PF usa veteranos para no caso Marielle

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Foto: Marcelo D.Sants/Ato Press/Agência O Globo

Ao entrar novamente na investigação sobre a morte de Marielle Franco e de Anderson Gomes por ordem do governo Lula, em fevereiro, a Polícia Federal (PF) escalou um time de veteranos policiais conhecedores do submundo do Rio de Janeiro para tentar esclarecer um dos crimes mais marcantes da história contemporânea brasileira.

Boa parte da equipe envolvida no inquérito é do Rio, e alguns deles reencontraram, na investigação do assassinato da parlamentar e de seu motorista, velhos conhecidos de outros crimes e episódios recentes da criminalidade organizada local, ela também impactada pelos desdobramentos do caso.

A formação da equipe de uma dezena de policiais com dedicação exclusiva é reveladora da aposta do governo em tentar esclarecer o crime, ocorrido em março de 2018 e que desde então tem mobilizado – e polarizado – o mundo da política, além de entidades e personalidades de diversas áreas, nacionais e internacionais. A resolução do caso virou “uma questão de honra” para o governo, conforme anunciou o ministro da Justiça, Flávio Dino, em 2 de janeiro, um dia depois da posse de Lula para o terceiro mandato na Presidência.

O ministro chegou a falar em federalização, mas o que acabou sendo colocado em prática foi um modelo de cooperação entre a PF e o Ministério Público do Rio. A jurisdição, portanto, segue no Estado onde a execução ocorreu. Cabe ao juiz Gustavo Kalil, da 4ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do RJ, dar as decisões relacionadas ao caso.

Desde fevereiro, por ordem do próprio Dino, o novo inquérito – que aproveita provas dos anteriores – foi o responsável pelas última novidade: a delação de Élcio Queiroz, motorista do carro usado para realizar o atentado, que culminou na nova prisão do bombeiro Maxwell Simões, o Suel, acusado de envolvimento nas execuções. Trechos do relato de Élcio, que podem inclusive versar sobre mandantes, ainda estão sob sigilo.

Há uma leitura de que a PF busca a delação de Suel ou mesmo do executor dos disparos, Ronnie Lessa, mas nada avançou nesse sentido. Sobretudo em relação a Lessa, personagem visto como improvável para delatar. Em homicídios, quanto mais passa o tempo, mais difícil é reunir novas provas. Por isso a importância da delação. Com as autoridades federais no lugar das estaduais, a desconfiança e a resistência dos acusados podem ser menores.

Se o caso não tiver uma solução, o ônus será todo da PF, logo do governo federal”
— Vinícius George

Leandro Almada, o superintendente da PF no Rio, foi o responsável pela chamada “investigação da investigação” do caso Marielle, iniciada ainda em 2018 e que alimentou as suspeitas de atuação negligente por parte de autoridades fluminenses. Esse trabalho ajudou a embasar o pedido de federalização feito pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que acabou negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em pleno governo de Jair Bolsonaro, a própria família de Marielle, que mantinha boa relação com o MP do Rio, foi contra deixar o crime em mãos federais.

Na PF e fora dela, todos viram a nomeação de Almada como um sinal de que o governo trata a resolução do crime contra a vereadora como prioridade, sendo mais um aspecto da chamada “Agenda Marielle” incorporada pelo Executivo – a irmã da vereadora, Anielle Franco, é ministra da Igualdade Racial.

A nomeação de Almada sofreu resistências do governador Cláudio Castro (PL) e de setores da política do Rio, mas não pelo caso Marielle em si. Motivo: ele é visto como um delegado extremamente autônomo, que pode causar outros problemas para a classe política.

O número dois da PF no Rio, também alvo de queixas, é outro personagem que investigou a banda podre das polícias Militar e Civil no Estado: o delegado Jaime Cândido, que atuou na área de contra-inteligência durante a gestão de José Beltrame na extinta Secretaria de Segurança Pública do Estado. Não é a primeira vez que ele se encontra com os matadores da vereadora como investigador.

O ex-PM Élcio Queiroz, que dirigia o veículo usado para a execução, foi alvo da Operação Guilhotina, realizada pela PF em 2011 e que contou com a atuação de Cândido. Além dele, pelo menos outros 31 policiais – militares e civis – foram atingidos pelos indícios de que trabalhavam para o crime organizado, sejam milícias, as facções do tráfico de drogas ou chefões do bicho.

O chefe de Cândido à época da Operação Guilhotina era o delegado Fábio Galvão, que atualmente ocupa o cargo de coordenador-geral de apoio operacional na diretoria-executiva da PF em Brasília, posto que requer a confiança do atual chefe da instituição, Andrei Rodrigues.

“A única coisa que digo é que todos eles são muito bons”, afirmou Beltrame, referindo-se à dupla no comando da PF no Rio, Almada e Cândido.

Há ainda na equipe policiais federais como Marcelo Pasqualetti, tido como notório conhecedor dos grupos criminosos. Ele tinha tempo suficiente de instituição para se aposentar, mas decidiu voltar para o caso. Outros que integram o grupo são Marlon Lucilio e Carlos Ferrari, também presentes na “investigação da investigação” realizada pela PF entre 2018 e 2019. Pasqualetti, nascido e criado no Rio como Leandro Almada e Jaime Cândido, atuou como oficial de ligação no Gaeco do MP-RJ e investigou personagens do chamado Escritório do Crime, o grupo de matadores que só foi desvendado após a morte de Marielle e Anderson – como viraram suspeitos do assassinato, os pistoleiros acabaram passando por amplo escrutínio dos investigadores.

O coordenador oficial do inquérito Marielle, contudo, destoa um pouco dos demais pela inexperiência no universo criminoso do Rio: é o delegado Guilhermo Catramby, um jovem de perfil técnico, adepto dos programas de computadores e cruzamento de dados, que se notabilizou pela atuação na maior investigação da história da PF contra crimes com criptomoedas – aquela que atingiu o “faraó dos bitcoins”.

“[O caso] está em boas mãos. Eles têm conhecimento do submundo do Rio, dos atores. E gostam desse tipo de investigação. O Jaime, por exemplo, é um cara com coragem e conhecimento para entrar nas estruturas das polícias. Não é qualquer um que vai fazer isso”, afirmou o delegado da Polícia Civil Giniton Lages, o primeiro a atuar na investigação das execuções.

Tudo de mais substancial na investigação, antes da delação de Élcio, surgiu no primeiro ano de investigação, quando a Civil, com Lages e ainda sem trocas de delegado, trabalhou em parceria com as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile.

A investigação no Rio, contudo, passou por uma série de percalços, com plantação de testemunhas e vazamentos. Após a saída de Lages, que lançou um livro sobre o caso, o inquérito teve outros quatro delegados em pouco mais de cinco anos e meio e encontra-se atualmente parado no Ministério Público, que atua agora em parceria com a Polícia Federal. Na prática, cada polícia toca sua própria apuração, com diversas linhas investigativas, sob fiscalização do MP.

Os dois órgãos do Rio foram alvos nesse tempo de inúmeras críticas. Em apuração lateral ligada ao Escritório do Crime, uma sentença do juiz Bruno Rulière que condenou dois irmãos integrantes do bando veio com um comentário negativo sobre a atuação das instituições, com menção à “inefetividade” e aos períodos da investigação transitando entre gavetas das duas instituições.

Procuradas, as instituições não se manifestaram. Para membros da Polícia Civil do Rio, a entrada do governo federal, que chamou para si parte da responsabilidade, tira o peso da corporação. “Se o caso não tiver uma solução, ou se não chegar a um eventual mandante do crime, o ônus será todo da PF, logo do governo federal, que terá que se explicar”, disse ao Valor o delegado Vinícius George, atualmente na corregedoria da Polícia Civil fluminense.

Os integrantes da PF que atuam no caso Marielle não quiseram falar com o Valor. Alegam, como disse Leandro Almada em mensagem enviada à reportagem, que “não têm interesse em nenhum tipo de exposição, nem tangencial ao caso”.

A interlocutores, eles já reclamaram das excessivas declarações de Dino, com direito a anúncio de futuras operações. Falas que jogam holofotes demais sobre os investigadores e exercem ainda mais pressão. Logo, não ajudam. Procurado, o ministro também não quis falar com a reportagem.

Valor Econômico