PF questiona deputado por custo de relatórios

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A Polícia Federal questionou o deputado federal Stéfano Aguiar (PSD-MG) sobre sua ‘satisfação’ com pareceres jurídicos fornecidos ao seu gabinete por R$ 867 mil ‘tao simples que beiram o copia e cola’. O parlamentar é investigado por gastar cota parlamentar com um escritório de advocacia para patrocinar ações pessoais na Justiça. Para os investigadores, há suspeita de desvio de finalidade do recurso, que foi empregado entre 2012 e 2018. O advogado que prestou o serviço afirma ao Estado que chegou a fazer relatórios de ‘mais de 100 páginas’, que representariam a maior parte dos gastos, e que os ‘mais simples’, podem ‘conter erros de impressão’, mas tiveram ‘valores módicos’, como a cifra de R$ 600. Também entregou ao Estado outros três relatórios fornecidos ao gabinete sobre discussões no Congresso, como as reformas tributária e da previdência.

O inquérito foi aberto em fevereiro pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O parlamentar e seus assessores já foram ouvidos pela Polícia Federal. Também foram analisados os documentos entregues por Aguiar que comprovariam a prestação de serviços ao gabinete. Tanto a Procuradoria-Geral da República quanto os federais desconfiam de que os papéis são frios e o trabalho não foi feito.

A investigação se iniciou após a Procuradoria identificar os gastos com o mesmo escritório de advocacia que defende o deputado em uma ação particular contra um laboratório. A cota parlamentar só poderia ser usada para defender questões relacionadas ao mandato ou para a elaboração de pareceres jurídicos relacionados ao cargo.

Após a instauração do inquérito, o deputado federal enviou à PF os supostos pareceres que justificariam o gasto para seu gabinete. Um relatório de análise foi deito pelos agentes, que concluíram que o trabalho ‘assemelha-se muito a um compêndio informativo, press release ou até mesmo a versão impressa de feed de notícias político’.

Em dois pareceres, um mesmo erro do escritório Fabiano Zica Advogados reforçou as suspeitas dos investigadores. Os documentos, que apenas traziam resumos e recortes de notícias, confundiam projetos de lei com a mesma numeração, mas de anos diferentes, o que fez com que textos completamente diferentes.

Em um dos documentos, o escritório se propôs a analisar o Projeto de Lei 8.048/2017, que criaria o tipo penal do ‘escudo humano’ – utilizar um refém como escudo em uma empreitada criminosa. O início do documento traz um resumo da iniciativa de João Campos (PSB). No entanto, no item ‘críticas divulgadas por especialistas’, o escritório de advocacia colou uma notícia de jornal sobre o PL Lei 8.048/2014, dos deputados Chico Alencar, Jean Wyllys e Ivan Valente, do PSOL, que institui a Política Nacional de Participação Social que prevê uma aproximação entre a sociedade e a administração pública.

O mesmo erro se repete. “Imagem do relatório/parecer do PL 6.433/2013 elaborado pelo escritório Fabiano Zica e 1 Advogados Associados, acostado junto a petição do Deputado Federal STEFANO AGUIAR (pgs. 386 e 387, Apenso 1, vol. li). Nota-se um erro no qual ao se analisar o PL de nº 6.433/2013, troca-se pelo o de nº 6.433/2016, sendo de temática completamente diversa”, relata a PF.

Segundo os agentes, ‘percebe-se que não foi dedicada a devida atenção na elaboração do trabalho, pois o texto anexado – que geralmente era tirado do próprio site da casa legislativa, ou de portais de notícias diversos – não correspondia com a análise demandada, e seria facilmente percebido por um profissional do quadro técnico jurídico, já que o texto além de sucinto, de fácil percepção e análise continha no seu corpo a rubrica na primeira página, bem como a assinatura do profissional responsável no final, demonstrando em tese que fora lido e analisado pelo contratado’.

No relatório, os agentes concluem que ‘houve a utilização de verba de gabinete sob a rubrica “consultorias, pesquisa e trabalhos técnicos”, de maneira não republicana, desviando a finalidade a qual o recurso se propõe’. Além disso, os trabalhos, que eram assinados pelo escritório não apresentam data.

COM A PALAVRA, STEFANO AGUIAR

Em novembro, o deputado foi interrogado e afirmou que conheceu o advogado por ‘meio de um primo há aproximadamente vinte anos’, e que Fabiano era muito amigo de seu primo chamado Rafael Genaro se encontravam de maneira social em festas, jantares, conheciam as esposas um do outro’.

Segundo o parlamentar, ‘com o passar do tempo por ter essa relação de amizade quando surgia alguma demanda jurídica em que precisava de uma advogado acertava com Fabiano o patrocínio da causa’. Ele diz que não se lembra de ter assinado contratos de honorários.

O deputado ainda disse que sua ação contra o laboratório ocorreu em 2007, ‘ocasião em que, por óbvio não era Parlamentar então os pagamentos só podem ter sido com recursos próprios’.

O parlamentar também foi questionado sobre as inconsistências dos pareceres, como consta em seu termo de depoimento à PF. “QUE perguntado a respeito da simplicidade que beira ao mero copia e cola dos pareceres que o Escritório FABIANO ZICA apresentava para as demandas parlamentares e se os considerava satisfatórios para sua atividade parlamentar respondeu que os relatórios atendiam mas ressalta que pode ser fruto até mesmo de seu desconhecimento mais profundo das matérias”.

“QUE perguntado acerca dos grosseiros erros, por exemplo: o Parecer iniciar falando de um Projeto de Lei de ano X e terminar falando de um Projeto de Lei de ano Y com temas totalmente diversos, esclarecendo ainda que os pareceres foram apresentados pela própria defesa do Declarante Respondeu QUE pode se recordar que em algumas oportunidades avisou o FABIANO que havia erros nos pareceres, mas que, na maioria das vezes, acredita que não notou; QUE perguntado acerca das datas inexistentes nos diversos pareceres apresentados respondeu que a vinculação do parecer se dava pelo relatório mensal vinculado àquela nota do mês”, consta no documento.

Os agentes ainda chamam atenção, em suas conclusões sobre os pareceres, que o deputado apresentou três notas fiscais que totalizam R$ 25 mil para ‘dar lastro’ aos serviços. Elas datam de 2014, 2017 e 2019. Na declaração de Imposto de Renda de 2014, o parlamentar informou ao fisco que pagou R$ 15,5 mil ao escritório.

Questionado pelos agentes de poderia ‘apontar um parecer ou consultoria do advogado Fabiano que tenha sido marcante e motivador de algum posicionamento o deputado ‘respondeu que se recorda o caso envolvendo o Plano Nacional de Educação – PNE em que o advogado Fabiano alertou acerca da divergência do texto na câmara e do senado onde a interpretação textual da palavra “Gênero” poderia representar a instituição da chamada ideologia de gênero nas escolas, posicionamento este que se afasta dos anseios de seus eleitores cristãos e, claro, convicção do Declarante e que, com o alerta produzido pelo advogado Fabiano, numa ligação telefônica, foi possível o voto do Parlamentar na
Comissão Especial suprimindo o texto citado’.

COM A PALAVRA, FABIANO ZICA

“O deputado sempre pagou serviços particulares, tendo recebido nota fiscal. Ainda não fui ouvido pela PF e não tenho e não tive acesso ao inquérito”.

“quanto à simplicidade dos projetos, e das análises, há sim análises simples que foram cobradas em valores módicos. Se houve erro na impressão, não as desqualifica. No entanto, análises de projetos com mais de de 100 páginas foram feitas, inclusive apresentações ao deputado.

“E o escritório nunca cobrou pelos serviços de acompanhamento do deputado em reuniões. Os relatórios e as notas fiscais que cobrem os vários anos do mandato parlamentar sempre foram disponibilizados para consulta no sítio eletrônico da Câmara Federal”.

“Para algumas análises, cobramos R$ 600. Foram as propostas de reforma tributária, por exemplo. O deputado já conhece as duas reformas tributárias que estão em tramite. As duas foram analisadas e apresentadas ao deputado”.

“É comum que inclua emendas em plenário. Nesse sentido, quantas vezes eu, que sou professor, tive que sair de sala de aula à noite pra responder ao deputado Stefano. Isso, por exemplo, nunca foi cobrado. O que foi são os relatórios que são tangíveis”.

“Gostaria de ressaltar que tenho quase 10 anos de docência, 4 pós graduações e uma delas é um mestrado. Também tenho vários artigos escritos”.

“Não me constrange explicar qualquer coisa a quem quer que seja sobre o uso de dinheiro público”.

“E também apresentar as notas fiscais que pagou com o dinheiro dele pra mim em causa pessoais”.

“As análises não contêm data por que se referem sempre aos projetos legislativos que estiveram em pauta (não necessariamente votados) no mês anterior à emissão do relatório e isso é disponibilizado no próprio sito eletrônico da Câmara no link sobre a agenda legislativa e é acessível à qualquer um. Também importa que os relatórios são seguidos de um uma síntese que é encaminhada para a Câmara dos Deputados e uma nota fiscal do mês à qual se referiram as análises/pareceres confeccionados. Há um possível desconhecimento do trâmite da Casa ao imputar a ausência de data como algum indício de irregularidade, respeitosamente aponto”.

Nos autos, consta que Fabiano Zica ainda não foi interrogado, medida que foi requerida pela Procuradoria, ao pedir, em dezembro, a extensão por mais 30 dias da investigação.

O advogado chegou a enviar um e-mail de esclarecimento à Procuradoria, em que afirmou que não tem contrato de serviços com o parlamentar, e que fez “trabalhos de análises, de projetos conforme demanda e interesse do próprio Deputado, que muitas vezes entra em contato com nossa equipe de dentro do plenário do parlamento para solicitar nosso trabalho por meio do aplicativo de mensagens de WhatsApp’

O advogado ainda afirmou que ‘os serviços pagos com a cota parlamentar também incluíram ‘reuniões com prefeitos, vereadores e assessores parlamentares; acompanhamento do deputado em reuniões temáticas na base; aconselhamento à equipe no que tange à trâmites relativos ao regimento interno; levantamento de dados e apresentação dos referidos em tempo real via WhatsApp; reuniões com representações de classes, sugestões de discursos, projetos de lei, pedidos de audiências públicas nas comissões, proposições de emendas à projetos e requerimentos com base no regimento interno’.

Estadão.