Jane Fonda conta como se engajou na luta ambiental

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Jane Fonda, 82 anos, é atriz premiada e ativista de longa data. Ela se mudou para Washington, D.C., quatro meses atrás para lançar o Fire Drill Fridays (algo como Sextas de Brigada de Incêndio), uma campanha com manifestações semanais para chamar a atenção para a urgência de questões relacionadas às mudanças climáticas.

Você é ativista há muito tempo. Pode falar sobre sua primeira experiência no ativismo?

Eu me lembro muito bem. Morava na França fazia uns nove anos. Casada. Mãe. Soldados americanos estavam se opondo à guerra. Eles tinham lutado no Vietnã e desertado. Estavam em Paris procurando compatriotas para ajudá-los, como médicos, dentistas e coisas assim. Foram eles que me ajudaram a entender a guerra e tudo que estava errado. Para resumir a história, eles me deram um livro de Jonathan Schell chamado The Village of Ben Suc. E fiquei abalada com a leitura.

Como assim?

Minha vida, até aquele momento, era fascinante. Interessante. Vazia. E eu estava sentindo o vazio. Foi aí que me dei conta: por onde andei? O que tenho feito da minha vida? A pior coisa da vida é passar por ela e não saber por que você está viva. Sentir que sua vida não tem sentido. Então, eu estava totalmente preparada para jogar tudo isso fora e mergulhar completamente em um mundo novo. Deixei tudo para trás, mudei de volta para os Estados Unidos, liguei para uma pessoa que organizava mobilizações e disse: “Sou Jane Fonda e sei que há coisas graves acontecendo em todo o país. O que posso fazer para ajudar?”. Ele disse: “Bom, quais são suas políticas?”. Eu não sabia nada disso, não era muito ativa, nem sabia o que dizer. Aí pensei: Bom, vou ter que aprender muitas coisas muito rápido. Não aprendi rápido o suficiente, mas fiz o meu melhor.

Certa vez, em uma viagem para o Vietnã do Norte, você disse que estava a bordo de um avião inimigo. Depois, declarou sobre o episódio: “Vou para o túmulo me arrependendo disso”.

Você sabe, cometi um erro. Mas fui para deter o bombardeio dos diques. Porque os Estados Unidos estavam bombardeando os diques do norte do Vietnã. E, pelos documentos do Pentágono, sabíamos o que isso significava. Porque a estratégia já tinha sido proposta ao (Presidente Lyndon) Johnson. E Johnson disse “não, foi isso que Hitler fez, não podemos fazer isso, não podemos ser irresponsáveis”. Kissinger calculou que várias centenas de milhares de pessoas morreriam de fome, e assim por diante. Muitas pessoas tinham ido lá, mas não uma celebridade. Não uma estrela de cinema. Então disse a mim mesma: eu vou e vou me concentrar no bombardeio dos diques, vou trazer de volta a prova. E o bombardeio dos diques cessou dois meses depois.

Tenho certeza de que, ao longo dos anos, você conversou com pessoas que ficaram com essa ideia persistente da “Hanói Jane”. Como você lidou com a reação?

Foi muito estranho. Não aconteceu de imediato. Foram quatro, cinco anos, mais ou menos, até eles criarem esse mito da “Hanói Jane”. Mas estou percebendo, agora que estou no meio da velhice, que comigo não funciona, comigo não cola, eu simplesmente nunca deixei isso me atingir. Quanto mais me atacavam, mais eu firmava os pés no chão: “Se eles pensam que vão me assustar e me impedir de fazer o que estou fazendo, garoto, eles não perdem por esperar”. Sempre fui assim, desde pequena. Não sei por quê. Talvez porque nunca estive sozinha. Sempre faço parte de um movimento. Então tem aquela coisa coletiva.

E quanto às reações das pessoas próximas a você? De sua família?

Uma vez, visitei Angela Davis quando ela estava presa no norte da Califórnia – nos conhecemos antes de ela ir para a prisão. Voltei para casa e contei a papai onde tinha ido. E ele disse: “Se eu descobrir que você é comunista, serei a primeira pessoa a entregá-la”. Fui para a cama, puxei as cobertas sobre a cabeça e chorei por dois dias inteiros. Sim, isso me afetou. Porque era meu pai! E eu o adorava e o respeitava. Mas o resto, nem tanto.

É a história de muitas famílias americanas.

Sim. A divisão entre as gerações. A primeira base militar que visitei, nunca vou me esquecer. Eu estava sentada no chão com um grupo de soldados, e um jovem veio até mim e pôs a boca bem perto da minha orelha. Era claramente uma coisa difícil para ele falar. E o que ele me disse, nesse suspiro, foi que ele tinha matado um bebê. E outros caras me disseram coisas que tinham visto, e todos eles estavam chocados. Fui para casa e contei ao papai o que tinha ouvido. E ele não quis acreditar. Ele disse: “Se você me provar que é verdade, vou liderar uma marcha até a Casa Branca”. Então, trouxe um cara que se tornou meu amigo, Donald Duncan, um Boina Verde. Falei: “Donald, você poderia conversar com meu pai sobre o que está acontecendo lá?”. E ele falou. E papai ouviu. Mas não estava no DNA dele. Era uma geração diferente. Ele votou para tentar acabar com a guerra, mas não conseguiu participar da marcha. Você sabe o que quero dizer? Não era coisa dele. E tudo bem. Mas ele nunca mais ficou bravo comigo.

O que fez você dar um tempo na sua vida para organizar as Sextas de Brigada de Incêndio? Por que isso e por que agora?

Passei o último ano sentindo um grande mal-estar. Você sabe, ciente de que não estava fazendo o suficiente, sem saber o que fazer, sem fazer parte de um movimento. Eu estava tentando. Tinha comprado carro elétrico. Parado de usar plásticos descartáveis. Não estava comendo carne vermelha. Todas essas coisas. Mas sabia que não era suficiente. Aí, no fim de semana do Dia do Trabalho, li o livro de Naomi Klein, On Fire: The (Burning) Case for Green New Deal (Em Chamas: A (Ardente) Defesa de um New Deal Verde, em tradução livre). Não podemos continuar assim. Então, eu queria fazer algo que chamasse atenção, para apoiar a Greta (Thunberg) e os ativistas estudantis, para aumentar a sensação de urgência. Queria mostrar que temos que sair da nossa zona de conforto. Temos que nos acostumar a ocupar as ruas. Quero dizer, se necessário, temos que fechar o governo. E isso não é radical. Radical é não fazer nada diante do que está por vir. E você perguntou: “Por que agora?”. Agora é a hora. Tenho que viver este último ato de tal maneira que, quando chegar ao fim, minimizarei os arrependimentos. Eu me sinto bem jovem, na verdade, mesmo que agora demore uma eternidade para entrar e sair do carro. E, se tiver que dormir na cama de metal da prisão, vai doer mais do que trinta anos atrás. Mas aquele mal-estar se foi. Quero dizer, estou morrendo de medo, mas sei que estou fazendo o que é preciso.

Estadão.