Estadão, que apoiou o golpe, lamenta fracasso da cria Bolsonaro em Davos

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Num vexame sem precedente, o presidente Jair Bolsonaro evitou a imprensa em Davos, cancelando uma entrevista e deixando jornalistas e cinegrafistas brasileiros e estrangeiros à sua espera numa sala do Fórum Econômico Mundial. Quinze minutos antes do evento, marcado para as 16 horas, plaquinhas com os nomes do presidente e dos ministros Paulo Guedes, Sergio Moro e Ernesto Araújo estavam sobre a mesa destinada aos entrevistados. Pouco antes das 16 horas já se sabia da desistência de Bolsonaro.

Jornalistas de plantão no hotel do presidente passaram aos colegas a confirmação do cancelamento e a explicação: Bolsonaro havia desistido de aparecer por causa da “abordagem antiprofissional da imprensa”. A justificativa foi dada, no hotel, por um assessor presidencial. Às 16h15, o Fórum cancelou oficialmente o encontro.

Logo correu entre os jornalistas credenciados em Davos outra explicação para a inusitada atitude de Jair Bolsonaro: a entrevista foi cancelada porque o novo presidente brasileiro é incapaz de se comportar como um chefe de governo, ou, em termos mais simples, como uma figura pública preparada para exercer esse papel.

Bolsonaro, a menos que surja outra interpretação plausível para sua atitude, foi incapaz de aguentar a tensão em seu primeiro teste internacional. O teste havia começado no dia anterior, quando ele foi cautelosamente conciso ao discursar numa sessão do Fórum.

Passou pela prova sem brilho, mas também sem desastre. Conseguiu transmitir com firmeza uma parte importante de sua mensagem: o compromisso de criar no Brasil um ambiente favorável aos negócios, com menor tributação, maior segurança jurídica e regras menos complicadas. Mas desapontou quem esperava uma exposição mais clara dos planos, com indicação, por exemplo, das etapas de ajuste fiscal e dos passos para dinamização da economia.

Deixou, com essa apresentação, uma impressão mista – de cautela num terreno desconhecido, mas também de preparo insuficiente para a prova. No Fórum Econômico Mundial, apresentações de governantes, em sessões especiais, seguem geralmente um ritual.

Depois de um discurso de até 30 minutos, o convidado responde a perguntas formuladas pelo fundador e presidente da instituição, o professor Klaus Schwab. O discurso durou 6 minutos, num prodígio de concisão para quem pretende anunciar os planos de um novo governo. Em seguida, houve respostas quase telegráficas às perguntas do anfitrião. Schwab pareceu encerrar a entrevista principalmente por desalento, concluindo em 15 minutos um evento programado para meia hora.

Bolsonaro acertou ao falar sobre a criação de condições mais favoráveis aos negócios. O Brasil se destaca negativamente, nas comparações internacionais, pelo ambiente ruim para a vida empresarial. As queixas normalmente acentuam o peso da tributação, a complicação do sistema tributário, a insegurança legal e cipoal de regras burocráticas.

Tem havido melhoras em alguns pontos, com a redução, por exemplo, do tempo necessário para abrir ou fechar uma empresa ou dos procedimentos para importar ou exportar. Mas é preciso ir muito mais longe e o governo dará um bom sinal aos investidores se entrar de forma decidida por esse caminho.

O recado seria muito mais interessante se adiantasse, por exemplo, informações sobre como o governo poderá reativar os investimentos em infraestrutura, indicando a participação esperada do capital privado.

Vários ministros mexeram no discurso. Produziram um mexidão com ideologia e insuficiência de informação relevante. Foi mais uma versão requentada de um discurso eleitoral. Mesmo os frequentadores mais conservadores de Davos devem estar pouco interessados na restauração dos valores da família brasileira.

Os menos pacientes devem ter achado patética a afirmação sobre como foi escolhida a equipe de governo. “Pela primeira vez no Brasil”, disse Bolsonaro, “um presidente montou uma equipe de ministros qualificados.”

Ele ainda tentaria, em vários encontros e com a entrevista marcada meio de improviso, transmitir ideias mais claras e falar com maior pragmatismo. Mas o cancelamento da entrevista comprovou suas más condições para o exercício de uma função física e psicologicamente exigente como a que acaba de assumir.

Do Estadão