67% rejeitam demagogia bolsonarista no trânsito

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Foto: Reprodução

O ex-presidente Lula construiu sua base social a partir do sindicalismo. “O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados”, diz o manifesto de fundação da sigla, de 1980. Quase quatro décadas depois, Lula saiu da prisão e voltou a fazer acenos aos trabalhadores, discurso que nunca deixou adormecido mesmo após os escândalos revelados na Operação Lava-Jato: “O Brasil piorou, o povo está desempregado, o povo está trabalhando de Uber, de bicicleta para entregar comida”, disse em Curitiba, ao sair da cadeia.

De uma piada ao “tá ok?”, o presidente Jair Bolsonaro, assim como Lula, tem os cacoetes da informalidade e espontaneidade necessários para estabelecer uma conexão direta de comunicação com a massa. Curiosamente, é o ponto de contato dos extremos políticos do Brasil de 2019.

Com dificuldade para fazer anúncios positivos em um ano de recuperação lenta da economia, Bolsonaro lança mão de sua pauta preferida de “bondades”: a agenda de trânsito. O presidente reclamou ontem que “fica difícil a gente dar boa notícia” porque foram feitas 101 emendas ao projeto do governo.

O texto original afrouxou regras estabelecendo, por exemplo, o dobro de pontos para ter a carteira de motorista suspensa ou a advertência por escrito para quem transportar crianças de forma irregular no lugar da infração gravíssima. Para o presidente não há riscos, uma vez que os brasileiros sabem o que é certo ou errado no trânsito e há punições demais no país onde 35 mil pessoas morreram em acidentes em 2017, segundo os últimos dados do Datasus.

Ao defender seu mais novo projeto desidratado, após as profundas alterações no pacote anticrime, Bolsonaro insiste na sua agenda própria com o povo, mais especificamente com caminhoneiros e motoristas profissionais — segundo o Datafolha, 67% dos brasileiros rejeitam o fim dos equipamentos de fiscalização das estradas.

Após a Justiça decidir pela volta dos radares móveis, o presidente abriu enquete nas redes: “Você é a favor dos radares?”. Tenta estabelecer sua base ou “lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas”, como diz o manifesto petista. Há um quê de rebeldia, transgressão e libertação que atraem estratos sociais.

Diz proteger “quem vive no volante” porque os motoristas da Rio-Santos, rodovia que costumava frequentar para chegar à sua casa de Angra, vivem o risco seríssimo de completar o ano com mais de 20 pontos na carteira. Em tese, uma agenda libertária, capaz de retirar o Estado do “cangote” dos cidadãos, facilitando o dia a dia dos trabalhadores. “Não tem local de risco. Ninguém é otário de ter uma curva na frente, uma ribanceira, o cara entrar a 80, 90, a 100 por hora. Não é otário, não faz isso aí. Não precisa ter um pardal para multar o cara lá”, disse o presidente em maio, ao defender sua tese.

Na semana passada, no entanto, reportagem do GLOBO revelou que, após seis anos de quedas consecutivas, as estradas brasileiras voltaram a registrar alta de acidentes graves, com mortos ou feridos.

Os próximos anos de mandato dirão se Bolsonaro conseguirá convencer a maioria de que é mais seguro dirigir sem fiscalização de radares fixos e móveis ou se as mortes no trânsito vão falar mais alto.

O Globo