Lula dá aula a opositores ao pensar o país e dialogar
A história é um clássico no mundo da diplomacia. O ano era 2010 e, mais uma vez, EUA e Irã se digladiavam em divergências políticas e econômicas. Oposto à aplicação de sanções ao país asiático – cujo programa nuclear despertava apreensão e dúvida – , Lula agendou visita a Teerã e se colocou à disposição para intermediar o conflito. Resultado: o ex-presidente saiu de lá com acordo favorável às duas nações. De quebra, o brasileiro se confirmaria no posto de um dos maiores intermediadores do planeta.
No fim daquele mesmo ano, o ex-presidente deixaria o cargo com 87% de aprovação popular (a maior já registrada na história) não só pelo imenso legado deixado ao povo brasileiro, mas também por ter feito um governo abrangente, capaz de atrair grandes investidores sem deixar de priorizar políticas sociais de inclusão e combate à pobreza.
Engana-se, no entanto, quem pensa que a capacidade de dialogar do ex-presidente tenha esmorecido a partir do cárcere político. Aliás, o grande número de lideranças globais e chefes de estado que o visitou desde o dia 7 de abril de 2018 prova justamente o contrário: Lula segue como a voz mais dissonante, plural e pacificadora do cenário político atual.
Mas não só. Ainda que esteja mantido longe das ruas para fazer o corpo a corpo com a população brasileira e participar de reuniões para pensar o país, sua cela em Curitiba tornou-se espaço muito mais democrático do que, por exemplo, o gabinete do atual e impopular presidente Jair Bolsonaro.
Enquanto quem hoje está no cargo mais alto da República tem conseguido a façanha de arrumar problemas diplomáticos a perder de vista e desperte asco ao ser autocrata e subserviente ao mesmo tempo, ler, ver ou ouvir o que Lula tem a dizer sobre o Brasil é um respiro democrático, um alento para todos aqueles que já não suportam mais tanta barbárie.
Desastre x lucidez
Desde o 1º de janeiro de 2019 o brasileiro, a contragosto, habituou-se a esperar as piores notícias vindas do Palácio do Planalto. Como se não bastasse, cada novo desastre tem vindo acompanhado imediatamente de uma declaração jocosa, desinformada ou simplesmente sem sentido de Jair Bolsonaro.
Foi assim quando chamou professores e estudantes de idiotas. Foi assim quando culpou as ONGs pelos incêndios na Amazônia que – logo se soube – eram de total responsabilidade do seu governo. Quando o assunto não era política, Bolsonaro fazia questão de envergonhar o Brasil com preconceito, discurso de ódio ou machismo: a piada com a primeira-dama francesa é a ilustração perfeita do que virou o Brasil.
Mas para cada uma dessas atrocidades havia sempre uma resposta lúcida de Lula. “Soberania não é só uma ideia de desenvolvimento econômico. É preciso defender a saúde, a educação, a América Latina. Os problemas do Brasil só se resolverão se o país for soberano”, reiterou o ex-presidente ao cientista político economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que o visitou, acompanhado do ex-ministro Celso Amorim, em julho.
Apoio internacional
No começo de setembro, o líder e fundador do movimento França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, decidiu vir ao Brasil para se encontrar com Luiz Inácio Lula da Silva, seguramente a maior vítima da politização do Judiciário do planeta. Ao lado de Fernando Haddad e Aloizio Mercadante, o francês fez da visita ao ex-presidente oportunidade única para debater o tema e encontrar meios de combater as guerras jurídicas pelo mundo.
Daquela visita saiu o anúncio de uma grande mobilização internacional em defesa de todos os que, assim como Lula, tornaram-se presos políticos ou alvo do lawfare – uso de instrumentos jurídicos com fins de perseguição política. “Grande parte da nossa visita com Lula foi para discutir justamente isso. Porque é a primeira vez que vejo no mundo da Justiça alguém ser condenado por fatos indeterminados de ofício. Claramente não houve limites na utilização da justiça (para levá-lo ao cárcere sem prova nem crime)”, declarou Mélenchon.
O francês não foi o único a deixar a sede da Superintendência da Polícia Federal com propostas para enfrentar a onda de retrocessos que assola o Brasil e o mundo. Em julho, o vencedor das prévias da disputa presidencial na Argentina, Alberto Fernández, também se encontrou com Lula e, logo depois, deu o seu recado: “Vou estar ao lado de Lula fazendo tudo o que for necessário até que o sistema judicial entenda que é preciso respeitar os direitos e as garantias de todo cidadão. A prisão de Lula é simbólica para toda a América Latina. E a libertação será ainda mais simbólica.”, conclui.
O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, por sua vez, deixou o encontro com Lula ciente de que ambos trilharam caminho certo no que diz respeito à emancipação da América Latina – região hoje descartada por Bolsonaro, que escolheu ser fantoche dos interesses estadunidenses. “A politica tem que enxergar trinta anos a frente e não conformar-se com o hoje. Senão perderemos o rumo (…) Quando Lula foi presidente deste país gigantesco, numa atitude de muita consideração e respeito aos países pequenos da América Latina, o Brasil se comportou como uma espécie de irmão mais velho.”
Ao menos outros cinco chefes de estado e mais de uma dúzia de grandes intelectuais do Brasil e do mundo também estiveram com Lula em Curitiba e, de lá, propagaram suas ideias e suas propostas para além dos muros do cárcere injusto. “A democracia no Brasil se chama Lula”, definiu Juan Carlos Monedero, fundador do partido espanhol Podemos, após visita a Lula em novembro passado.
Lula é o símbolo maior da resistência no Brasil
O mês de agosto já pode ser considerado um marco no enfrentamento ao desgoverno de Jair Bolsonaro. E não é coincidência que a agenda de lutas daquele mês – marcada por mobilizações, atos e enfrentamento no Congresso – englobasse a pauta que Lula classificou como prioritária para o país: defesa da soberania, combate à reforma da Previdência, defesa da educação pública, dentre outros.
“O PT tem uma grande responsabilidade com o Brasil”, alertou o ex-presidente no dia 1º de agosto em mensagem repassada à Vigília e ao mundo pela presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que o visitara naquele dia. Logo depois, foi anunciado o calendário de lutas organizado pelos movimentos sociais, sindicatos e partidos de oposição que ocorreram naquele mês.
Lula, como se vê, nunca deixou de pensar e estar sintonizado com o país. Chamado de radical por seus opositores ao longo de quatro décadas, mostrou mais uma vez que todos eles estavam errados: está para nascer um líder com tamanha capacidade para criar consensos no Brasil.
Do PT