Estudo da FGV mostra aumento da desigualdade no Brasil

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Laércio Matias, de 53 anos, se esforça para empurrar o carrinho que usa para coletar papelão, no centro de São Paulo. Em um dia de sorte, ele ganha R$ 50 com a venda de 130 quilos do material. Ao caminhar pelas ruas da cidade, porém, não deixa de pensar no quanto a sua vida mudou nos últimos anos.

Operário experiente, ele era empregado na construção de grandes edifícios comerciais da capital paulista. Não faltava emprego. Até que veio a crise e a família teve de aprender a se virar com menos. “Com o tempo, até as reformas sumiram e fui trabalhar na rua. A situação é difícil, mas tem gente pior. No trajeto, passo por tantas famílias morando na rua que fico até sem graça de reclamar.”

Laércio é uma das muitas vítimas da recessão que assolou o Brasil entre 2014 e 2016, que deixou no seu rastro um aumento da desigualdade que o País ainda está longe de conseguir mitigar. E esse fenômeno da desigualdade atingiu ainda de forma mais forte as regiões menos desenvolvidas.

Um estudo de pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que a distância entre as regiões brasileiras aumentou nos últimos cinco anos, como consequência da recessão: enquanto a desigualdade da renda do trabalho cresceu quase 5% no Nordeste e no Norte, nas demais regiões, ela cresceu na casa dos 3%, pelo coeficiente de Gini.

Esse índice mede o grau de concentração de renda em um grupo, apontando a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e mais ricos. Ele varia de 0 a 1. Quanto maior o número, maior a desigualdade.

O economista Daniel Duque, um dos responsáveis pelo estudo, aponta que, dos cinco Estados que ficaram mais desiguais nos últimos cinco anos, todos são nordestinos. Nesse ponto, os últimos anos foram mais cruéis na Paraíba, no Maranhão e em Alagoas.

Desempregado e tendo de pedir esmolas em um cruzamento da capital alagoana, Maceió, Gilson dos Santos, de 38 anos, pede comida para os três filhos enquanto espera por um milagre. Antes da crise, ele chegou a investir os poucos recursos que tinha na compra de uma bicicleta e de produtos para vender lanches na rua. Veio a recessão e ele perdeu tudo. “O desemprego era tão alto que os clientes sumiram.”

A volta do crescimento da desigualdade é reflexo direto da falta de trabalho formal, que afetou a renda das famílias. Nos últimos cinco anos, só 2 dos 27 Estados brasileiros, mais o Distrito Federal, não ficaram mais desiguais — Sergipe e Pernambuco, que já tinham índices elevados.

Retrocesso

O Brasil tem um longo histórico de desigualdade de renda, mas havia entre a maior parte dos economistas, até 2014, um entendimento de que esse cenário iria melhorar e a desigualdade cairia continuamente, diz o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. “O sinal de alerta veio quando essa tendência foi revertida.”

Desde a crise, a parte mais rica dos brasileiros se distancia cada vez mais da parcela mais pobre. No começo deste ano, a renda da metade mais pobre caiu cerca de 18%, e o 1% mais rico teve quase 10% de alta no poder de compra, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para reverter esse quadro, Henriques lembra que é preciso ter uma agenda de recuperação econômica, que enfrente de forma eficiente a questão do desemprego. “O Brasil precisa retomar a tendência de construir políticas sociais mais articuladas, pegar os instrumentos que existem e podem ser repensados. E um ícone disso é o Bolsa Família.”

A maioria dos economistas ouvidos pelo Estado citou o programa para famílias de baixa renda como exemplo de política social bem-sucedida voltada para a extrema pobreza. Apesar de ele, por si só, não combater a concentração de renda, uma das ideias é que ele seja revisto e ampliado.

Apesar de a desigualdade ter piorado justamente nas regiões mais pobres do País, os economistas lembram que pobreza e desigualdade não são o mesmo conceito. Um país pobre pode ser mais igualitário do que um rico. Um relatório do Banco Mundial aponta, contudo, que a pobreza também aumentou no Brasil de 2014 a 2017, atingindo 21% da população, ou 43,5 milhões de pessoas.

O pesquisador Pedro Herculano de Souza, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ganhador do Prêmio Jabuti com o livro Uma História da Desigualdade, avalia que o desemprego e a informalidade atingiram em cheio os grupos mais vulneráveis, o que contribuiu para o aumento tanto da pobreza quanto da desigualdade.

Ele completa que uma saída para a redução desses problemas seria transpor os obstáculos que ainda estão travando a recuperação da economia, fazendo reformas para criar mais espaço fiscal que estimule investimentos em programas sociais e geração de empregos. “E, no longo prazo, não há como substituir o investimento em educação, que deve ser maior e mais eficiente, com o objetivo de formar no País uma força de trabalho mais preparada.”

Estadão