula sobre queimadas: “O que está acontecendo é proposital”

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FOTO: WANEZZA SOARES

Confira a seguir a entrevista completa à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela entre outras.

BBC News Brasil – Presidente, seu governo foi marcado por forte redução do desmatamento na Amazônia, embora tenha tido alguns momentos de alta, como no início do governo e no ano de 2008. Naquela ocasião, o senhor criticou tentativas de interferência internacional no assunto de meio ambiente.

Agora, vemos esse cenário novamente, e o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a dizer que não descarta um debate sobre criar um “status internacional” para a Amazônia. O senhor mantém sua crítica a tentativas de interferência externa nessa questão? O senhor vê algum risco para a soberania do Brasil na Amazônia?

Luiz Inácio Lula da Silva – Eu vejo um risco da soberania da Amazônia com o discurso do [presidente Jair] Bolsonaro tentando colocar o filho dele [Eduardo Bolsonaro) de embaixador nos Estados Unidos, quem sabe para permitir que indústrias americanas venham pesquisar a Amazônia. Veja, todos nós brasileiros temos que defender a Amazônia como patrimônio brasileiro. A Amazônia faz parte do orgulho brasileiro.

Agora, para ela fazer parte do orgulho brasileiro nós temos que cuidar dela. Cuidar dela não significa transformá-la num santuário da humanidade. Significa criar condições para que os 20 milhões de homens e mulheres que moram lá tenham condições de trabalhar, de sobreviver, de ganhar sua vida, preservando o máximo possível o meio ambiente, levando para lá política de desenvolvimento que possa permitir cuidar da nossa floresta.

Até porque a grande riqueza que temos lá ainda quase que inexplorada é a nossa biodiversidade.

O senhor vê algum problema nas declarações que têm sido feitas por líderes estrangeiros sobre a Amazônia? Ou são legítimas?

Primeiro, é importante lembrar que o Fundo Amazônia foi constituído no meu governo. Isso é uma demonstração de que eu não tenho nenhum problema de contribuir com outros países para ajudar a cuidar da Amazônia. Até porque eu dizia: “Se vocês querem ajudar a cuidar da Amazônia, ajudem para que o país possa ter uma política correta de desenvolvimento na Amazônia”.

Porque você não vai conseguir cuidar da preservação com as pessoas passando fome, com as pessoas sem ter onde trabalhar, com as pessoas sem ter rodovia, sem ter espaço para transitar. Então, é preciso fazer as duas coisas. Eu mantenho as críticas que eu fazia à minha amiga Angela Merkel (chanceler alemã), ao meu amigo Sarkozy (ex-presidente francês), aos ingleses. Por que eu mantenho? Porque o nosso comportamento em todos os fóruns internacionais foi exemplar, exemplar.

O que está acontecendo agora, uma parte das queimadas, é proposital. Já saiu na imprensa que o Ministério Público do Pará avisou ao Ibama com três dias de antecedência que por zap (WhatsApp) os fazendeiros estavam preparando o Dia do Fogo. E não foi tomada nenhuma atitude.

Eu queria te lembrar uma coisa, pega os discursos do Bolsonaro e do governo dele, eles acham que têm que acabar com terra indígena, acabar com terra de quilombo, que tem que acabar com reserva (florestal). É um absurdo.

Quando eu cheguei na Presidência, a ministra era a Marina da Silva. Ninguém pode dizer que a Marina era uma ministra que não se preocupava com Meio Ambiente, como ninguém pode dizer isso do Carlos Minc (que sucedeu Marina como ministro). Nós fomos estruturando o país para que depois de 2005 até a saída da Dilma o país fosse muito respeitado na sua política de preservação ambiental e no cuidado que a gente tinha com a nossa floresta.

Mas o desmatamento começou a crescer em 2012, ainda no governo da presidente Dilma Rousseff. O que foi feito de errado no governo da presidente?

Eu não sei o que foi feito de errado no governo da Dilma. Você pode ter um ano que você cresce um pouco a mais um pouco a menos. Eu tenho até aqui os dados do crescimento, foi muito pouco [Lula consulta papéis com números do desmatamento na Amazônia]. O crescimento começou a aumentar, ele foi até, de certa forma, controlado em alguns instantes. Em 2012, no governo da Dilma, o desmatamento chegou… [Lula olha os números]. Não cresceu em 2012.

Os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o desmatamento vão de agosto de um ano a julho do seguinte. O dado de 2013 (que mostra alta do desmatamento) incorpora uma parte de 2012.

Então, deixa eu falar, em 2013 nós tivemos na Amazônia 5,8 mil km² (de desmatamento). Em 2012 havia 4,5 mil km². Foi o mais baixo [recorde histórico de baixa]. Se você vai comparar um quilômetro com dois quilômetros e meio, cresceu bastante, mas estamos falando que houve um decréscimo em todo o governo da Dilma [segundo os dados do Inpe, até meados de 2012]. Começou a crescer em 2015, (o desmatamento) foi para 6 mil km². Em 2016, foi para 6,8 mil km². 2017, para 7 mil km². Em 2018, para quase 8 mil km².

Em agora em 2019 não temos ainda a quilometragem (de área desmatada).

Há uma tendência de crescimento desde 2012.

Mas é muito pouco.

Gostaria de falar sobre o impacto da construção da usina de Belo Monte, em Altamira, no Pará. O senhor em 2010 prometeu, em discurso, que não seriam repetidos os erros das usinas de Balbina e Tucuruí [usinas localizadas na Amazônia que provocaram grande impacto ambiental]. No entanto, houve muitos erros na construção de Belo Monte. O Ibama não queria liberar a licença ambiental sem antes revisar os estudos de impacto, e houve uma intervenção no órgão durante o seu governo para liberação da licença. Essa licença estabeleceu uma série de condicionantes para evitar que houvesse impactos sociais e ambientais. Essas exigências foram descumpridas e as licenças continuaram sendo liberadas. Houve uma ação leniente do Ibama durante seu governo e no governo Dilma com Belo Monte?

Posso dizer com sinceridade? Nunca houve intervenção do meu governo no Ibama. Alguém te deu informação totalmente equivocada.

[Nota da redação da BBC News Brasil: Em dezembro de 2009, o diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, e o coordenador-geral de infraestrutura de energia elétrica do órgão, Leozildo Tabajara da Silva Benjamim, deixaram seus cargos devido aos embates envolvendo a liberação da licença prévia de Belo Monte. Em fevereiro de 2010, a licença foi concedida com 40 condicionantes para reduzir os impactos sociais e ambientais. A grande maioria não foi cumprida no prazo, mas o Ibama seguiu liberando as licenças das fases seguintes de construção e operação da usina.]

Isso foi amplamente noticiado na época.

Não houve nenhuma, nenhuma. Eu fui a Altamira fazer um discurso sobre Belo Monte. E fui mostrar o discurso que se fazia quando foi feita (a usina de) Itaipu (na fronteira com o Paraguai). Em 74, quando foi feita Itaipu, se dizia que Itaipú ia mudar o eixo da Terra. Se dizia que o lago de Itaipu não ia conseguir segurar a água, que a água ia vazar, que ia cair no Japão, sei lá.

Eu fui lá mostrar que a gente estava sendo muito responsável em Belo Monte, que tinha sido feito todos os acordos que foram possíveis fazer. A Belo Monte começou a ser construída depois que eu deixei o governo.

Foi um projeto do senhor.

Era um projeto antigo. Belo Monte é um projeto de 40 anos.

O senhor abraçou esse projeto.

Eu abracei não, eu queria fazer. E tenho orgulho de ter feito Belo Monte, porque esse país precisa de energia. E Belo Monte é uma hidrelétrica de meio fio, uma hidrelétrica que não tem lago que vai inundar área desnecessária. A cheia do lago é a cheia da enchente.

Esse é apenas um dos impactos (causados pela construção de hidrelétricas). Altamira hoje, segundo o Atlas da Violência, é a segunda cidade em taxa de homicídios do país.

Mas você está botando a culpa em Belo Monte? Bota a culpa em quem governa.

Quem estuda esse tema diz que o grande crescimento de população em Altamira, sem planejamento urbano, sem planejamento de aumento de segurança, etc, trouxe esse impacto para a cidade. Assim como para o desmatamento também. É o maior município em desmatamento do país.

Mas é assim no mundo inteiro, no Brasil. São Paulo virou o que virou porque muita gente foi para São Paulo por causa do êxodo rural. Se Altamira oferecia perspectiva de emprego, houve muita gente (indo para lá). Agora, para quê tem governo estadual e municipal? Para cuidar disso.

A questão é que as licenças ambientais que foram dadas para Belo Monte impuseram condicionantes (para que os estágios da obra avançassem). Por exemplo, criação de delegacia, criação de saneamento, criação de postos de controle do desmatamento. E essas condicionantes não foram cumpridas nos prazos estabelecidos, e o Ibama continuou liberando as licenças.

Deixa eu te dizer uma coisa, eu participei de reuniões que impuseram todas as condicionantes. Quando nós fizemos as Olimpíadas no Rio de Janeiro, a gente colocava como condicionante, depois que terminasse as Olimpíadas, fazer com que todos os postos públicos construídos para as Olimpíadas fossem destinados ao povo. Eu tenho visto notícia que não tão sendo. Se alguma condicionante não foi cumprida em Belo Monte, é preciso saber quem está governando a cidade, o Estado, o Brasil, e fazer cumprir.

A questão, presidente, é que as condicionantes eram exigências para a liberação das licenças pelo Ibama. O Ibama, que é um órgão federal, no governo Dilma, continuou liberando as licenças.

Não tente culpar a Dilma pelo que está ocorrendo em Belo Monte hoje. Cada um de nós é responsável pelo período que governou o país.

O que ela fez no governo dela tem consequências hoje.

Se tem problema você conserta. Belo Monte era uma necessidade do país. Eu duvido que tenha um país no mundo que tivesse as condições de fazer uma hidrelétrica como Belo Monte que não fizesse. E alguns fariam ainda com lago, e nós resolvemos fazer sem lago, e um dia vamos pagar um preço, porque na hora que o Brasil estiver necessitando de energia e não tiver energia, vão dizer: por que não fez um lago em Belo Monte?

Da FSP