Especialistas elogiam judiciário por combater Bolsonaro

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Foto: FGV

Fundador e professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, Oscar Vilhena Vieira não tem dúvidas de que Jair Bolsonaro praticou crimes graves. Em entrevista ao GLOBO, o advogado pontua que a reunião com embaixadores que o levou à inelegibilidade por oito anos foi um dos comportamentos não republicanos praticados pelo ex-presidente, claramente atentando contra a democracia brasileira. Confira a íntegra:

Qual a sua análise sobre o julgamento?

A condenação de Jair Bolsonaro é mais um capítulo nesse processo de judicialização da política brasileira. Ao longo desses 35 anos, tem sido comum que muitos políticos insistam em fazer parte do jogo democrático afrontando regras de improbidade e muitas vezes regras estruturantes da própria democracia, como ataques ao sistema eleitoral, que foi justamente o caso do ex-presidente.

O resultado já era o previsto?

A Justiça tem tido uma atuação muito contundente. Nem sempre se concorda com as decisões, mas o Judiciário não tem sido sistematicamente alheio ao processo político. Desde 1988, ele intervém e participa, evidentemente quando provocado e sobretudo pelos próprios atores políticos. Isso quer dizer que não me surpreende que o Tribunal Superior Eleitoral tenha tomado decisão com impacto tão grande sobre o sistema político quanto essa.

Estão caracterizados abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação?

É evidente que a Bolsonaro estão sendo imputados diversos crimes de responsabilidade e crimes eleitorais. Pelo que eu tenho informação, são mais 15 ações. Então parece que essa é uma ação pontual em um contexto muito maior de ataque às instituições democráticas, especialmente deslegitimando o processo eleitoral. Nesse caso, não há dúvidas de que ele praticou e com algumas características específicas ainda mais graves: o fez dentro do Palácio da Alvorada e utilizando de sua prerrogativa de presidente da República, de chefe de Estado, convocando autoridades externas ao Brasil para atacar as urnas. As provas são públicas, notórias, sequer seu advogado as contestou.

Bolsonaro afirmou ter sido condenado “pelo conjunto da obra”, supondo que os ministros não se ativeram à reunião com os embaixadores…

De fato, infelizmente ele tem um conjunto de obra, por praticar muitos atos ilegais de diversas naturezas no período que governou o Brasil e é difícil subjetivamente distinguir uma das coisas. Mas o julgamento se ateve a uma reunião convocada por ele, comandante-chefe das Forças Armadas, para agir contra as urnas. Ele foi condenado pelo ato em si, mas evidente que esse ato não se dá isoladamente de um conjunto de ações para deslegitimar o processo eleitoral. Se ele é um criminoso em série, que claramente atentou em série contra a democracia, obviamente isso será mencionado. A argumentação é parte de sua defesa, mas acaba por ser uma confissão de que ele fez outras coisas ilegais.

Sobre a minuta golpista, houve divergência na inclusão do documento. Qual a sua visão?

Se fosse um processo criminal, nós teríamos um tipo de procedimento mais rigoroso. Na Justiça Eleitoral, é evidente que há comunicação entre os diversos inquéritos e investigações e, em várias circunstâncias, os tribunais autorizam que provas colhidas em outros processos sejam trazidas. Elas ajudam a compor um quadro, mas não podem ser usadas para a condenação. No caso da minuta golpista, não sabemos por quem e quando ela foi escrita, e não pode ser levada em consideração pelos magistrados, até porque ele não pôde se defender na inicial sobre esse assunto. Então os ministros deixaram que, embora tivessem conhecimento desse documento no processo, ele não levou à condenação.

Quais semelhanças e diferenças do processo em relação ao da chapa Dilma-Temer, em 2017?

Evidentemente, são processos relativos a eleições presidenciais e é muito ruim para a democracia brasileira que esses pleitos sejam contestados e o comportamento desses políticos sejam questionados. Em 2017, o então candidato Aécio Neves contestou essa chapa, mas isso demorou muito para ser julgado, só sendo quando Dilma já havia sido afastada do governo. Mas, apesar de haver elementos de condenação, um veredito do ministro Gilmar Mendes de que, pelo cálculo político, acabou pela absolvição. Não acho que magistrados devam fazer cálculos políticos, mas sim analisar a violação da lei. Então no caso do passado, predominou uma lógica política e nesse, acertadamente, uma lógica jurídica.

Quais as consequências dessa condenação para a sociedade?

Adoraria que Bolsonaro tivesse tido uma derrota retumbante, que o eleitor tivesse sido o juiz desse líder político e decidido que não era uma pessoa com virtudes republicanas mínimas para ocupar um cargo. Teria sido melhor e nós ultrapassaríamos a ameaça à democracia brasileira que vivemos por quatro anos. Talvez porque o eleitor se iluda ou tenha uma adversidade ao outro candidato maior ainda, isso não ocorreu e precisou ser julgado por magistrados togados. Infelizmente agora a condenação irá gerar ressentimento e reação negativa, sobretudo dos apoiadores de Bolsonaro ao Judiciário.

O Globo