Gilmar parte pra cima de Moro, Bolsonaro e Lava Jato

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Foto: Sérgio Lima/Poder360

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes disse que a nomeação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública foi “positiva para o Brasil”. O magistrado declarou que o presidente Jair Bolsonaro diminuiu a cobertura midiática da operação e estabilizou as instituições ao tirar Moro da Lava Jato.

“Uma contribuição importante […] que o governo brasileiro deu ao sistema político institucional brasileiro foi ter tirado Moro da Lava Jato. Eu não sei se foi uma boa opção para o juiz Moro”, afirmou o ministro.

Assista ao programa (47min01s):

As declarações foram dadas em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, apresentador do programa Poder em Foco, uma parceria editorial do SBT com o jornal digital Poder360. A gravação foi realizada em 17 de dezembro de 2019.

O ministro não quis opinar sobre uma possível indicação do ex-juiz para uma cadeira no Supremo. Também negou-se a responder se o ministro da AGU (Advocacia Geral da União), André Mendonça, seria 1 bom nome para substituir Celso de Mello.

Gilmar falou da “responsabilidade imensa” de Bolsonaro e do futuro ministro, já que Celso é o decano (integrante mais antigo) da Corte. Ele destacou o trabalho de 30 anos do colega no STF, que teria ajudado a construir uma “jurisprudência responsável e garantista em todos os setores”.

Celso de Mello completa 75 anos em novembro de 2020. É a idade da aposentadoria compulsória de ministros do Supremo Tribunal Federal. Celso foi indicado para a Corte em 1989 pelo então presidente José Sarney. Presidiu o STF de 1997 a 1999.

Bolsonaro já sinalizou que deve indicar 1 ministro evangélico, como é o caso do advogado-geral da União, André Luiz Mendonça. Gilmar declarou que não acredita na nomeação de alguém “terrivelmente evangélico”, como disse o presidente. Segundo o ministro, Bolsonaro fala para 1 público, o que não quer dizer que ele necessariamente fará o que promete.

O integrante do Supremo é contra a nomeação apenas pelo critério da religião. Afirmou que o importante é encontrar alguém “qualificado para a função”, que saiba “ler a Constituição”. Gilmar citou nomeações feitas durante os governos petistas, dizendo que o partido “trabalhou muito” com a ideia de nomear pessoas simpáticas a algumas causas, como as de negros, gays e mulheres. Disse que isso não é “decisivo”.

O magistrado declarou ainda que Bolsonaro deve ser julgado por suas ações e não pelo seu discurso. “Acho que há 1 descasamento [entre discursos e ações]“, afirmou.

Gilmar declarou que o conteúdo das conversas entre Moro e procuradores, vazado pelo site The Intercept, é grave. “Eu tenho a impressão de que havia 1 voluntarismo, 1 propósito –talvez até positivo– de combate à criminalidade. Eventualmente a qualquer preço”, disse o juiz, que presidiu o Supremo de 2008 a 2010.

O ministro afirmou que as mensagens seriam consideradas provas ilícitas em 1 processo, mas que certamente alguém as trará para o debate. O material, diz, não seria suficiente para condenar alguém, mas poderia servir para exonerar 1 indivíduo de alguma responsabilidade criminal. “Temos respostas positivas em casos parecidos”, disse.

Integrante do STF desde 2002, Gilmar concluiu que o vazamento das conversas é crime. Ironizou a reação dos acusados: “Os artífices de tantos vazamentos agora reclamam dessa interceptação”. O ministro disse também que o debate sobre a suspeição de Moro é anterior ao episódio da Vaza Jato.

Gilmar defendeu a decisão do STF de que réus delatados devem falar depois de réus delatores no processo. O entendimento foi aprovado pela 2ª Turma da Corte por 4 a 1 e posteriormente chancelado pelo plenário.

“O delator atua quase como 1 assistente de acusação e a ideia do contraditório –nos sistemas que adotam o Estado Democrático de Direito– é de que, de fato, o réu fala por último. Foi essa construção e isso não estava na lei”, afirmou o 3º integrante mais antigo do STF.

O ministro completou seu pensamento dizendo que a decisão não foi “invencionismo” da mais alta Corte do país.

Gilmar não quis falar sobre o caso específico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que entrou com recurso na 2ª Instância pedindo a anulação de seu processo por supostamente não ter tido a oportunidade de apresentar as alegações finais. O pedido foi negado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), responsável pela Lava Jato em 2º Grau. Segundo o magistrado, o caso deve ser pautado em breve no Supremo.

O ministro falou apenas da repercussão do caso do petista. Disse que na Europa estudiosos do Direito têm uma impressão negativa sobre a condução do processo de Lula, antes mesmo da publicação das reportagens pelo site The Intercept. “A Justiça brasileira fica em luzes pouco positivas”, afirmou Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes afirmou que a maior visibilidade do Supremo Tribunal Federal tem pontos positivos. Porém, afirma que é necessário 1 debate sobre a conveniência dessa exposição. O ministro disse que muitas questões “comezinhas” acabam chegando à última Instância, como a privatização de subsidiárias de estatais.

O ministro disse que esse protagonismo tem diversos motivos, mas descartou uma “culpa” por parte da TV Justiça.

“O protagonismo do Tribunal não tem a ver necessariamente com a transmissão das sessões. Tem a ver também com a importância que o direito, especialmente o constitucional, assumiu nas nossas vidas, na vida das instituições”, declarou.

Gilmar considera a TV Justiça positiva e diz que o Supremo não seria capaz de limitar a atuação da emissora pública. Apenas uma legislação do Congresso Nacional poderia alterar as transmissões da TV Justiça, avalia. Ele elogiou o modelo e disse que a África do Sul já quis copiá-lo.

O ex-presidente do Supremo disse que o Brasil já tem uma “peculiaridade” na publicidade de julgamentos, que são as sessões públicas para decisão. Ele deu o exemplo dos Estados Unidos, onde apenas os debates podem ser vistos nas audiências públicas. A deliberação é fechada. “Na maioria dos países é assim”, completou.

O ministro citou ainda que no país norte-americano os tribunais inferiores costumam transmitir seus julgamentos, enquanto a Suprema Corte, não. É o inverso do Brasil.

“Eu acho que na maioria das vezes as pessoas percebem que o Tribunal se esforça para chegar a 1 bom resultado. Tenta fazer construções coletivas a partir das decisões que não são decisões combinadas. É bastante importante que se perceba isso. Mas no momento atual, com muita conflagração, redes, internet, a TV Justiça tem sido mal avaliada como 1 fator, talvez, de desestabilização ou como elemento que instiga as pessoas que às vezes não entendem o processo judicial a terem raiva deste ou daquele grupo que tomou esta ou aquela decisão”, afirmou o magistrado.

O ministro votou a favor da prisão apenas depois do trânsito em julgado, quando todas as possibilidades de recursos são esgotadas, mudando a posição em relação ao voto proferido no julgamento de 2016. Saiu vencedor ao lado dos ministros Dias Toffoli, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Gilmar disse que 1 entendimento contrário ao adotado pela Corte feriria cláusula pétrea da Constituição. Uma saída seria adotar o que a Corte portuguesa decidiu: estabelecer o trânsito em julgado pós-condenação em 2º Grau. Uma alternativa que não alteraria a Carta Magna, apenas a legislação penal. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou projeto de lei nesse sentido. A proposta estabelece que a prisão pode ser feita “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado”.

Na avaliação do magistrado, o tema está muito “polarizado e dramatizado”. O ministro disse que isso se reflete na declaração do presidente do STF, Dias Toffoli, “autorizando” o Congresso a legislar sobre o tema. Para Gilmar, apesar da fala do colega de Corte, é “inevitável” que qualquer medida tomada pelo Legislativo seja julgada novamente pelo Supremo Tribunal Federal.

“Temos uma emenda constitucional que tramita na Câmara, temos 1 projeto de lei que tramita no Senado tentando alterar o Código de Processo Penal. Certamente esse tema vai continuar sendo discutido e, quando houver uma deliberação definitiva por parte do Congresso, certamente haverá uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal”, declarou.

O ministro Gilmar Mendes disse que reage com naturalidade aos ataques e brincadeiras dos quais é alvo na internet. Ele é acusado por setores da população de conceder muitos habeas corpus (liberdades provisórias) a políticos corruptos.

Gilmar nega que o benefício seja dado apenas a pessoas ricas. Segundo ele, há muitos crimes leves que chegam ao Supremo, como furto de alimento. Disse que a Corte aprova habeas corpus a ricos e pobres, mas que jornalistas “só se interessam por ricos, não se interessam por pobres”.

O magistrado declarou que não usar o instrumento faria a violência policial crescer, o que atingiria todas as classe sociais. “A pessoa só entende o que é 1 habeas corpus quando ela é atingida”, completou.

Ao comentar críticas ao STF, Gilmar diz que há falhas na Justiça brasileira em todas as Instâncias. Citou, por exemplo, a prescrição de homicídios dolosos.

“A Justiça Criminal, para ficar ruim, tem que melhorar muito”, disse o ex-presidente do Supremo.

O membro do Supremo afirmou que uma reforma na Justiça teria de passar pelo encerramento das férias de 2 meses para juízes e promotores. O ministro disse que o benefício retarda o processo e dificulta a montagem de 1 júri. Ele afirmou que São Paulo tem cerca 360 desembargadores. Ou seja, em cada mês, há em média 60 magistrados ausentes.

Segundo Gilmar, a Corte Suprema brasileira cometeu diversos erros desde que ele assumiu sua cadeira, em 2002. Um deles, aponta, foi o julgamento do parcelamento dos precatórios, que são dívidas de Estados junto a cidadãos e empresas privadas e que decorrem de decisão judicial.

O ministro disse que o problema foi criado porque Estados, municípios e a União acumularam muitas dívidas e ficaram sem condições de pagar. A saída foi o parcelamento. O Supremo, contudo, criou restrições para a medida e declarou sua inconstitucionalidade.

Gilmar disse que hoje percebe que a solução era aceitar o parcelamento. “Nós mandamos 1 paraplégico andar e ele não andou”, disse o magistrado, reproduzindo uma fala dita à época do julgamento. Atualmente, o Congresso debate uma 3ª emenda sobre o tema.

“É uma intervenção que nós fizemos em uma área econômico-financeira, talvez sem o devido conhecimento da base econômica e das consequências, que produziu 1 desastre”, disse Gilmar.

Outro caso citado como equívoco foi o julgamento sobre a cláusula de desempenho, em 2006. À época, o Supremo derrubou o texto proposto pelo Congresso, que imporia 1 desempenho mínimo nas eleições gerais para que os partidos políticos tivessem direito a pleno funcionamento no Congresso e acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV para fazer propaganda.

“O modelo desenhado pelo Congresso era 1 modelo que levava os partidos a morrer por inanição, uma vez que eles não teriam mais os subsídios, como televisão e tudo mais”, disse o ministro.

Gilmar afirmou que o projeto precisava de ajustes, mas a Corte deveria ter mantido o prazo para a aplicação da cláusula e depois apelado ao Legislativo. “Foi 1 erro grande”, declarou.

O magistrado disse que outro erro no mesmo projeto foi a decisão dos ministros de complementar a cláusula de fidelidade partidária. Ou seja, 1 congressista só poderia deixar 1 partido sem perder seu mandato caso o motivo do desligamento fosse para criar uma nova legenda.

“O resultado é que deu a senha para essa multiplicação de partidos”, declarou Gilmar.

O ministro disse que a decisão do STF de criminalizar a homofobia e tipificá-la da mesma maneira que o racismo pode ter avaliações diversas. Gilmar votou a favor. Afirmou, porém, que outros especialistas em Direito teriam apelado ao Congresso pela legislação.

“Na medida em que ele [o ministro Celso de Mello] trouxe todo esse quadro de discursos oficiais homofóbicos, referências muito negativas por parte de próprios setores do governo, a violência que se pratica no interior contra homossexuais. Acho que impressionou bastante e isso acabou sendo bastante decisivo”, declarou Gilmar.

Apesar disso, Gilmar avaliou que a Corte agiu de maneira imparcial, sem se deixar levar pela opinião pública.

“É fácil criticar. Mas é 1 tema difícil, porque o Tribunal lida com valores que precisam ser ponderados. Se nós olharmos o quadro hoje das prisões brasileiras, temos algo como 800 mil presos, dos quais 400 mil são presos provisórios. Portanto, só tem decreto de prisão provisória. Não teve uma sentença sequer”, afirmou o ministro.

Gilmar criticou as declarações de apoio do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno ao regime militar de 1964 a 1985. Contudo, o ministro avalia como “metáforas” falas como as do filho Eduardo Bolsonaro sobre fechar o Supremo e a volta do AI-5 (Ato Institucional 5), de 1968.

Gilmar não considera que há risco à democracia diante de declarações de integrantes do governo. Ele disse que não enxerga o presidente “comprometido com esse ideário”.

O ministro afirmou ainda que a ideia de fechar o STF só seria possível quando as Forças Armadas eram o principal partido político do Brasil. “As próprias Forças Armadas [hoje] são democráticas. Elas atuam na defesa da Lei e da Ordem”.

O Supremo marcou para junho o julgamento sobre a validade da colaboração premiada do empresário Joesley Batista, 1 dos donos da JBS. Gilmar disse que a pauta é uma prioridade na PGR (Procuradoria Geral da República). O ex-procurador-geral Rodrigo Janot pediu a suspensão dos benefícios do acordo de delação. Raquel Dodge e o atual PGR, Augusto Aras, reiteraram o pedido.

Joesley teria admitido ser peça central de 1 esquema de corrupção e ter pago a centenas de congressistas para que pautas de seu interesse fossem analisadas. “Se ele [Joesley] tinha esse poder todo, era 1 chefe de uma organização criminosa. Logo, não poderia ser beneficiado por aquela indulgência plena que se deu”, afirmou Gilmar.

Com muitas acusações e poucas provas, a delação de Joesley foi classificada como “desastrosa” por Gilmar Mendes. Segundo ele, a homologação da colaboração foi 1 erro provocado pelo “deficit de liderança” da PGR. O ministro disse que defende o instituto, mas cobra melhorias.

“Não defendo a supressão da colaboração, acho que é importante para o combate à corrupção. Mas nós vamos ter que reformular o instituto. Temos que fazer mais amarras”, declarou.

Gilmar Mendes classificou a pauta do ano que vem do STF como “multifacetada”. Destacou aspectos ligados a economia, direito tributário e direito processual penal. Lembrou dos julgamentos sobre a 2ª Instância e alegações finais. “Temos, de fato, muitos temas relevantes e que estão aguardando uma solução”, afirmou.

Poder 360