
Esquerda tenta aprovar projeto contra trabalho escravo
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A oposição está em negociações na Câmara dos Deputados para tentar ressuscitar um projeto de lei que visa endurecer o combate ao trabalho escravo ou análogo há escravidão, com aumento de penas e permissão para que órgãos de fiscalização expropriem bens sem necessidade de decisão judicial. Aprovado em 2005 no Senado, o texto está travado há 15 anos pelos deputados da bancada ruralista, que não concordam com a iniciativa.
O projeto estava parado há anos na Comissão de Trabalho até que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acatou no dia 18 de dezembro um pedido do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e mandou criar uma comissão especial para discutir a proposta. Maia, contudo, afirmou ao Valor que isso foi um erro e que o colegiado não será criado. Sem um ato dele convocando a primeira reunião, a comissão não terá funcionamento.
Partidos de esquerda tentam há anos aprovar o projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), mas a numerosa bancada ruralista da Câmara é contra e defende que a expropriação de equipamentos e veículos usados no trabalho escravo só pode ocorrer após decisão judicial e que mudar isso atentaria contra o direito à propriedade privada. Ao longo dos 15 anos de tramitação na Câmara, os ruralistas fizeram quatro pareceres nesse sentido.
Eles ainda se opuseram a outros pontos, como tornar crime, com prisão de quatro a oito anos, “aliciar, recrutar ou transportar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional”, e a aplicação de multa de R$ 10 mil por funcionário por recruta-lo sem assegurar condições de retorno à sua localidade de origem ou vender a ele mercadorias ou serviços a preços superiores ao de custo. Nos pareceres, a bancada protestou que essas punições impedirão movimentos migratórios durante a safra.
O único dispositivo do projeto apoiado pelos ruralistas é impedir que a empresa condenada judicialmente pelo uso de trabalho análogo à escravidão receba incentivos fiscais ou tome empréstimos subsidiados pelo poder público e fique proibida de participar de licitações por dez anos. O hoje senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) deu parecer, aprovado só com o voto contrário de PT, PDT e PSB, pela rejeição do projeto de Tasso e a aprovação de outro texto só com essa restrição aos incentivos fiscais.
Inicialmente, o projeto tramitava na Comissão de Trabalho da Câmara, onde o deputado Vicentinho (PT-SP) assinou parecer favorável à proposta, mas os ruralistas impediram por três anos que ela fosse a votação, até que fizeram um acordo político para que o projeto passasse pela Comissão de Agricultura. Lá, aprovaram o relatório de Heinze.
A matéria voltou à Comissão de Trabalho, onde, dessa vez, o deputado Augusto Coutinho (SD-PE) foi nomeado relator – a comissão era presidida pelo partido dele-, mas ficou quatro anos sem dar parecer. “Sou completamente contra. O Ministério do Trabalho não pode ter a autoridade de expropriar bens e definir o que é ou não é trabalho escravo. Ele pode entrar com ação, mas precisa de decisão judicial, ou dá até margem para desvios de conduta”, disse.
Orlando Silva, porém, procura desvincular os debates da comissão dessa proposta original e disse que seria construído um texto completamente novo. “Sei que é um assunto polêmico e controverso, mas acredito que nenhum empresário ou agente econômico concorda que o Brasil continue liderando índices de país marcado por trabalho escravo contemporâneo. Queremos fazer um debate criterioso, inclusive com o setor produtivo e governo, para acabar com essa pecha”, disse. Ele já tinha conversado com representantes dos ruralistas e com Maia sobre isso e disse que tentará convencer o presidente da Câmara a mudar de ideia na volta do recesso, na terça-feira.