Bolsonaro recorre a ideologia para não falar de economia

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) vai para a campanha à reeleição apostando nas pautas ideológicas e na radicalização do discurso político não apenas para acentuar as diferenças em relação ao seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia, também, é se distanciar das questões econômicas, que têm potencial para atrapalhar seus planos. Apesar dos pacotes de bondades para setores do funcionalismo, do Auxílio Brasil, do auxílio emergencial durante a pandemia de covid-19 e de programas de empréstimos voltados para a sobrevivência dos empresários no auge da crise sanitária, nada disso foi capaz de mitigar os efeitos da inflação e de uma economia em estagnação.

Prova disso é que na pesquisa Ipespe, divulgada na última sexta-feira, 63% da população enxergam a economia do país no rumo errado. Mais: a sondagem aponta que o peso da agenda econômica na decisão de voto pulou de 23% para 47%.

Ou seja, a realidade está distante do que Bolsonaro mostra nos palanques: inflação em rota ascendente, gasolina em torno dos R$ 8 em boa do país, taxa básica de juros acima dos dois dígitos e desempenho da indústria e do varejo muito modesto. Nem a reforma tributária, que o governo poderia ostentar como uma conquista em favor do empreendedor, saiu do papel. Além disso, ao ceder o Orçamento para o Centrão e buscar soluções para contentar grupos que possam apoiá-lo na reeleição, arma uma bomba fiscal que, seja quem for o presidente, terá dificuldades em desarmá-la em 2023.

Assim, a estratégia consiste em manter os conflitos em fogo alto e atiçar crises institucionais, como a do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) e o indulto concedido ao parlamentar. O caso rendeu uma nova oportunidade de enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal (STF) e açulou seus apoiadores, que voltaram às ruas, no 1º de Maio para pedir o fechamento da Corte, golpe de Estado e impeachment de ministros do STF — entre outros ataques à democracia.

Tudo isso vem sendo temperado com a insistência na suposta insegurança do sistema eleitoral brasileiro, mesmo sem apresentar provas de que seja vulnerável. Na estratégia de emparedamento do Tribunal Superior Eleitoral, foi bem sucedido ao envolver as Forças Armadas que, agora, cobram a transparência de um processo sobre o qual, até 2018, jamais fizeram qualquer contestação — a ponto de pedirem ao presidente do TSE, ministro Edson Fachin, a divulgação das indagações feitas à Corte sobre as urnas e o processo de apuração.

Campo minado
Para Newton Marques, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), a economia é um campo minado para Bolsonaro, não somente porque não se interessa pelo assunto — na campanha de 2018, repassava todas as perguntas sobre o tema para o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, então “Posto Ipiranga”, dissecar. O presidente também tem dificuldades em convencer o eleitorado de que nada tem a ver com a atual situação.

“O presidente procura não entrar nesse campo, porque sabe que as críticas maiores serão justamente sobre a condução da economia. Não houve nenhuma medida do governo com relação a isso para evitar que o aumento de preços afetasse a população. Ele prefere atacar o Supremo e defender os filhos. Como ele tem a máquina nas mãos, vai liberar verba para o Centrão e aliados. Isso é temerário, porque muita coisa está sendo jogada para 2023 do ponto de vista fiscal”, alerta.

A constitucionalista Vera Chemin observa que Bolsonaro tem conseguido driblar a instabilidade econômica por meio de uma estratégia de caráter político, usando como gancho inquéritos e ações que tramitam no STF relacionadas aos seus correligionários.

“O tema economia fica limitado aos bastidores da política, sobressaindo, apenas, os conflitos institucionais que rendem popularidade e apoio. Contudo, persiste o desafio de impulsionar a economia, que a história mostra ser a variável-chave para a manutenção da cadeira palaciana”, observa.

O diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, reforça que a inflação alta, a taxa Selic em 12,75% ao ano e os preços dos combustíveis em elevados patamares serão explorados pelos adversários. Mas não apenas isso: a bomba fiscal que Bolsonaro vem armando com pacotes de benesses de olho na reeleição também estará no centro das discussões. “Os parâmetros são voláteis, pois há enormes incertezas nos cenários nacional e internacional. Em outubro teremos a exata dimensão de como a situação econômica ajudou a eleger o novo presidente”, observa.

Já o cientista político André César salienta que, em resposta à grave crise econômica e social, Bolsonaro tem se limitado a transferir a culpa de tudo para a pandemia, os governadores, os prefeitos e a guerra na Ucrânia. O especialista enfatiza que o país voltou ao velho quadro de preocupação econômica dos tempos pré-Plano Real.

“As pesquisas mostram que o que incomoda o eleitor é a economia, o desemprego, a inflação, os juros altos. Bolsonaro tem o hábito de terceirizar os problemas, alegando que a culpa não é do governo dele. Joga cortinas de fumaça e o caso Daniel Silveira deixa isso claro. Será cobrado pelo eleitor e pelos adversários”, adverte.

Correio Braziliense