Falta de ajuda do governo a pobres gera risco de saques

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O temor de uma onda de saques em supermercados e até hospitais entrou no radar de governadores e do Palácio do Planalto e virou munição na disputa política envolvendo a crise do coronavírus. Nos bastidores, órgãos de inteligência do governo traçaram cenários de potencial descontrole social, que já foram levados às reuniões ministeriais sobre a pandemia da covid-19 e chegaram aos Estados.

Casos isolados foram registrados em regiões de periferia em São Paulo e no subúrbio do Rio. No dia 19, cerca de 30 pessoas promoveram um arrastão em uma rede atacadista na Zona Leste da capital paulista. No dia 26, um adulto foi preso e cinco menores foram apreendidos no Rio por invadirem um comércio na zona norte durante a madrugada.

A Polícia Civil do Rio anunciou na semana passada ter desarticulado uma quadrilha que planejava em grupos de WhatsApp uma onda de ataques a supermercados na zona norte e na Baixada Fluminense. Os homens apontados como chefes do bando atuavam como vendedores ambulantes, conforme informações de inteligência que subsidiaram a operação.

Na segunda-feira, 30, o presidente Jair Bolsonaro associou o risco de saques a uma situação de desespero de trabalhadores informais e desempregados: “O povo passando necessidade grave, nós podemos ter saque, invasão de supermercado, algumas regiões do País sem lei”. Em acordo com o Congresso, o governo aprovou um auxílio de R$ 600 aos trabalhadores informais. A medida, porém, ainda não foi sancionada pelo presidente e não há prazo para o repasse ser feito.

O receio de saques passou a ser explorado pelo entorno do presidente como justificativa para a retomada das atividades normais no País e a suspensão de decretos estaduais restritivos à circulação de pessoas. Nas redes sociais, circularam vídeos de falsos arrastões, que na verdade ocorreram fora do Brasil e em anos anteriores.

Governadores que não seguem a linha do presidente nas ações contra a pandemia admitem ter informações de que saques podem vir a ocorrer com maior frequência. Mas, como não cogitam ceder à pressão de Bolsonaro e flexibilizar as medidas de isolamento da população, defendem reforço nas ações sociais de assistência por parte do governo, com liberação do vale de R$ 600, e adotam a doação de alimentos em alguns locais.

O governador Gladson Cameli (PP), do Acre, afirmou ao Estado que vai reforçar o policiamento e distribuir cestas básicas. Ele pediu o retorno às ruas de 269 policiais militares que trabalhavam cedidos na Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça e vai nomear 250 outros na PM e 253 na Polícia Civil. Além da escassez de recursos da população local, o Acre costuma receber muitos imigrantes em situação de vulnerabilidade, como grupos de venezuelanos e haitianos, que dependem de doação de comida.

“É uma grande preocupação, a polícia está antenada. Existe tendência, sim, de começar a aumentar esse tipo de caso. Começa como se fosse uma onda e aqui tem a questão das facções por ser fronteira”, afirmou Cameli. “Vou começar a doar cesta básica para pessoas carentes, para alunos de escolas que os pais não sejam funcionários públicos e começar a fazer o trabalho social.”

Em Goiás, o governo Ronaldo Caiado (DEM) acelerou a produção e a montagem de cestas básicas para distribuição, como forma de evitar a desobediência civil e a pilhagem no comércio. No Rio, Wilson Witzel (PSC) anunciou um mutirão para doar alimentos a 1 milhão de famílias. Rompidos com Bolsonaro, ambos têm pressionado publicamente a equipe econômica do governo federal pela entrega do vale de R$ 600 à população, como forma de tranquilizar de que não passarão fome. O governo estuda como fazer com que o dinheiro possa ser acessado pelas famílias.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, publicou na segunda-feira, dia 30, autorização para que a Força Nacional atue no patrulhamento e guarda ostensiva “com objetivo de evitar saques e vandalismo”. Apesar de ter assinado a portaria, minimizou o risco nesta terça, dizendo que os receios são “infundados”.

“Não existe crise de abastecimento e nada concreto colhido relacionado à iminência de saques. É absolutamente inapropriado ficar antecipando caos que não deve acontecer”, afirmou o ministro.

Quando a pandemia foi decretada e as primeiras medidas de isolamento adotadas, a área de inteligência do governo federal passou a acompanhar cenários em outros países latino-americanos, como ocorreu em lojas de Bogotá, capital da Colômbia. Nos últimos dias, a Itália também registrou episódios de furto e tumulto coletivos em Palermo, e o premiê Giuseppe Conte anunciou a distribuição de alimentos.

Ainda como avaliação de cenários no governo federal, outro fator de instabilidade foi lembrado: os recentes motins de policiais militares em Estados do Nordeste, e a ameaça de paralisação no Espírito Santo, com o consequente aumento da violência.

Estadão