Primeiro ano de Bolsonaro foi marcado pelo conflito permanente
Ao tomar posse, o presidente Jair Bolsonaro prometeu aos parlamentares que estavam presentes em seu discurso no Congresso: “(Vou) governar com vocês”. Porém, no lugar do compromisso pela busca de consensos, uma gestão com enfrentamentos permanentes entre outros poderes e instituições da sociedade civil.
O ano na política nacional ainda foi marcado ainda por conflitos entre Bolsonaro e aliados antes considerados fiéis escudeiros, como Gustavo Bebianno, que passou a desafeto do presidente e saiu do governo como o primeiro ministro demitido; a divulgação de mensagens pelo portal “The Intercept Brasil”, com diálogos entre membros da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, e uma crise sem fim no partido do presidente, que culminou com um racha na legenda e a promessa de um novo partido para abrigar os bolsonaristas.
Doze fatos que marcaram a política nacional:
1 — Demissões no governo (fevereiro)
De braço-direito de Bolsonaro nas eleições, Gustavo Bebianno logo passou a desafeto e foi o primeiro ministro demitido, em 18 de fevereiro.
A demissão de Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência ocorreu em meio a atritos com o vereador Carlos Bolsonaro e denúncias de candidaturas laranjas do PSL em alguns estados. Em áudios vazados, Bolsonaro também acusou o ex-ministro de mentir sobre o número de vezes em que haviam conversado.
Além de Bebianno, caíram nos meses seguintes os ministros Ricardo Vélez (Educação), Floriano Peixoto (Secretaria-Geral da Presidência) e Santos Cruz (Secretaria de Governo).
2 — Crise migratória (fevereiro/março)
O fluxo intenso de venezuelanos para o Brasil, em meio à crise econômica no país vizinho, levou a tensões em Roraima e ao fechamento da fronteira, determinada pelo presidente da Venezuela Nicolás Maduro. A crise trouxe temores de desabastecimento em Roraima.
Bolsonaro anunciou, no fim de fevereiro, o envio de ajuda humanitária ao país vizinho, contrariando parte de seus auxiliares, que recomendavam o não envolvimento do Brasil. Dias depois, Bolsonaro recebeu em Brasília o autoproclamado presidente venezuelano Juan Guaidó, rival de Maduro.
3 — Prisão de Ronnie Lessa (março)
Acusado de ser o assassino da vereadora Marielle Franco, o miliciano Ronnie Lessa foi preso no condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente Jair Bolsonaro também tem casa. Bolsonaro negou conhecer Lessa.
A prisão iniciou uma guinada no caso Marielle. Em outubro, o Jornal Nacional da TV Globo revelou que o porteiro do condomínio disse, em depoimento à polícia, que Élcio de Queiroz, comparsa de Ronnie, havia entrado no Vivendas da Barra no dia do crime dando o endereço de Bolsonaro. Posteriormente, o porteiro disse que se enganou. Bolsonaro passou a acusar o governador Wilson Witzel de usar órgãos do estado do Rio para incriminá-lo.
4 — Os áudios da Lava-Jato (junho)
Mensagens divulgadas pelo portal “The Intercept Brasil”, com diálogos entre membros da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, lançaram questionamentos sobre o papel dos procuradores do MPF e do então juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, em processos como o que levou à prisão do ex-presidente Lula. Devido à condenação em segunda instância, Lula não pôde disputar as eleições de 2018.
Moro e os procuradores não reconheceram a autenticidade das mensagens, que apontavam condutas como a indicação de testemunhas por Moro e a intenção de investigar autoridades com foro privilegiado. Juristas divergiram sobre as implicações éticas e legais do caso.
5 — Acenos para Trump (junho/julho)
Bolsonaro fez alguns de seus principais acenos para o presidente dos EUA Donald Trump no fim do primeiro semestre. Na cúpula do G20, no Japão, Bolsonaro e Trump tiveram uma reunião bilateral cheia de afagos de ambos os lados. Dias depois, Bolsonaro disse que cogitava indicar seu filho Eduardo para o cargo de embaixador nos EUA — indicação que acabou não se concretizando.
A busca por alinhamento já havia se desenhado na visita de Bolsonaro aos EUA, em março, quando abriu mão da posição do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de um apoio dos EUA para a entrada do país na OCDE — que não veio em 2019.
6 — Reforma da Previdência (julho)
A aprovação do texto-base levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, às lágrimas no plenário. Durante a tramitação, em meio a atritos com Bolsonaro, Maia chegou a ameaçar um afastamento da articulação pela Previdência e acusou o governo de não ajudar na formação de uma base favorável ao projeto. O presidente da Câmara, no entanto, acabou atuando como a principal liderança em busca de votos para a aprovação.
7 — Declarações intempestivas (julho/agosto)
No fim de julho, Bolsonaro desmarcou um encontro com o chanceler da França e apareceu cortando o cabelo em transmissão ao vivo nas suas redes sociais. No mesmo dia, o presidente insinuou que sabia detalhes sobre a morte do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, desaparecido na ditadura militar.
Bolsonaro acumulou outras polêmicas domésticas e internacionais. O presidente defendeu, por exemplo, a ditadura chilena de Augusto Pinochet e criticou o pai da ex-presidente do Chile Michele Bachelet, morto após ser preso pelo regime. Bolsonaro também se desentendeu com governadores nordestinos, chamados de “paraíbas” pelo presidente.
8 — Protestos da educação (agosto)
O contingenciamento de recursos no orçamento das universidades e instituições federais foi o gatilho das manifestações pela Educação, os primeiros atos maciços de rua contra medidas do governo Bolsonaro.
As manifestações também foram marcadas por críticas à gestão da pasta, àquela época já sob o ministro Abraham Weintraub, amplificando um desgaste que já vinha da gestão anterior, de Ricardo Vélez. Bolsonaro chegou a se referir aos manifestantes como “idiotas úteis” e “massa de manobra”.
9 — Queimadas na Amazônia (agosto/setembro)
O aumento das estatísticas de queimadas na Amazônia, que atingiram em agosto o recorde na década, levou a embates entre Bolsonaro e o corpo técnico do Inpe, cujo presidente Ricardo Galvão acabou demitido pelo presidente.
As negativas de Bolsonaro frente aos dados oficiais colocaram o presidente em crise com a comunidade internacional, especialmente com o presidente da França Emmanuel Macron, que assumiu cobrança mais enfática. A área ambiental voltaria a colocar o governo brasileiro no centro de críticas e cobranças do mundo inteiro após um vazamento de óleo atingir grande parte da costa do Nordeste, diante da falta de ação das autoridades.
10 — A crise no PSL (outubro)
O racha no partido veio à tona no início de outubro, quando Bolsonaro foi flagrado na porta do Palácio do Alvorada afirmando que o presidente da legenda, Luciano Bivar, estava “queimado para caramba”.
A crise dividiu o partido na Câmara dos Deputados, com guerra de listas pela indicação da liderança na Casa, áudios vazados com ofensas de ambos os lados e discussões no plenário e nas redes sociais. Alvo de operação da Polícia Federal pouco depois do comentário de Bolsonaro, pelo suposto uso de candidaturas laranjas do PSL em Pernambuco, Bivar puniu deputados fiéis ao presidente — que decidiu criar um novo partido, o Aliança pelo Brasil.
11 — A soltura de Lula (novembro)
Após a mudança de entendimento do STF sobre a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância, o ex-presidente Lula deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba e fez comícios celebrados por seus apoiadores. O ex-presidente foi condenado duas vezes na Lava-Jato, nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.
A soltura de Lula foi antecedida por uma discussão de ânimos acirrados envolvendo a atuação do STF. O Twitter do presidente Jair Bolsonaro chegou a pressionar a Corte ao defender a manutenção da prisão em segunda instância. A postagem foi apagada posteriormente — o filho, Carlos, assumiu a autoria.
12 — O caso Queiroz (dezembro)
As investigações envolvendo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, voltaram à tona no fim do ano após ficarem paralisadas por quatro meses, em meio a uma indefinição do STF sobre o uso de dados do Coaf em investigações criminais.
Após ter o sigilo bancário e fiscal quebrado em junho, por decisão da Justiça do Rio, Flávio viu sua loja de chocolates ser alvo de busca e apreensão, assim como endereços ligados a Queiroz — suspeito de comandar uma “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio. O presidente criticou o Ministério Público do Rio e acusou a Justiça do Rio de perseguir seu filho.