Argentina adotou o juiz de garantias
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Os primeiros resultados do novo Código de Processo Penal Federal argentino, que entrou em vigor em 2019, começam a ser vistos.
Um ex-cônsul da Bolívia na Argentina foi condenado por tráfico de drogas a 5 anos de prisão após acordo com o Ministerio Público Fiscal (MPF) argentino. O julgamento teve lugar em Orán, na Província de Salta, extremo norte do país. Leia aqui.
O processo teve curso conforme o novo CPP federal acusatório, que entrou em vigor em junho de 2019.O novo CPPF trouxe juízes federais de garantias, acordos penais, processo penal acusatório com forte oralidade, audiências resolutivas, possibilidade de saídas abreviadas e deu poderes de investigação ao MPF. Um pacote completo que permite soluções rápidas e justas contra o crime, em defesa das vítimas, sem violar as garantais dos acusados.
No processo contra o ex-cônsul boliviano em Salta, as partes aceitaram o rito abreviado ou sumário (juicio abreviado), e o caso foi julgado em 21 dias, menos de um mês depois da prisão em flagrante.
É como se a homologação, pelo juiz de garantias, de um acordo de não persecução penal (ANPP) previsto no novo art. 28-A do CPP brasileiro pudesse resultar na condenação do celebrante, antes da etapa do julgamento.
O rito sumário argentino está previsto no art. 431-bis do CPP federal e é cabível quando a pena final pedida (estimada) pelo MPF for inferior a 6 anos de prisão.
Si el ministerio fiscal, en la oportunidad prevista en el artículo 346, estimare suficiente la imposición de una pena privativa de libertad inferior a seis (6) años, o de una no privativa de libertad aún procedente en forma conjunta con aquélla, podrá solicitar, al formular el requerimiento de elevación a juicio, que se proceda según este capítulo. En tal caso, deberá concretar expreso pedido de pena. (…).
Para que la solicitud sea admisible deberá estar acompañada de la conformidad del imputado, asistido por su defensor, sobre la existencia del hecho y la participación de aquel, descriptas en el requerimiento de elevación a juicio, y la calificación legal recaída.”
Diferentemente do que se passou no Brasil com o Pacote Anticrime, os legisladores argentinos ordenaram uma mudança escalonada no processo penal local. Não pretenderam implantar o juiz de garantias e as outras novidades processuais em 30 dias, um prazo extremamente exíguo é contrário ao critério de razoabilidade exigido pelo art. 8º da Lei Complementar 95/1998. O novo CPPF argentino vai sendo testado aos poucos, por regiões, com vigência progressiva começando pelas Províncias de Salta e Jujuy, na fronteira com a Bolívia.
Tal como ocorria no Brasil até os anos 1930, as Províncias argentinas, correspondentes a nossos Estados federados, legislam em matéria processual penal. Há códigos provinciais de processo penal em cada uma das 24 unidades subnacionais da federação argentina e outro CPP para a Justiça Federal.
O acordo penal promovido perante o juiz federal de garantias de Orán encerrou a causa, com pena substancialmente menor para o acusado do que a que seria possível pelo crime de tráfico de 8 kg de cocaína. Eis um resumo do procedimento:
Acuerdo pleno: Tras la estimación de pena por parte de la fiscalía, surgió entre las partes la posibilidad de arribar a una solución de conflicto a través de la aplicación del proceso de juicio abreviado, procedimiento especial contemplado en el Código Procesal Penal Federal”.
“La fiscalía y las defensas acordaron una condena de 5 años de prisión efectiva para Vega Ibarra, mientras que para Cordero Flores se propuso una pena de 4 años y 6 meses. En ambos casos, por el delito de transporte de estupefacientes, tal como fue planteado en la acusación.”
En virtud de ello, el magistrado homologó el acuerdo arribado por las partes y condenó a Vega Ibarra y Cordero Flores a las penas preestablecidas por la fiscalía y las defensas al convenir la resolución del caso mediante la aplicación del juicio abreviado.
Um caso simples como este traz várias lições para o processo penal brasileiro: acordos penais e forte oralidade são soluções que se agregaram à introdução do juiz de garantias no CPP. Mudanças como essas, especialmente as que se baseiam em experiências estrangeiras, têm de pensar no sistema processual como um todo e passar pelas necessárias traduções jurídicas, sob pena de se tornarem um patchwork grotesco.
Infelizmente, a Câmara dos Deputados rejeitou o plea bargain na modalidade de acordo para a fixação de pena, que estava previsto no Projeto Anticrime. No PL 8045/2010, o Congresso Nacional tem a chance de corrigir esta falha. Ali também está previsto um acordo de rito sumário. O Brasil ainda espera por uma verdadeira reforma do seu processo penal.