Incluir informalidade no Censo é manipulação, diz especialista

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Foto: Reprodução

O Brasil se prepara para realizar o Censo 2020. Antes mesmo de começar, o ritual que acontece a cada dez anos já é marcado por polêmicas. Além dos cortes no orçamento da operação, a mudança nos critérios de avaliação de algumas categorias é contestada por especialistas, que temem o uso político dos dados coletados.

A reportagem é de Maria Emilia Alencar, publicada por Radio França Internacional – RFI, 15-01-2020.

Esse ano, os mais de 70 milhões de lares brasileiros devem participar do Censo. Por razões orçamentárias, a operação deve custar R$ 2,3 bilhões, contra os R$ 3,1 bilhões que estavam previstos. Além disso, o questionário de base passará de 34 para 25 perguntas.

Mas essa não é a única mudança desta edição da pesquisa. “Bolsonaro deu várias declarações de que gostaria que o IBGE integrasse na estatística de emprego no Brasil as ocupações informais”, alerta o sociólogo e historiador Alexandre Camargo, professor da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O especialista em censos demográficos e estatísticas públicas chama a atenção para essa mudança. Atualmente, os trabalhadores informais são contados separadamente, afim de monitorar a condição do emprego no país.

“Todo trabalho informal seria considerado como parte de um mesmo conceito de emprego, segundo gostaria o presidente. E a resistência técnica é muito grande em relação a isso”, insiste. De acordo com Camargo, isso representaria “uma manipulação da imagem”. Para o especialista, um censo que não faz distinção entre empregados formais e informais contribuiria para o mito de um “Brasil idílico”, partindo do princípio de que “não existe precarização do trabalho no Brasil e que, na realidade, o governo é eficaz”.

Esse risco de maquiagem da realidade não é novo. Camargo, que estudou todos os Censos do país, enumera os episódios nos quais os dados compilados nem sempre retratavam o Brasil. Como em 1872, na primeira pesquisa, quando todos os brasileiros eram automaticamente catalogados como católicos, ou que todos os escravos eram listados como africanos, mesmo depois da abolição do tráfico e que muitos haviam nascido no país.

Outro exemplo é o da categorização por cor e raça, que durante muito tempo contribuiu para “branquear a população”, ao ponto de ser excluída das estatísticas. A questão racial “não foi contada no censo de 1920, que era o auge das ideias de eugenia no Brasil”, lembra o especialista. Este também foi o caso durante era Vargas, no censo de 1940, quando a dimensão racial “foi retirada para que a população aparecesse mais branca diante da conjuntura de guerra e do nazismo”, aponta Carmargo, de passagem por Paris como professor visitante da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.

IHU