E o gado não foi pastar por Bolsonaro

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Foto: Douglas Magno/AFP

A inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro não energizou a militância digital como ocorria em um passado recente em situações semelhantes de “tudo ou nada”. Nas mensagens que circularam ao longo da última semana, houve pouca discussão sobre o sucessor do bolsonarismo para 2026, presença de teorias da conspiração e um sentimento de “desnorteamento” até a condenação.

É o que apontam levantamentos feitos pela agência de análise de dados Bites, baseados em publicações de Instagram, TikTok, Twitter e blogs, e por pesquisadores das universidades federais da Bahia e de Santa Catarina, com foco em grupos e canais do Telegram.

A mobilização digital do bolsonarismo manteve-se morna ao longo da semana e ressuscitou com a decisão final do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas acabou engolida pelos setores ao centro e à esquerda. As investigações contra o ex-presidente — tanto o inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a CPI do 8 de janeiro —, explicam parte desse enfraquecimento, segundo o diretor-adjunto da Bites, André Eler. O palanque perdido com o fim do mandato, quando Bolsonaro tinha a máquina federal de comunicação, viajava o país e fazia transmissões ao vivo semanalmente, também contribuiu para o engajamento menor.

— Alguns influenciadores perderam suas contas nas redes por decisões judiciais, mas também há menor apetite de defesa de Bolsonaro pela falta de perspectiva de poder — diz Eler, que vê uma reorganização da direita pós-Bolsonaro. — Mesmo atores da direita que criticam Lula não fazem muita questão de necessariamente entrar em debates em defesa do ex-presidente.

O ex-presidente teve 728 mil menções nas redes sociais no dia da condenação, aproximadamente metade do que conseguiu alcançar seis meses atrás, poucos dias após deixar a Presidência. Na quarta-feira, dia em que o relator da ação no TSE, ministro Benedito Gonçalves, votou pela condenação do ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, o volume de menções somou 388 mil.

No 8 de janeiro, data da depredação dos prédios dos Poderes em Brasília por seus apoiadores, Bolsonaro teve um pico de 1,3 milhão de menções. Já na semana em que o ex-presidente foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal, em maio, bateu também o patamar de 1 milhão. Seu retorno ao Brasil, em março, após um autoexílio nos Estados Unidos, teve cerca de 700 mil menções.

No Telegram, o julgamento é visto por bolsonaristas como parte de uma conspiração para perpetuar a esquerda no poder, e não há motivos para se discutir o sucessor do ex-presidente para 2026. É o que mostra uma análise sobre a semana feita pelos pesquisadores Leonardo Nascimento e Paulo Fonseca, da UFBA, e Letícia Cesarino, da UFSC, a partir dos 78 maiores chats de apoiadores de Bolsonaro no aplicativo de mensagens.

Os pesquisadores não encontraram associações com os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Romeu Zema (MG), considerados sucessores do bolsonarismo para 2026, nem com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ou o senador Sergio Moro (Podemos-PR). No entanto, houve 81 menções à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, indicando a possibilidade de uma sucessão política diante da inelegibilidade.

As publicações circulando no Telegram atribuem a Bolsonaro uma espécie de “aura de rei Midas” — personagem da mitologia grega conhecido por transformar em ouro tudo o que tocava —, uma vez que sugerem a transferência imediata dos votos a quem quer que o ex-presidente indique como sucessor para as próximas eleições. A crença sugere lealdade e confiança consolidadas em Bolsonaro como líder da direita, de acordo com os pesquisadores.

Bolsonaro vinha evitando comentar a possibilidade de ficar inelegível ou sobre qual nome poderia sucedê-lo como candidato do bolsonarismo em 2026. Na segunda-feira, em coletiva de imprensa após reunião a portas fechadas com parlamentares do PL na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), ele afirmou que “ninguém é insubstituível”, mas fez ressalvas:

— O que acontece no momento é que tem muita gente aqui, muito mais competente do que eu, mas não tem o conhecimento nacional que eu tenho. E eu consegui o carinho de uma parte considerável da população.

Aliados do presidente relataram ao GLOBO, reservadamente, que seu entorno tem evitado debater o assunto em respeito ao líder. Uma das pessoas próximas afirmou que “não se prepara o velório enquanto o defunto ainda nem esfriou”. Um ex-ministro disse não acreditar numa articulação via Congresso para aprovar anistia ao ex-presidente, em razão da baixa probabilidade de a pauta ser aprovada em plenário.

O Globo