Economia está atrelada à pandemia

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Foto: Fabio Braga

O esboço de melhora na produção industrial brasileira —alta de 7% em maio na comparação com abril, segundo divulgou nesta quinta (2) o IBGE— ainda está distante de ser um sinal de recuperação da economia brasileira. Especialistas ouvidos pela Folha apontam que a retomada das atividades depende da evolução da pandemia da Covid-19 no país.

A projeção da maioria é que o setor ainda leve mais de um ano para recuperar o volume de produção do pré-crise

Mesmo com a melhora de maio, na comparação com o nível de produção de fevereiro, último mês antes de o país passar a sentir os efeitos do distanciamento social adotado para conter o avanço do novo coronavírus, a indústria apresentou um recuo de 21%. Quando se leva em consideração o pico histórico do setor, em maio de 2011, a perda chega a 34,1%.

Isso significa que, nos últimos nove anos, o nível de produção industrial encolheu mais de um terço.

A economista Renata de Mello Franco, do FGV-Ibre, acredita que o mês de abril foi o fundo do poço da produção industrial. No entanto, ela destaca que ainda não é possível afirmar que o país esteja saindo do buraco.

“Dá para dizer que parou de piorar, mas isso é mais pela volta do funcionamento das fábricas”, afirma ela. O percentual de fábricas fechadas em abril era de 14,4%, e caiu para 9,5% em maio. “Essa recuperação vem pela reabertura”, diz.

Para Otto Nogami, economista do Insper, deve demorar ao menos um ano para que a produção industrial consiga se equiparar ao nível registrado antes da Covid-19. “É uma reorganização em termos de comportamento, métodos de produção, métodos de comercialização. Na verdade, esse momento está representando um repensar da atividade econômica como um todo”, afirma o economista.

Também deve haver uma demora na retomada por causa das perdas ocorridas em todos os setores da cadeia produtiva. Empresas faliram, diz ele, outras demitiram.

“O nosso grande problema é que a base da pirâmide industrial está quebrada. É o caso das micro e pequenas empresas. Até que se recupere esse alicerce, demora”, afirma Nogami.

Segundo ele, é preciso ter em mente que o setor é um grande sistema, com muitas conexões. “Grandes indústrias também dependem dos pequenos, como fornecedores, e leva tempo para se identificar substitutos à altura -leva até um ano. Tudo isso vai dificultar essa fluidez no crescimento.”

Renata de Mello Franco defende que um cenário de retomada também, em especial, de como a pandemia vai evoluir no Brasil. Uma piora no número de casos e óbitos de Covid-19 pode provocar novas medidas restritivas.

“Não duvido que possamos ter meses piores que abril. Essa particularidade de fechar fábricas nunca foi observada em nenhuma crise e prejudica toda cadeia produtiva”, afirma Franco.

Ricardo Macedo, professor de economia do Ibmec, alertou que o combate à Covid-19, até aqui, e o afrouxamento nas restrições de circulação em todo o país podem contribuir para um novo cenário caótico na produção industrial.

“Pela experiência externa, na medida que se reduz o distanciamento social, pode haver aceleração na curva de contágio. O Brasil deixou a desejar nas medidas, e isso vai acabar afetando, e muito, a recuperação econômica. Ficamos sujeitos a esse tipo de flutuação”, diz Macedo.

O professor definiu que apenas o surgimento de um tratamento definitivo contra o novo coronavírus poderá trazer mais segurança a qualquer análise sobre o que deve ocorrer com a produção industrial do Brasil nos próximos meses.

“A recuperação vai demorar bastante. É o momento para desenvolver estratégias, pensar em medidas que possam evitar o abre e fecha. O ideal seria ter uma vacina o mais rápido possível”.

REAÇÃO GENERALIZADA

Segundo o IBGE, 20 dos 26 ramos de atividade apresentaram alta em maio, na comparação com o mês anterior.

Nas indústrias têxteis, o crescimento foi de 10,2%, mas mesmo assim com queda de 46,5% na comparação com igual período do ano passado.

Fernando Pimentel, presidente da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), diz que o setor deve chegar ao fim do ano com cerca de 70% de suas operações normais, desde que a pandemia não volte a causar medidas restritivas que interrompam o comércio, crucial para o setor.

“Abril foi o fundo do poço e maio apresentou, na margem, melhora razoável, o que não diz nada: a base de comparação é muito ruim”, diz Pimentel.

“O acumulado no ano mostra uma queda bestial na produção industrial, e a indústria opera em 75% de sua capacidade e as fábricas operam com 40% a 50%. Existe um longo caminho a ser percorrido”, afirma ele.

Até o momento, nos dois primeiros meses de pandemia, o setor industrial registrou perda de 62 mil postos formais de trabalho. O número equivale a metade do que se perdeu em dois anos de recessão econômica no país, entre 2015 e 2016.

Pimentel também só espera uma recuperação efetiva após o desenvolvimento de uma vacina para o novo coronavírus. “Até lá, vai ser difícil, o cenário é incerto”, diz.

A análise é similiar à de Cristina Zanela, diretora da área de economia da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos). Ela destaca que a recuperação do setor em maio foi importante, mas ainda está distante da perda. “Abril registrou 27% de queda, e a recuperação não será tão rápido. Esperamos continuidade, mas tudo vai depender do controle da pandemia”.

Para Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), o setor, que perdeu 52 mil postos de trabalho desde o início da pandemia, deve ter queda de até 30% na produção em 2020, mesmo com a alta de 49,7% no setor de couro, artigos de viagem e calçados apontada pelo IBGE.

“Esse número positivo demonstra o início de uma melhora, sua permanência dependem do comportamento das vendas, pois nosso setor é interligado ao comércio, aos lojistas de calçado, diferentemente de outros setores, que até demandam estoque”, diz. “Novos lockdowns ou fechamentos de comércio por causa do coronavírus, nos afetariam diretamente”, afirma.

No ramo de veículos automotores, reboques e carrocerias, principal destaque da produção industrial de maio, com alta de 244,4%, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) aponta que o crescimento só veio sobre uma base de praticamente 0% de produção no mês anterior.

O momento do setor de automóveis ainda é delicado, tanto que a projeção de licenciamentos em 2020 era de 3,050 milhões de veículos, mas deve ficar em torno de 1,675 milhão. Em 2019, foram 2,788 milhões. “A queda impressiona, é um tombo de 45%”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.

Na comparação com o mesmo período do ano passado, a queda na produção de automóveis foi de 84,4%, além de 62,9% na fabricação de caminhões e 29,5% na de máquinas agrícolas e rodoviárias. As exportações de carros registraram recuo de 90,8%, as vendas de autoveículos e caminhões despencaram, respectivamente, 74,7% e 47,2%.

O crescimento de 7% da produção industrial em maio foi visto em todas as grandes categorias econômicas, que por outro lado apresentam grandes quedas na comparação com o mesmo período do ano passado. Bens capitais despencou 39,4%, bens intermediários recuou 14,6% e bens de consumo caiu 31%, com destaque principal à retração de 69,7% nos bens duráveis. No mesmo período, a indústria geral recuou 21,9%.

Folha De S. Paulo