Mulheres negras sofrem mais que todos com desemprego

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Foto: Reprodução

Todas as vezes em que perguntava por uma colega de trabalho, Luciana* (nome alterado a pedido dela) descobria que ela havia sido demitida da empresa de call center. Foi assim até a jovem de 18 anos, moradora da periferia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ), ser desligada em abril de 2021. Antes disso, viu mulheres engrossarem as folhas de demissão durante a pandemia de covid-19.

Luciana não é um exemplo isolado. Uma análise do data_labe, laboratório de dados localizado na Favela da Maré (RJ), indica que raça, gênero e território influenciam no nível de empregabilidade. A equipe realizou cruzamentos entre as pesquisas “Pnad Contínua de 2017 a 2021” e “Pandemia na Favela – A realidade de 14 milhões de favelados no combate ao novo Coronavírus”, do DataFavela (uma parceria do Instituto Locomotiva, da Central Única das Favelas – Cufa e da Favela Holding) e verificou que a desocupação de mulheres negras é o dobro da desocupação de homens brancos. A proporção se repete quando comparamos a quantidade de pessoas com emprego formal na favela e no asfalto. Quem mora na favela tem duas vezes mais probabilidade de estar desocupado.

De acordo com o IBGE, além das pessoas ocupadas, que são as que estão empregadas e que trabalham por horas suficientes, existem outras três categorias de pessoas no mercado de trabalho. A primeira são as “desocupadas”, que, assim como Luciana, são pessoas que apesar de não possuírem um emprego, tomaram alguma providência efetiva para encontrar trabalho e estão disponíveis para assumi-lo, caso encontrem um.

Depois vêm as pessoas subocupadas, que são aquelas que possuem uma ocupação de poucas horas trabalhadas e, consequentemente, uma renda que não dá conta de atender suas necessidades. Para fechar, o IBGE registra as desalentadas, que são as pessoas que gostariam de trabalhar, mas que por algum motivo não realizam buscas efetivas por trabalho.

Estudante de Ciências Sociais na UERJ, antes de entrar para o contingente de pessoas desocupadas Luciana afirma que os chefes atribuíam às funcionárias uma fragilidade preexistente quando elas reclamavam das constantes humilhações a que eram submetidas. “É muito difícil você atender a um telefone às nove horas da manhã e escutar que você é uma vagabunda”, diz.

Para a ex-operadora de telemarketing, seu lugar na sociedade torna ainda mais complexa sua situação. “Quando se é uma mulher preta e periférica, a gente precisa estar sempre mil passos à frente para provar nossa capacidade”, diz Luciana.

Segundo cálculos da equipe do data_labe, a probabilidade de desocupação no primeiro trimestre de 2021 era de 9,2% para mulheres negras e de 5,6% para homens brancos. Ou seja, no momento do ápice da desocupação no Brasil, o risco de desocupação de uma mulher negra é quase o dobro do risco de desocupação de um homem branco.

Por estar em uma posição social e territorial específica, Luciana se enquadra em diversos grupos mais vulneráveis ao desemprego. Segundo a pesquisa Pandemia na Favela, a proporção de pessoas empregadas com carteira assinada é de 17% entre os moradores de favela e de 31% no asfalto. Quando o assunto é desemprego, a porcentagem é de 20% para o primeiro grupo e de 9% para o segundo.

“Fiquei supertriste, porque, quando a gente ganha uma oportunidade [de trabalho], tem que se dedicar ao máximo, por causa da nossa cor, dessa ansiedade, por conta de tudo.”

Enquanto busca outra oportunidade formal, Luciana se mantém com aulas e apresentações de arte circense e com sua bolsa universitária.

Jéssica Castro, de 24 anos, era jovem aprendiz até o início da pandemia, mas foi desligada após descobrir que estava grávida. Para a mãe de Henrique, que completou um ano recentemente, ficar parada não é uma opção. Enquanto não consegue um emprego formal, ela vende bolos de pote, tortas e peças íntimas. “É uma coisa que eu faço que dá um dinheirinho, e a gente vai lá, paga um ‘negocinho’, come alguma coisa”.

Como ela, 8,2% dos brasileiros encontravam-se subocupados durante o início de 2021, muito acima dos 5,9% verificados em 2017. Nesse mesmo período, a chance de subocupação da mulher negra era 35% maior que a do homem branco.

O relatório do DataFavela aponta que estão em situação de desalento 4 a cada 100 moradores do asfalto. Nas periferias, o número de desalentados é de 6 a cada 100. Isso mostra que, apesar de o desemprego ser maior nas favelas, a quantidade de pessoas que desistem de procurar trabalho é maior por lá.

A pandemia fez o índice de pessoas desalentadas mensurado pelo IBGE saltar de 4,1%, no fim de 2019, para 5,3%, no quarto trimestre de 2020. Cálculos elaborados pela reportagem apontam que a chance de desalento para mulheres negras era 35% maior quando comparada a homens brancos.

Esse é o caso da jornalista Sabrina, de 29 anos, moradora da Baixada Fluminense, que não vê sentido em seguir procurando uma ocupação formal em uma área que ela enxerga como norteada por privilégios: “O mercado da comunicação ainda tem essa coisa do QI, o quem indica”.

Ainda de acordo com o levantamento sobre a pandemia nas favelas, 96% das famílias viram sua renda diminuir. Não foi diferente com a jornalista, que também pediu para sua identidade não ser revelada.

Logo no começo da emergência sanitária, Sabrina conseguiu um emprego na área administrativa. Desistiu meses depois, após ser constantemente humilhada, ter a qualidade de seu trabalho questionada ao não alcançar resultados esperados pelos seus superiores e ser exposta ao contágio pela covid-19 por conta da obrigação de distribuir produtos na rua. Diante da desistência de procurar emprego, tornou-se uma desalentada.

Hoje, a jornalista tenta vender suas pautas, participar de lives e estruturar um coletivo de mulheres que fundou. Em tempos de covid, explode, silenciosa, a pandemia que mata a esperança de mulheres negras. “Com ou sem psicológico, a gente tem que fazer alguma coisa. Só com o dinheiro do auxílio, não estava rolando”, desabafa.

Uol

 

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