Bolsonaro cobra Mandetta e diz que economia vai para o ‘beleléu’

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro disse ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que a economia do País vai para o “beleléu” neste ano por causa da crise do novo coronavírus. Teme, ainda, que o caminho seja de pedras até o fim do governo, em 2022. Mais uma vez, Bolsonaro cobrou medidas para amenizar o impacto da tormenta. Quer também que Mandetta transmita mensagem de otimismo à população antes da Páscoa, no domingo.

O socorro de emergência aos Estados e municípios é considerado como uma bomba relógio com efeito destruidor sobre as finanças.

De um lado, Bolsonaro exige o fim da política de isolamento social e diz que precisa “reabrir o Brasil” para salvar a atividade econômica e os empregos. De outro, Mandetta afirma que uma atitude assim equivale a “navegar sem instrumentos” e pode levar o País ao colapso na saúde. Há, ainda, a polêmica relativa ao uso amplo da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19. Bolsonaro é a favor. O ministro, contra.

Na prática, Mandetta se tornou um fio desencapado para Bolsonaro e sua demissão é vista nos bastidores da política como questão de tempo. O pior: em recente conversa com pelo menos dois aliados, Bolsonaro confidenciou que, passada a tempestade, pretende dispensar não apenas Mandetta como “mexer” em outros “dois ou três” auxiliares. Não citou nomes.

Nos últimos dias, Bolsonaro se queixou do ministro da Justiça, Sérgio Moro, como revelou o Estado. Disse que Moro é “egoísta” e “não está fazendo nada” para defendê-lo na batalha contra as medidas restritivas de circulação, adotadas por governadores e prefeitos. Uma alternativa em estudo prevê a transferência de Moro para o Supremo Tribunal Federal (STF). O decano do STF, Celso de Mello, deixará a Corte em novembro, quando completa 75 anos e precisa se aposentar compulsoriamente.

Antes da reunião desta quarta-feira, 8, com Mandetta , no Palácio do Planalto, o próprio presidente já dizia que havia gente “se achando” em sua equipe, falando “pelos cotovelos”. A frase foi para o ministro da Saúde, mas a “bronca” e a ameaça de usar a caneta atingem outros integrantes da Esplanada.

Alvo do chamado “gabinete do ódio”, comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), Mandetta só permanece até hoje porque seu apoio popular ultrapassa o do presidente. Em um mês, o ministro saiu do limbo em que se encontrava no governo e ganhou os holofotes. Como mostrou a Coluna do Estadão, a quase demissão de Mandetta teve impacto inédito nas redes sociais. Em menos de 24 horas, ele ganhou mais de 98 mil novos seguidores no Twitter, Facebook e Instagram, segundo análise da Bites Consultoria.

A crise do coronavírus acirrou o confronto entre os militares do governo e a ala ideológica. O embate tem Carlos como principal braço operacional e o escritor Olavo de Carvalho, nos Estados Unidos, como guru e fiador. Com o ministro Walter Braga Netto (Casa Civil) à frente, generais convenceram Bolsonaro a segurar Mandetta, sob o argumento de que dispensá-lo, neste momento, desarrumaria ainda mais a casa e passaria a imagem de descontrole. Braga Netto pediu ao ministro, porém, que evitasse expor divergências com o presidente.

Em outras palavras, a ordem para Mandetta pode ser traduzida da seguinte forma: “Não compre brigas publicamente”. Na corda bamba, o ministro tenta se equilibrar. “Daqui a pouco eu sou passado”, admitiu ele. Na ocasião, ele chegou a citar verso do poeta Augusto dos Anjos (1884-1914): “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.

Nesse cenário em que todos parecem à beira de um ataque de nervos, enquanto militares atuam como bombeiros, o gabinete do ódio passou a montar um “dossiê” com denúncias contra Mandetta, muitas delas do tempo em que ele era secretário da Saúde de Campo Grande (MS).

A estratégia da “queimação” do ministro também pode ser vista diante do Palácio da Alvorada. Lá, apoiadores de Bolsonaro dirigem a ele “perguntas” que, por incrível “coincidência”, sempre reproduzem opiniões do próprio presidente ou de seus filhos.

Ao Estado um general disse que, se houvesse um apagão virtual e Bolsonaro ficasse sem WhatsApp, seria um governante “mais moderado e menos impulsivo”. Esse figurino, porém, não se encaixa em Bolsonaro, que vive em atrito permanente com governadores, Congresso, STF e imprensa.

“Bolsonaro ouve mais as redes sociais do que o Congresso”, resumiu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), outro alvo da milícia digital bolsonarista.

Às vésperas da Páscoa, Bolsonaro precisa de um para-raios no Planalto. São tempos difíceis, mas de renovação.

Estadão