Rosa Weber votará pelas mulheres sobre aborto

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, pautou no plenário virtual a ação que pode descriminalizar qualquer aborto até a 12ª semana de gestação. A ministra, que é relatora do caso, quer votar a favor da ação antes de sua aposentadoria, que ocorre no início de outubro.

Sua preocupação faz sentido, uma vez que o presidente Lula pode indicar para substitui-la alguém que não esteja alinhado com a posição dela sobre esse tema de saúde pública e de direitos reprodutivos. A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, proposta pelo PSOL, estará sob análise de 22 a 29 de setembro.

A ministra já deixou claro sua avaliação sobre a inconstitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto, na discussão sobre um habeas corpus (HC 124.306).

“A proporcionalidade da escolha política é controversa em face da tutela dos direitos fundamentais da mulher, cabendo interpretação conforme a Constituição para excluir do âmbito de incidência dos artigos 124 a 126 a hipótese de interrupção voluntária da gravidez, por decisão da mulher, no primeiro trimestre”, afirmou ela.

Dada a polêmica que a envolve, o mais provável é que, após o voto de Weber e, eventualmente de outro ministro, um dos membros da corte peça para a ação ser discutida no plenário físico ou peça vistas, retardando o trâmite.

Em uma das audiências públicas convocadas por Weber no Supremo para discutir o tema em 2018, grupos religiosos, contrários à descriminalização do aborto, usaram o argumento de que o tribunal não deveria ser o espaço a decidir isso.

A constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP, discorda.

“É um dos casos mais relevantes em julgamento no STF. Típico caso de corte constitucional, já que os legislativos se acomodam frente a violações de direitos de minorias: sim, mulheres são minoria política. A criminalização do aborto é entulho discriminatório. Pesquisas mostram que o aborto inseguro leva mulheres à morte”, afirma.

Em dezembro de 2020, a Argentina aprovou o direito das mulheres de optarem por um aborto até a 14ª semana de gestação, independentemente do motivo, através de votação na Câmara e no Senado. Já a Colômbia decidiu que nenhuma mulher irá mais para a cadeia se realizar um aborto até a 24ª semana de gestação. Até a decisão da Corte Constitucional, que, em fevereiro de 2021, descriminalizou a interrupção da gravidez, cerca de 400 eram condenadas anualmente.

Enquanto isso, no Brasil, o debate tem sido outro. Por exemplo, a pressão de grupos ultraconservadores tentou evitar o aborto em uma menina de dez anos, grávida após ser constantemente estuprada pelo tio desde os seis, que havia decidido junto com sua família pela interrupção já prevista em lei em 2020. Representantes do governo Jair Bolsonaro foram enviados a São Mateus (ES) para tentar manter a gravidez.

A história é bem conhecida e chocou o país. Em 2020, radicais cercaram o hospital em que a menina realizaria o procedimento, ameaçando-a de morte, bem como os médicos e profissionais de saúde envolvidos. Nas redes sociais, sugeriram que ela tinha aceitado o sexo com o tio.

Defensores do direito ao aborto afirmam que isso não é equivalente a defender que toda gestação deva ser interrompida. E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção.

Há uma questão pragmática, de saúde pública: abortos vão acontecer diante do desespero de uma menina ou de uma mulher. Quer os contrários, políticos, religiosos, cidadãos comuns, concordem ou não. Ou seja, para além do debate religioso, legal e filosófico, essa é uma questão de redução de danos.

O tema vem sendo usado pelos ultraconservadores para atiçar seguidores e engajá-los politicamente, daí a dificuldade de um debate racional sobre o assunto.

Pesquisas usadas por organizações que defendem o aborto seguro apontam que a maioria das interrupções acontece até a 12ª semana nos locais onde é descriminalizado. Sim, o aborto é mais tardio em locais onde é proibido ou parcialmente liberado, como no Brasil, exatamente pelo medo e pela falta de condições, colocando em risco a vida das mulheres.

Garantir que o Estado reconheça o direito ao aborto seguro evita milhares de mortes por procedimentos clandestinos ou realizados de forma precária. A Colômbia, a Argentina, o México, o Uruguai, entre tantos outros países, perceberam isso. O Brasil ainda não. Ou percebeu e não se importa.

Enquanto a questão não é resolvida no Brasil, o aborto segue “livre” para quem conta com recursos financeiros para ter acesso a clínicas seguras, ou seja, a classe alta e a média alta, enquanto a maioria da população acaba sofrendo as consequências da clandestinidade.

Nos casos autorizados por lei, brasileiras que recorrem à interrupção da gravidez enfrentam os mais diversos tipos de violência. Há médicos que recusam atende-las até em processo de abortamento espontâneo. Servidores públicos chamam a polícia alegando que elas cometeram crime. Isso sem falar do calvário de ter que viajar muitos quilômetros para encontrar um serviço público que possa acolhê-las, pois há médicos e hospitais que se negam a cumprir a lei.

Enquanto isso, as bancadas religiosas no Congresso Nacional, em Assembleias Estaduais e Distrital e nas Câmaras Municipais têm atuado em nome de projetos que são retrocessos à dignidade. Como os que buscam criminalizar a orientação sobre o aborto legal. Ou as campanhas para reduzir a previsão de aborto legal, permitido no Brasil em três situações: estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia.

Em pesquisa Datafolha, de julho deste ano, 44% afirmam que a mulher tem direito de decidir sobre o aborto, enquanto 52% se mostram contrários.

Contudo, a pergunta para entender a proposta que agora será discutida pelo Supremo deveria ser outra: você é a favor que a sua filha/irmã/mãe passe anos na cadeia por ter realizado um aborto até a 12ª semana de gestação?

Uol