Brasil não deve tomar lado entre China e EUA

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Protagonizando um dos momentos mais críticos em décadas, EUA e China mergulham numa guerra comercial, com impacto no fluxo de exportações e investimentos em todo o mundo. Mas, para o governo brasileiro que tem a China como um dos principais destinos de exportação e Washington como seu maior aliado político, o momento é de ficar distante da briga.

Em entrevista ao UOL, a ministra Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) estima que não cabe ao Brasil tomar lados. Sob o governo de Jair Bolsonaro, o país passou a alinhar sua política externa a vários dos aspectos centrais defendidos pela Casa Branca. Mas a ministra defende que essa aproximação não arraste o Brasil para a disputa entre Pequim e Washington. “O Brasil não pode entrar nessa briga. Essa briga é deles, não é nossa”, disse.

Em visita à Organização Mundial do Comércio (OMC) nesta semana, a chefe da pasta da Agricultura conversou com o blog sobre a estratégia comercial do Brasil, incluindo a situação na Amazônia.

Seu raciocínio sobre ficar de fora da crise não ocorre por acaso. Hoje, a China é destino de um volume substancial da exportações brasileiras do setor agrícola e local que receberá uma visita de Bolsonaro, ainda neste ano.

“Vamos continuar entregando produtos de qualidade e mostrando parcerias, fazendo cooperação. E ficar prestando atenção. Uma hora eles (chineses e americanos) podem se entender e o que temos de ter é nossa fatia garantida”, disse.

Mas a crise entre americanos e chineses já afeta o cenário internacional, com a proliferação de barreiras e disseminando incerteza. De acordo com dados da OMC, o comércio sofrerá uma forte desaceleração em 2019, com um crescimento de apenas 1,2%. A taxa é a terceira menor em três décadas. Tereza Cristina sabe disso e insiste que o cenário exigirá que o empresário brasileiro seja cada vez mais competitivo.

“O produtor brasileiro cada dia já tem muita eficiência. Mas precisará ter mais, verificar como baixar custos. A competição vai aumentar pelos espaços de exportação”, indicou. Ela acredita que a desaceleração é cíclica. Mas caberá ao Brasil “se mexer”.

Terras

Além da China, outro destino de Bolsonaro neste ano será a Arábia Saudita, outro importante destino das exportações agrícolas do Brasil. De acordo com a ministra, Riad questionou o governo brasileiro sobre as condições de compra de terras no Brasil para a produção agrícola. “Eles nos perguntaram muito isso. Mas temos uma legislação que não permite compra em larga escala”, afirmou.

Tereza Cristina deixou claro que o assunto está hoje nas mãos do Congresso. “Isso está em tramitação. No Senado, há uma projeto e outro na Câmara. É um tema que precisa ser discutido, Não é um tema fácil. Não é um tema que está apaziguado”, admitiu.

Questionada se é favorável à abertura do Brasil para investimentos neste sentido, a ministra insistiu que tudo dependerá das condições. “Depende”, respondeu. “Eu sou favorável, com algumas restrições”, explicou. Segundo ela, o projeto de lei que está em tramitação no Senado “traz regras de muito interessantes”. Mas isso que o assunto terá de envolver um debate no Legislativo.

Em 2008, os sauditas iniciaram uma política de compra de terras pelo mundo, depois da crise alimentar que assustou diversas economias com um salto no preço de commodities. Investimentos foram realizados na Etiópia, Sudão e em outros países africanos.

No caso do Brasil, a ministra indicou que os países do Golfo querem ir além do comércio. “Eles têm uma mudança de filosofia e estão preocupados com a segurança alimentar”, explicou. “Não é ser só um parceiro comercial”, afirmou.

Bolsonaro estará em Riad entre os dias 28 e 31 de outubro, em uma viagem que ainda inclui outros países do Golfo. No ano passado, os sauditas importaram US$ 1 bilhão em carne de frango e bovina do Brasil, além de açúcar, soja, milho, café solúvel, ovos e café verde. Segundo a ministra, os sauditas querem investimentos e empresas brasileiras também e cooperação na região com a Embrapa.

Tereza Cristina acredita que a tensão registrada no início do ano entre os países árabes e o Brasil está superada. Brasília havia indicado que transferiria sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalem, num ato que reconheceria a cidade como capital do país. Para os árabes e mesmo em resoluções da ONU, tal gesto seria uma violação do direito internacional.

Para a ministra, porém, o tema “está pacificado”. Bolsonaro de fato viajou para Israel. Mas jamais concretizou a transferência da embaixada, depois de um forte lobby do setor exportador brasileiro que temia perder mercado nos países árabes.

Amazônia

Se a situação com os árabes está “pacificada”, a ministra admite que o governo terá de se engajar em uma campanha para reverter a imagem criada sobre o Brasil na Europa, diante da situação da Amazônia.

“O problema da Amazônia é a desinformação. Pior praga é a desinformação”, disse. Desde agosto, governos europeus foram à imprensa fazer declarações sobre a situação das queimadas no Brasil. O assunto passou a estar no centro da agenda ONU e mesmo do Vaticano.

O resultado também apontou para suspensão de acordos em alguns setores e mesmo a resistência de partidos na Europa contra o acordo recentemente assinado com o Mercosul.

“O Brasil é um continente”, disse a ministra. “A Amazônia não é o local onde se produz. Querer relacionar a agricultura e pecuária com a Amazônia, é um contra-senso. Problemas existem. Todo ano tem problema. Mas existe um exagero. Prefiro acreditar que é falta de informação”, disse.

Há poucos dias, ela esteve na Alemanha e afirmou ter explicado a situação para o governo de Angela Merkel. Segundo ela, se a agricultura presente apenas 8% das terras nacionais, as terras indígenas ocupam 13%. “Quando começamos a falar e colocar os dados, as pessoas passam a refletir”, disse.

Tereza Cristina, porém, admitiu que o “mundo está preocupado” com o meio ambiente e que o assunto está “no psicológico das pessoas”. “Mas é um desserviço nós brasileiro fazermos uma propaganda contra o Brasil. Eles não tem obrigação de conhecer. Mas nós temos. E temos de colocar os dados verdadeiros para que as pessoas comecem a ter dúvidas : será que é assim mesmo?”, disse.

Não por acaso, ela afirma que uma campanha de informação será “muito importante” e terá de ocorrer de uma forma prolongada. “Temos de reagir”, defendeu.

Mas questionada sobre o fato de até o papa Francisco tratar do assunto da Amazônia, ela preferiu não entrar em confronto com o Vaticano. “Vamos deixar o papa com Deus. Eu rezo todos os dias. O papa é argentino”, disse.

Acordo Mercosul-UE

Outro assunto debatido pela ministra em sua viagem pela Europa foi o acordo entre UE e Mercosul, assinado depois de 20 anos de negociação. Segundo ela, o governo alemão indicou que uma ratificada do tratado levaria entre dois e três anos para ocorrer.

Mas minimizou a resistência que o acordo pode sofrer nos Parlamentos nacionais pela Europa. “Ninguém conhece ainda. As pessoas primeiro precisam conhecer o acordo para decidir se é bom ou ruim. Depois, votar. As pessoas estão querendo adivinhar”, disse.

No mês passado, o Legislativo da Áustria votou uma moção pedindo que o governo de Viena não aceite o acordo. Mas o voto não é definitivo, já que o texto em si do acordo sequer foi submetido à avaliação.

“Cada país vai ter de se debruçar, estudar e ai tomar uma decisão consciente se ele é bom ou ruim. Não é só um acordo sobre agropecuária”, alertou.

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)

Do Jamil Chade