Inexorável controle social da mídia
Publicado, originalmente, em 21 de novembro de 2010 às 10:42
A discussão sobre um marco regulatório para a mídia será em clima de entendimento ou de enfrentamento; não adiantará tentar interditar este debate. Foi mais ou menos o que disse, recentemente, Franklin Martins. Entendido como ameaça, o pensamento desencadeou uma onda destemperada de “reações” dos quatro grandes conglomerados de comunicação (Abril, Estado, Folha e Globo).
As “reações” foram do único tipo que essas organizações oligopolistas sabem empreender, através da massificação de críticas, criação de factóides e supressão do contraditório.
Enem, processo da ditadura contra Dilma Rousseff, caso Celso Daniel foram alguns dos factóides criados por essas organizações midiáticas para tentarem intimidar o novo governo. Foi como se dissessem à futura presidente: “Veja bem o que você terá que enfrentar em seu governo se insistir na discussão do papel da mídia e em limites a ela”.
A mídia é conservadora justamente nesse sentido. Enganam-se os que a julgam ideológica. A indisposição principal contra um governo que permitiu aos mais ricos ganharem muito mais do que ganhavam com a direita tucano-pefelê no poder reside na desconfiança de que por aqui se fará o que se faz hoje em países como Argentina, Estados Unidos e Venezuela, só para exemplificar.
O grande temor das famílias Marinho, Frias, Civita e Mesquita é o de que o Brasil faça o mesmo que todas as grandes democracias da contemporaneidade fazem e, assim, impeça a nefasta “propriedade cruzada”, ou seja, que uma família, por exemplo, detenha a propriedade, simultaneamente, de rádios, televisões, jornais, revistas e portais de internet.
Seja através do Federal Communication Comission (FCC), o órgão regulador da mídia nos Estados Unidos, ou da Ley de Medios argentina, nenhuma nação admite mais que uma família, uma pessoa ou um grupo empresarial controlem todas as modalidades de mídia. Com o avanço tecnológico das comunicações, esse é um poder que pode se tornar maior do que o poder de Estado.
Na Argentina, por exemplo, o grupo Clarín terá que se desfazer de alguns de seus tentáculos – seja no rádio, na tevê, na imprensa escrita ou na internet – para preservar outros. Exatamente como nos países industrializados.
Eis aí um problema que, ironicamente, pode trazer as famílias midiáticas supracitadas para o debate sobre o controle social da mídia. Por incrível que pareça. Muitos, entretanto, irão se surpreender com esta afirmação. A mídia querendo impor limites à mídia? Como? Quando? Onde? Por que?
É simples: as empresas de telefonia – as ditas “teles” – vêm aí querendo produzir conteúdo. Vêm montadas em faturamentos dez, vinte vezes maiores do que os dessas famílias que viram baixar drasticamente o nível dos rios de dinheiro que o Estado canalizava para elas até a era FHC – recursos públicos que passaram a ser divididos com milhares de veículos de menor porte.
As famílias midiáticas, agora, estão prestes a bater às portas do Estado, do Legislativo e até da Justiça para pedirem, justamente, regulação, intimidadas pelas mega corporações que ameaçam disputar mercado consigo. Contudo, estão querendo barrar o avanço de empresas transnacionais poderosíssimas, detentoras de argumento$ difíceis de ser rebatidos.
Eis, aí, a discussão de limites e controles da comunicação de massas que o velho oligopólio midiático já começa a pedir. E o governo Dilma terá como fazer escolhas que poderão ter conseqüências desastrosas para os oligopólios midiáticos tradicionais. A estratégia da intimidação pode se tornar um tiro no pé das famílias midiáticas.
Por outro lado, existem amplos setores da sociedade civil que também têm anseios sobre controle social da mídia. Muitos desses setores, porém, não entendem bem o conceito de liberdade de imprensa.
O signatário deste blog participou da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) em dezembro do ano passado, na condição de delegado por São Paulo, e bem sabe que entre os setores que participaram dos debates havia empresários e até movimentos sociais sensatos e realistas, mas também havia gente cogitando fechar um jornal ou uma tevê que contrariassem interesses sectários.
No entender deste blog, o controle social da mídia deve ter pilares de sustentação como vedação absoluta à propriedade cruzada, direito de resposta, distribuição de verbas públicas e juizados especiais para decidir sobre punições a calúnias de meios de comunicação de forma a agilizar esse tipo de julgamento, pois quando demora a ocorrer o prejuízo ao atingido torna-se irreversível independentemente da decisão judicial.
O direito de resposta, aliás, talvez devesse liderar as preocupações da sociedade civil no que concerne ao controle social da mídia. Boa parte dos grupos empresariais que dominam a comunicação de massas no Brasil pratica, abertamente, censura a opiniões divergentes, manipulando o debate através da supressão do direito de manifestação dos contrários.
Tente alguém publicar na revista Veja uma carta de leitor em que discorde da linha editorial da revista e entenderá do que se está falando. Não é por outra razão que o lema do Movimento dos Sem Mídia é “Que a mídia fale, mas não nos cale”. Ou seja: não se quer impedir que a mídia diga o que pensa, mas exige-se que permita o contraditório sem manipulações.
A discussão do papel da mídia e de limites ao seu poder, assim como diz o ministro Franklin Martins, é uma realidade da qual nenhum dos lados poderá fugir nos próximos anos. Esse debate, aliás, contará com o apoio parcial até das famílias midiáticas, apesar de que elas ainda nutrem a ilusão de que poderão discutir só o que lhes interessa.