MPF estuda pedir afastamento do presidente da Funai

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Foto: FUNAI/ASCOM

RIO – Em seu segundo ano de mandato à frente da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) – que trata especificamente de populações indígenas e comunidades tradicionais -, o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha se diz perplexo com a condução de Marcelo Augusto Xavier da Silva no comando da Fundação Nacional do Índio (Funai) e afirma jamais ter visto, em 27 anos de PGR, uma administração da autarquia como a atual. Ele afirma que Xavier ignora as recomendações do MPF e não responde aos pedidos de audiência para tratar de decisões que têm colocado os direitos dos índios em xeque.

Há três semanas, o MPF espera, sem sucesso, as justificativas sobre o motivo de a autarquia proibir os deslocamentos de servidores para dar assistência a Terras Indígenas (TIs) não homologadas. Em ofício assinado junto com a Defensoria Pública da União (DPU), os órgãos pedem a “imediata” anulação da diretriz sob pena de responsabilização civil, criminal e administrativa. A Funai ignorou.

– Ele não aceita falar comigo. Já pedi audiência para ele aqui na PGR, ele não veio e não disse nem que viria, nem que não viria. Já pedi reunião lá na sede da Funai, também não respondeu. A assessoria dele também não responde. Nunca vi isso – afirma Bigonha.

Em entrevista ao GLOBO, Bigonha afirma que o presidente da Funai fere os direitos dos indígenas garantidos na Constituição e incorre em ato flagrante de improbidade administrativa, o que pode levá-lo ao afastamento da presidência e à responsabilização cível e criminal. Ele também pretende ir ao ministro da Justiça, Sergio Moro, uma vez que Funai é subordinada à pasta.

O MPF deu cinco dias para Funai se manifestar sobre a restrição a viagens de servidores que dão assistência a indígenas. Qual foi a justificativa?Ela não foi atendida, não houve nenhum contato da Funai, que não nos retornou. Nós então reiteramos a recomendação mais uma vez, mas até agora nada.

O que diz a recomendação?
Chama a atenção da Funai para o desrespeito aos direitos constitucionais dos indígenas e pede garantia da prestação de serviços aos povos indígenas, independentemente de estarem em terras com o processo de demarcação concluído.

Como o MPF vê essa relação com a Funai?
Eu não estou entendendo o presidente da Funai, que é uma autarquia indigenista. Logo, a missão da Funai já limita completamente a discricionariedade do seu presidente. Ele tem que trabalhar em defesa dos interesses dos indígenas, isso está na lei de improbidade administrativa. A lei diz que o servidor público tem que ter compromisso e ser leal às instituições, lealdade à instituição é ter uma agenda convergente com o escopo da instituição.

E ele fere a lei?
Não é comum uma autarquia indigenista ter que ser exortada a cuidar dos interesses dos indígenas. O presidente da Funai tem que perceber, e ele não é um leigo porque é um delegado de polícia federal, que não se pode desviar da finalidade da instituição sob pena de incorrer em improbidade administrativa, no mínimo.

Na sua opinião, qual a dificuldade da atual administração da Funai?
O administrador no início de governo tem que ter muito equilíbrio para ter sempre claro que ele é um servidor público, que ele não está ali para realizar sua ideologia. E eu vejo na Funai hoje uma forte tendência ideológica contra o indígena. Nem nós aqui no MP somos pagos para fazer ideologia, e nem lá na Funai eles são pagos para fazer ideologia. Eles são pagos para cumprir a lei e a Constituição.

A relação entre MPF e Funai sempre foi tensa? O que acontece agora é sem precedentes. É preciso fazer justiça ao militares, eles sempre tiveram uma atuação pró-indígena, até equivocada às vezes, mas pró-indígena. Eu nunca vi uma coisa dessas, sem precedente no Brasil e no mundo, um presidente de uma autarquia indigenista que não gosta de índio. É a primeira vez, isso é inédito. Não gosta da matéria indígena, não gosta das pretensões indígenas e acha que o índio tem que ser enquadrado. Isso é um equívoco.

O MPF tem procurado o Ministério da Justiça ao qual a Funai é vinculada? O Ministério da Justiça tem interlocutores da melhor qualidade. Entendem perfeitamente o risco que está se abatendo sobre a causa indígena no Brasil. Tem nos prestado apoio, o ministro Moro já assinou duas portarias para proteger os índios, o Exército tem nos ajudado com os ianomâmis na região de garimpo, porém, paradoxalmente, a entidade vinculada está completamente distanciada.

E se a Funai não responder à recomendação?
Nós não estabelecemos uma estratégia ainda, pois, se eu falar de uma estratégia, estaria falando de um fato que ainda não se concretizou e a Funai ainda pode responder à recomendação. Mas eu acho muito ruim para o presidente da Funai. Nós podemos fazer uma medida judicial para o afastamento dele. E a responsabilização é cível e criminal. Ele é delegado de polícia e sabe que isso é ruim demais, isso é um problema para vida inteira. Por isso eu tenho adotado uma postura muito cautelosa, eu tenho respeito a ele, respeito institucional, porque, uma vez dado esse passo, é irreversível.

O senhor acredita que exista um discurso oficial do governo anti-indígena?
Discurso não é contestação de ação de improbidade administrativa. Discurso não é contestação de ação penal, discurso é ideologia. Essa postura ideológica da Funai é completamente incompatível com o estado democrático de direito. Ele (presidente) tem que cumprir a Constituição e a lei. Você não pode interpretar a lei para revogá-la, esse papel é do legislador. Eu peço a Deus que ele tenha juízo, que ele faça as coisas dentro daquilo que a lei e a Constituição determinam. Porque fora desse caminho, o futuro dele é muito incerto.

O MPF pensa em reclamar ao Ministério da Justiça?
Nosso próximo passo será esse. A partir do momento em que houver resistência em cumprir nossa recomendação, a primeira medida que eu devo tomar é dar ciência ao ministro da Justiça Sergio Moro para que ele tome as providências hierárquicas.

Como o MPF está vendo os recentes ataques aos indígenas no país?
Está monitorado e agindo por mediação em todos os conflitos, seja na base ou em Brasília, aqui na sede da PGR. Nós tivemos uma missão que foi para Arariboia (local de mortes no Maranhão) com antropólogo, com a Polícia Federal e Exército para fazer a constatação dos ataques e das mortes. Temos trabalhado muito também na área ianomâmi por causa da questão do garimpo.

Os indígenas podem ser considerados um entrave para o progresso?
Muito pelo contrário. Os indígenas são grandes fiscais, ele estão sempre nos alertando, como se houvesse um trabalho voluntário importantíssimo tanto do ponto de vista da gestão patrimonial, porque são terras da União, tomando conta do que é nosso, quanto da fiscalização ambiental. Sem eles, estaria tudo pior.