O que sobrou do pacote anticrime de Moro

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Após uma série de idas e vindas, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (4) o controverso pacote anticrime proposto pelo ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública). Mas o texto só conseguiu passar na Casa após ter sido desidratado em quase 30%.

Ao todo, 11 pontos foram retirados da proposta original de Moro, que contou até com uma campanha de marketing milionária do governo Bolsonaro.

As três principais derrotas do ministro foram: mudanças nas regras para o “excludente de ilicitude”; criação do “plea bargain” e prisão após condenação em segunda instância.

Por outro lado, o texto que agora segue para o Senado aumenta o tempo máximo que a pessoa pode ficar presa cumprindo pena aumenta de 30 para 40 anos e endurece as regras da progressão de regime, quando o preso deixa a prisão para cumprir a pena em casa, por exemplo.

“Há avanços importantes. Congratulações aos deputados. Há necessidade de algumas mudanças no texto. Continuaremos dialogando com CN (Congresso Nacional), para aprimorar o PL (projeto de lei)”, escreveu Moro no Twitter.

O ministro exaltou a aprovação de mudanças como “proibição de progressão de regime ao membro de crime organizado, execução imediata dos veredictos do Júri, agente policial disfarçado, regras mais duras de cumprimento de penas para condenados por crimes hediondos com resultado morte”.

Entenda abaixo os principais pontos que foram aprovados e ficaram de fora do projeto aprovado por 408 votos a 9 — e que podem voltar a tramitar separadamente no ano que vem.

Moro propunha uma versão do “plea bargain” adotado nos Estados Unidos. Esse mecanismo permitiria que o acusado faça um acordo com o Ministério Público no qual se declara culpado do crime em troca de vantagens, como uma pena mais branda, por exemplo, abreviando o processo judicial e em muitos casos evitando até que o caso seja levado a julgamento.

Para críticos desse instrumento, há uma concentração excessiva de poder no Ministério Público e inocentes pode ser levados a confessarem e serem punidos por crimes que não cometeram. Nos Estados Unidos, estima-se que mais de 95% sejam resolvidos por meio dessa solução negociada.

A proposta era defendida pela Associação Nacional dos Procuradores da República e por cerca de 90% dos magistrados brasileiros, segundo levantamento divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros.

Em vez do mecanismo sugerido por Moro, os deputados aprovaram uma proposta do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que modifica as regras da “transação penal”, instrumento usado pelo Ministério Público para propor o cumprimento de penas alternativas antes do início do processo judicial.

Esse tipo de acordo, que atualmente só se aplica a crimes com pena de até dois anos, passa a valer para crimes sem violência ou ameaça puníveis com pena de até quatro anos, além de incluir investigações de agentes públicos acusados de improbidade administrativa ou enriquecimento ilícito.

A lei atual já isenta de culpa o policial que age “usando moderadamente os meios necessários” para defender-se de “agressão, atual ou iminente”, a si ou a outra pessoa.

Moro propunha alterar a redação deste parágrafo do Código Penal ampliando as hipóteses de beneficiar policiais. O juiz passaria, por exemplo, a poder “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la” ao policial se “o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

A proposta, apelidada por críticos de “licença para matar”, caiu do texto em setembro após uma troca de farpas entre Moro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nas redes sociais. Maia lamentou a morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, baleada durante uma operação policial no Rio.

“Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Ágatha e sabe o tamanho dessa dor. Expresso minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento. É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no Parlamento”, escreveu Maia no Twitter.

Moro rebateu: “Lamentável e trágica a morte da menina Ágatha. Já me manifestei oficialmente. Os fatos têm que ser apurados. Não há nenhuma relação possível do fato com a proposta de legítima defesa constante no projeto anticrime”.

Em novembro, o STF proibiu o início do cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos dos réus, o chamado trânsito em julgado. Ou seja, a Corte modificou o entendimento que permitia a prisão do réu depois de condenação em segunda instância.

O Supremo tratava especificamente do artigo 283 do Código Penal — que declara que ninguém pode ser preso antes do fim do processo a não ser que haja flagrante de crime ou pedido de prisão preventiva.

Para a Corte, o texto está de acordo com a Constituição Federal de 1998, cujo artigo 5º afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Mas a decisão, que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gerou uma forte reação no Congresso e no governo Bolsonaro para mudar a legislação.

O pacote anticrime de Moro previa a mudança, mas o grupo de trabalho em torno da proposta retirou esse trecho por entender que seria preciso mudar a Constituição, o que não pode ser feito com um projeto de lei, mas por uma Proposta de Emenda à Constituição.

De todo modo, a Câmara e o Senado avançam com propostas para retomar a prisão em segunda instância. Mas alguns especialistas avaliam que uma eventual mudança da Constituição seria rejeitada pelo STF porque uma cláusula pétrea da Carta não pode ser alterada.

No Twitter, Moro afirmou: “Ontem, estive na CCJ do Senado para defender a execução da condenação em segunda instância. Pode ser feita por PEC ou por PL ou por ambos. Um não exclui o outro”.

O projeto de lei 10.372/18, conhecido como pacote anticrime, inclui propostas feitas por deputados e pelos ministros Alexandre Moraes (STF) e Sergio Moro (Justiça).

O texto aprovado nesta quarta-feira (4) faz uma série de mudanças na legislação penal que endurecem as regras para quem comete crimes.

Uma das principais é o aumento do tempo máximo que a pessoa pode ficar presa cumprindo pena, que passou de 30 para 40 anos. Essa mudança havia sido proposta por Moraes.

Há também o aumento das penas previstas para diversos crimes, como difamação em redes sociais, roubo com uso de arma branca e homicídio com arma de fogo de uso restrito ou proibido, como é o caso dos fuzis.

O projeto de lei também amplia os crimes que passam a ser considerados hediondos, ou seja, aqueles considerados mais graves e, portanto, passíveis de regras mais duras (sem possibilidade de anistia, por exemplo). O roubo que resulta em lesão corporal grave da vítima e o furto com explosivo passam, entre outros, a integrar essa categoria.

O texto também restringe as possibilidades de liberdade condicional, com condições que passam pelo comportamento dos detidos, e restringe a chamada progressão de regime.

Hoje, a regra geral é que a pessoa tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior (o fechado no presídio, por exemplo) para poder ser transferido a um considerado mais brando, como o semiaberto.

Caso as mudanças virem lei, o tempo exigido passaria a variar de 16% a 70%, a depender da gravidade do crime cometido e dos antecedentes criminais do condenado.

Houve também um endurecimento do chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), um um tipo de prisão mais rígido, onde o detento é mantido isolado.

Instituições como a polícia e o Ministério Público defendem, por exemplo, um isolamento mais duro de líderes de facções criminosas. Por outro lado, críticos dessa medida afirmam que ela é inconstitucional, ineficiente e impossibilita a ressocialização dos presos.

Com a mudança no pacote anticrime, o RDD passa a incluir, entre outras mudanças, a possibilidade de monitoramento de vídeo e áudio das reuniões entre presos e advogados, com autorização judicial.

E o período máximo de permanência em presídio federal, para onde são transferidos diversos líderes de facções criminosas, é ampliado de 360 dias para três anos, com possibilidade de renovação.

BBC