Bancada da bala faz aliança eleitoral com Moro

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Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Após um ano dominado pelo debate econômico no Congresso e marcado por algumas derrotas em pautas de interesse da bancada da bala, integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública — nome oficial do grupo — decidiram concentrar esforços em três eixos em 2020: a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da prisão após a decisão de segunda instância; a revisão do Código de Processo Penal; e o andamento de uma proposta que trata das carreiras de policiais civis e militares. Fora da lista, a flexibilização do acesso a armas também mobilizará o grupo. Hoje, o primeiro decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o tema completa um ano.

Para alcançar esses objetivos, a bancada da bala busca trabalhar de maneira mais afinada com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, neste segundo ano de legislatura.

Por um lado, os parlamentares ganham com a popularidade de Moro — pessoa pública em quem os brasileiros mais confiam, segundo pesquisa recente do Datafolha. O ministro, por sua vez, tem interesse em angariar mais capital político. Itens da agenda parlamentar que ele tentou implementar logo no primeiro ano foram rejeitados pelo Congresso, a exemplo da ampliação do conceito de excludente de ilicitude e da possibilidade de acordo em que o réu admite a culpa em troca de redução de pena, instrumento conhecido como “plea bargain.”

— A bancada da segurança vai trabalhar alinhada ao que ele (Moro) disser — resumiu Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da bancada.

Capitão Augusto levou ontem o plano do grupo para 2020 a Moro, que vai se empenhar principalmente a favor da autorização da execução da sentença depois da análise em segundo grau. O ministro vai comparecer à Câmara no próximo dia 12 para uma audiência sobre o tema.

O primeiro item da agenda é a PEC da segunda instância. A proposta avançou na Câmara em 2019 depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter revertido o entendimento, proibindo a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, da análise de todos os recursos nos tribunais superiores. O texto muda as categorias de recursos que podem ser levados ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que, na prática, transfere o trânsito em julgado para o segundo grau de jurisdição.

Relator do projeto na comissão especial, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) disse que vai apresentar o relatório até março. Depois, o texto segue para o plenário. O parlamentar ainda não definiu qual será o marco temporal para a aplicação da lei. Ele adiantou, no entanto, que uma mudança na Constituição não pode retroagir. Há ainda uma preocupação quanto ao pagamento de precatórios pelos estados, já que os efeitos da PEC vão além da esfera criminal. Trad classificou esse ponto como “sensível” e ponderou que vai conversar com especialistas.

— Morosidade e impunidade são os principais males da Justiça brasileira. A aprovação da PEC fará com que não só a justiça penal, mas todo o sistema ganhe mais efetividade. A mudança será impactante — avaliou.

Outro ponto cuja tramitação a bancada da bala pretende acelerar é a redação do novo Código de Processo Penal, que é de 1941. Um dos dispositivos em discussão prevê o fim dos recursos conhecidos informalmente como “embargos dos embargos”, apresentados depois que os embargos de declaração são rejeitados nos tribunais.

— Nosso Código está completamente ultrapassado. A gente precisa modernizar nossa legislação, torná-la mais célere e facilitar trabalho dos policiais na parte processual. É preciso que a lei seja mais flexível e ágil — defendeu Capitão Augusto.

Em 2019, parlamentares da oposição e do centro impediram o avanço de projetos que interessam à bancada da bala, como a ampliação das hipóteses de excludente de ilicitude e a flexibilização do porte de arma. A retomada de trechos do pacote anticrime excluídos nas votações no Congresso também vai unir Moro e integrantes da frente da Segurança ao longo do ano. Por ora, o ministro decidiu aguardar que o Congresso analise os vetos do presidente Jair Bolsonaro antes de enviar propostas separadas a respeito do tema. As discussões no Ministério da Justiça, no momento, privilegiam dois itens: o “plea bargain” e a ampliação do banco de perfis genéticos.

Por fim, na lista apresentada por Capitão Augusto ao ministro, está a votação da lei orgânica das polícias Militar e Civil. Segundo o deputado, o objetivo é criar um padrão nacional para critérios de seleção dos agentes de segurança, além de estabelecer a mesma grade curricular para os cursos de formação em todos os estados, entre outros pontos.

Fora do escopo apresentado a Moro, mas de forma permanente no radar da bancada da bala, a flexibilização da posse e do porte de armas de fogo também será objeto da atuação dos deputados do grupo. O tema enfrenta resistência no Congresso, o que torna a articulação política mais complexa. Ao longo de 2019, Bolsonaro editou oito decretos sobre o tema — parte acabou revogada. Levantamento dos institutos Igarapé e Sou da Paz, que analisaram todas as alterações, constatou que, apesar dos recuos, as medidas ampliaram o acesso a armas de fogo e munições no país, ao mesmo tempo provocaram um “caos” normativo, inclusive com regras conflitantes entre si.

Na avaliação das instituições, a confusão trouxe prejuízos para a Polícia Federal e o Exército, responsáveis por executar as mudanças, e também para o cidadão que pretende adquirir uma arma, que terá dificuldade de entender o que mudou com os decretos. Um exemplo é que diversos órgãos mantêm informações desatualizadas em seus sites.

— O caos normativo gera impacto nas instituições, alterando seu volume de trabalho. Mesmo antes, as equipes de fiscalização e controle já estavam sobrecarregadas — diz Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz. — As informações sobre o que mudou estão indisponíveis ou desatualizadas. Poucas pessoas sabem o que está valendo.

Entre as principais medidas com impacto na segurança pública citadas pelo levantamento, estão a ampliação da potência de armas permitidas para cidadãos comuns; a quantidade de armas e munições que atiradores e caçadores passaram a poder adquirir; e a ampliação do porte (o direito de andar armado) para guardas municipais. Além disso, a compra de armas institucionais de calibre permitido pelas forças policiais e guardas municipais não precisa mais de autorização do Exército, que agora precisa apenas ser informado.

— Com o somatório dessas alterações, temos o enfraquecimento do controle das armas e munições, o que facilita o desvio para atividades ilegais. A liberação de armas de grosso calibre aumenta o número dessas armas em circulação e favorece que seja utilizada pela ilegalidade. Ao liberar armas que antes eram restritas, a gente inverte a lógica, que é de privilegiar a força da segurança — diz Michele dos Ramos, do Instituto Igarapé.

O Globo