Militar estuprador durante ditadura será julgado

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Antônio Waneir Pinheiro Lima, o Camarão, acusado de estuprar Inês Etienne Romeu, que esteve presa na ditadura – Reprodução

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal) determinou que o sargento reformado Antônio Waneir Pinheiro de Souza responda a ação penal sob acusação de sequestro e estupro de uma presa política durante a ditadura militar.

O militar, conhecido como Camarão, era um dos agentes do Centro de Informações do Exército responsável pela vigia da chamada Casa da Morte, centro clandestino de detenção em Petrópolis.

Camarão foi reconhecido pela única presa a sair viva do local, Inês Etienne Romeu, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) torturada e presa por 96 dias em 1971.

A decisão do TRF-2, de fevereiro, reformou a sentença de absolvição sumária proferida pelo juiz Alcir Luiz Lopes Coelho, da 1ª Vara Federal de Petrópolis, em dezembro de 2021.

O magistrado entendeu que os crimes estavam cobertos pela Lei da Anistia, de 1979, e prescritos em razão do tempo do crime e da apresentação da acusação (mais de 40 anos).

A defesa do militar reformado afirmou que vai recorrer da decisão, com base no voto divergente do juiz federal Ivan Athié.

“A defesa declara que o entendimento assentado no voto vencido merece prosperar sobre o voto vencedor, cujas premissas e conclusões se encontram em descompasso com a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal”, afirma a defesa de Camarão, em referência ao julgamento no STF sobre a validade da Lei da Anistia.

Essa foi a segunda vez que o TRF-2 reverteu uma decisão de Coelho no caso.

Em 2017, Coelho já havia rejeitado a denúncia do Ministério Público Federal, oferecida em 2016, sob os mesmos argumentos. Na sentença, o magistrado citou, entre outros autores, o guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho.

O tribunal determinou em 2019 que a acusação fosse recebida. Por maioria, os magistrados entenderam que o Brasil deve investigar e julgar crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura em razão das duas condenações que sofreu na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Após essa decisão, o magistrado deu prosseguimento à ação e decretou a absolvição sumária, antes da produção de provas na Justiça, em dezembro de 2021.

Ao tentar encerrar de novo a ação penal, o magistrado escreveu antes da sentença: “Saibamos o que deve-se fazer, não o que se tem feito”, em citação a Joaquim José Caetano Pereira e Souza, no livro Primeiras Linhas sobre o Processo Civil.

Os magistrados do TRF-2, porém, entenderam que houve descumprimento da decisão anterior em razão do uso dos mesmos argumentos já considerados nulos pelo tribunal. O caso será devolvido para Coelho dar prosseguimento à ação penal.

Inês, morta em 2015, relatou em 1979 à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) os abusos sofridos na “Casa da Morte”. Pelo menos 20 pessoas teriam morrido após torturas no local durante a ditadura.

Ela não pôde depor à Comissão Nacional da Verdade (CNV) por um problema na fala. Mas a sua ida às reuniões do grupo, que funcionou de 2012 a 2014, possibilitou a identificação de seis torturadores da casa. Todo o reconhecimento foi feito com base em fotografias apresentadas pelos integrantes da comissão.

Inês Etienne foi aplaudida de pé durante a sessão da CNV e ouviu a irmã ler uma carta às pessoas presentes no auditório do Arquivo Nacional.

“Sua missão é de heroísmo. Você não tem mais o que temer. Você venceu”, disse a irmã, Celina Romeu, a Inês após a leitura.

Folha de São Paulo