Na Itália: centro-esquerda barra extrema-direita

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Foto: FLAVIO LO SCALZO / REUTERS

Após várias horas de otimismo cauteloso, a esquerda italiana respirou aliviada no início desta segunda-feira quando foi confirmada a sua vitória nas eleições da região da Emília-Romanha, no Norte da Itália. Numa votação altamente simbólica para a política nacional, o candidato do Partido Democrático (PD), Stefano Bonaccini, garantiu o segundo mandato consecutivo enquanto presidente regional com 51% dos votos.

O resultado é interpretado como um recado negativo para o conservadorismo em expansão no país, indicando que certas fronteiras permanecem intransponíveis — pelo menos neste tradicional berço da esquerda nacional, que se orgulha da sua história de resistência partigiana ao fascismo de Benito Mussolini.

A margem favorável foi de oito pontos percentuais contra Lucia Borgonzoni (43%), candidata da Liga, a legenda de extrema direita liderada pelo popular ex-vice-premier Matteo Salvini. Se, por um lado, o resultado pode ter sido uma surpresa agradável aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo para o PD — as últimas pesquisas apontavam cerca de 45% das intenções de voto para cada campanha —, por outro sinaliza um expressivo avanço do conservadorismo também aqui. Há apenas cinco anos, quando houve a última eleição, o então candidato da Liga obtivera 29% dos votos, contra os 49% conquistados por Bonaccini.

Nos últimos meses, enquanto Bonaccini buscava a reeleição com a promessa de incrementar o bem-estar social — apoiado por uma coalizão de seis partidos autoproclamados ecologistas, europeístas e progressistas —, a senadora Borgonzoni dizia que pretendia “liberar a Emília-Romanha” da esquerda e assistir “primeiro os italianos”. O slogan nacionalista e anti-migração é um dos pilares da plataforma de Salvini, que vinha almejando, caso vitorioso, obter o combustível para pressionar pela formação de um novo governo em Roma, do qual perdeu o posto de líder de facto em setembro passado.

O investimento da Liga numa pesada campanha eleitoral para conquistar a Emília-Romanha, na esperança de reverter a tradição de sete décadas de prevalência da esquerda na região — a prevalência do antigo Partido Comunista começou no pós-Segunda Guerra Mundial e, desde a primeira legislatura do Parlamento regional, em 1970, todos os presidentes regionais eleitos eram de esquerda —, teve uma sensível resposta das urnas. Não sendo o voto obrigatório, o comparecimento foi de 67%, contra 36% no pleito anterior, em 2014.

— Precisávamos em primeiro lugar recuperar tantas pessoas que haviam ficado em casa há cinco anos. Houve uma participação robusta, que é importante para a qualidade da democracia — disse Bonaccini, segundo o Corriere di Bologna, ao celebrar a vitória na madrugada com o seu comitê de campanha em clima de euforia.

O mesmo jornal, em seu editorial, avaliou que o histrionismo de Salvini, a verdadeira face pública da campanha de Borgonzoni – incluindo nos ásperos confrontos com os rivais —, levou “a esquerda emiliano-romanhola que havia abandonado um partido líquido e ‘despersonalizado’ [em referência ao PD] a formar fila contra o ‘invasor’ e ‘o bárbaro’”. Os termos pejorativos são os mesmos sistematicamente usados pelo líder direitista para se referir aos imigrantes e refugiados que chegam à Itália.

Por sua vez, o La Repubblica falou num “efeito Sardinhas” como possível fator de influência sobre o alto comparecimento às urnas, em referência ao movimento civil contra o conservadorismo autoproclamado “antirracista e antifascista” que nasceu em Bolonha, a capital regional, em novembro último. Desde então, dirigindo críticas sobretudo a Salvini e à Liga, os protestos se espalharam por diversas cidades da Itália, reunindo até dezenas de milhares de pessoas nas praças.

Tendo ou não tido influência sobre parte do milhão de pessoas que, em toda a região, saiu para votar em Bonaccini, o movimento de certo serviu para aquecer o clima político local até a semana passada. Enquanto os quatro jovens estudantes que deram o pontapé inicial às manifestações vinham pedindo que todos saíssem para votar, Salvini e Borgonzoni não hesitaram em fazer frente ao movimento com severas críticas.

Já o secretário-geral do PD, Nicola Zingaretti, enviou um “obrigado enorme” às Sardinhas depois da vitória. Por sua vez, Borgonzoni reconheceu a derrota e chamou de “histórico” o avanço da Liga na região.

No domingo, a Calábria, no Sul italiano, também realizou suas eleições regionais. Lá, a centro-direita obteve vitória acachapante, com 55% dos votos contra 30% para a centro-esquerda. A candidata Jole Santelli (do Força Itália, o partido do ex-premier Silvio Berlusconi) tinha o apoio de seis formações de direita, incluindo a Liga, que, sozinha, obteve cerca de 12% dos votos. O partido – nascido como formação secessionista em favor da separação entre o desenvolvido Norte e o empobrecido Sul – vem ganhando popularidade também lá, em parte em decorrência do seu forte discurso contra o desembarque de migrantes e refugiados na costa do Mediterrâneo.

O Globo