Kassab aumentou IPTU em até 357% e Fiesp não deu um pio

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Uma das grandes tragédias nacionais é a nossa amnésia crônica, coletiva e seletiva. A celeuma de escancarada – e “skafiana” – motivação político-eleitoral levantada pela Fiesp contra a adequação das alíquotas do IPTU tentada pela prefeitura paulistana – e barrada pelo STF – só venceu por conta desse fenômeno.

Não fosse assim, São Paulo se lembraria de que o antecessor do prefeito Fernando Haddad majorou muito mais o imposto e nem a Fiesp, nem o STF e nem o PSDB deram um pio. Até a mídia, sempre resistente à cobrança de impostos, resmungou um pouco e se calou rapidinho.

Para confirmar o fato, basta pesquisar os arquivos dos jornais. O da Folha de São Paulo, por exemplo, contém pérolas como reportagem de 14 de outubro de 2009 que mostra que, tal qual Fernando Haddad, seu antecessor, Gilberto Kassab, promoveu uma adequação tributária do IPTU em seu primeiro ano de governo.

Só que muito mais radical que a do sucessor. E o que é pior: sem os seus méritos.

Apesar do enorme aumento do IPTU que o então queridinho da mídia paulista se preparava para tascar no lombo dos paulistanos, a matéria comunicando a paulada nos munícipes foi sóbria, sem grandiloquência ou virulência como nas matérias disparadas contra Haddad.

Abaixo, a matéria

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FOLHA DE SÃO PAULO

14 de outubro de 2009

Prefeitura planeja revisão geral do IPTU

Objetivo é rever imposto de acordo com a valorização imobiliária de cada região; dados preliminares apontam para reajuste de até 357%

A última revisão geral do valor de mercado dos imóveis foi feita em 2001; novo valor do imposto deve passar a valer em 2011

EVANDRO SPINELLI

MARIANA BARROS

DA REPORTAGEM LOCAL

A gestão Gilberto Kassab (DEM) já iniciou estudos para aumentar o IPTU na cidade de São Paulo de acordo com a valorização imobiliária de cada região nos últimos oito anos.

Dados obtidos pela Folha apontam para um aumento de até 357% -caso da rua Barão de Ladário, no Brás, beneficiada pela revitalização do largo da Concórdia e pelo fortalecimento do comércio no centro.

O estudo, comandado pela comissão de valores imobiliários da Secretaria Municipal de Finanças, já foi realizado para áreas como Higienópolis, Pacaembu, Barra Funda, Limão, Vila Maria e Santana.

A Folha apurou que o próprio Kassab defende a revisão do imposto. Diz que ela é justa considerando a valorização imobiliária de vários bairros, principalmente aqueles onde foram construídos shoppings ou estações de metrô.

Ele acredita também que algumas áreas terão redução do imposto, porque o valor de mercado dos imóveis se desvalorizou no período. A comissão começou o trabalho pelas áreas que tiveram valorização.

O prefeito só não definiu quando encaminhará o projeto ao Legislativo, pois teme a repercussão negativa que a medida pode causar -2010 é ano eleitoral, no qual ele apoiará o governador José Serra (PSDB).

O mais provável é que o projeto seja encaminhado para análise dos vereadores entre outubro e novembro de 2010, depois das eleições, para valer a partir do ano seguinte.

Em 2006, Kassab já tentou mudar o IPTU, mas acabou recuando. Na época, prometeu não mexer no IPTU até o fim daquele mandato (2008).

A última revisão geral do valor de mercado dos imóveis foi feita em 2001, primeiro ano da gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT). De lá para cá, os valores sofreram apenas a correção da inflação do período.

Áreas próximas à marginal Tietê, onde as inundações deixaram de ser frequentes, também se valorizaram, segundo a comissão, em até 307% -casos da Vila Maria e do Tatuapé.

Na região da Vilaboim, em Higienópolis (centro), o reajuste deverá ser de 46,35%.

Luiz Paulo Pompéia, da comissão de valores imobiliários e diretor da Embraesp, empresa especializada em avaliações de patrimônio, estima que a planta genérica esteja defasada em até 30%. Com a revisão, a prefeitura pode arrecadar até R$ 1 bilhão a mais por ano -hoje, a receita é de R$ 3,1 bilhões.

Segundo ele, nas regiões mais verticalizadas a defasagem é maior, e áreas vizinhas a favelas e vulneráveis a enchentes se desvalorizaram.

Eduardo Della Manna, diretor de legislação urbana do Secovi (sindicato das imobiliárias), defende a revisão do IPTU a cada três anos, para manter o valor da planta genérica condizente com o de mercado.

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A iniciativa de Kassab, porém, não tinha os mesmos méritos da de seu sucessor. Kassab majorou com gosto o IPTU, mas sem promover justiça tributária como tentou fazer Haddad. Aumentou as alíquotas de forma praticamente linear – com poucas exceções.

Outra matéria da Folha de São Paulo, agora de 22 de novembro de 2009, foi mais condescendente com o aumento do imposto promovido por Kassab, evitando citar casos mais extremos. Ainda assim, deixou ver que o aumento médio promovido por ele foi muito maior do que o de Haddad e não fez justiça tributária. Pelo contrário, aumentou mais o imposto nas regiões mais pobres.

Abaixo, a matéria

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FOLHA DE SÃO PAULO

22 de novembro de 2009

Kassab anuncia aumento de até 60% no IPTU; 1,7 milhão de imóveis será afetado

EVANDRO SPINELLI

DA REPORTAGEM LOCAL

A semana dos paulistanos foi marcada pela notícia de que o prefeito Gilberto Kassab (DEM) quer aumentar em até 60% o valor do IPTU na cidade.

Dos 2,8 milhões de imóveis da capital, 1,7 milhão terá aumento. Outros 86 mil pagarão menos. Imóveis residenciais terão no máximo 40% de aumento, diz o projeto. O teto de 60% valerá para os demais.

O projeto foi enviado à Câmara Municipal na terça-feira passada e precisa ser aprovado até o fim deste ano para ter validade já a partir de 2010. Os vereadores podem mudar o projeto, mas Kassab deve fazer prevalecer sua maioria na Casa para aprovar o texto no prazo.

Com a mudança, a prefeitura deve arrecadar R$ 744 milhões a mais de IPTU no ano que vem. A Folha antecipou no mês passado que Kassab pretendia aumentar o imposto.

Para reajustar o IPTU, o democrata determinou a revisão da planta genérica, que estabelece o valor de mercado do metro quadrado de terreno em todas as ruas. A última revisão havia sido feita em 2001, na gestão Marta Suplicy (PT).

A análise da nova planta genérica apontou para a prefeitura que certos imóveis da cracolândia -área no centro da cidade onde viciados usam drogas nas ruas em plena luz do dia- tiveram valorização maior que os das avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima, dois símbolos paulistanos.

A revisão vai ter mais impacto na periferia que em áreas nobres. O metro quadrado na rua Lagoa da Tocha, no Grajaú (extremo sul), por exemplo, será aumentado em até 690%. Na av. Lavandisca, em Moema, o maior aumento será de 53%.

A prefeitura diz que não há erro nos cálculos e que a planta genérica reflete a valorização dos imóveis ocasionada pelos investimentos públicos e pelo próprio aquecimento do mercado imobiliário.

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Pior mesmo, porém, foi o uso que Kassab destinou aos recursos. Mais uma vez, recorro à Folha de São Paulo. Matéria de 8 de dezembro de 2009 mostra que parte do aumento que o paulistano pagaria no ano eleitoral de 2010 seria destinada a publicidade que favoreceria o padrinho de Kassab, José Serra, pois trataria de suas “realizações” antes de deixar a prefeitura.

Abaixo, a matéria.

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FOLHA DE SÃO PAULO

8 de dezembro de 2010

Kassab gastará parte do IPTU extra com propaganda

Base governista aumenta previsão de gasto com publicidade de R$ 105 milhões para R$ 126 milhões para o próximo ano

Valor da nova proposta é recorde e cresceu numa proporção bem maior do que o bolo geral do Orçamento do ano que vem

MARIANA BARROS

DA REPORTAGEM LOCAL

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), vai usar parte do dinheiro extra obtido com o aumento do IPTU no ano que vem para turbinar seus gastos com propaganda.

A base de apoio do prefeito na Câmara Municipal, com o relator Milton Leite (DEM) à frente, já redefiniu o Orçamento de 2010, contando agora com os mais de R$ 600 milhões de arrecadação extra por causa do aumento do imposto.

O valor que constava no Orçamento original para propaganda em 2010, R$ 105 milhões -uma quantia recorde no que se refere a gastos em publicidade em SP-, foi aumentando agora para R$ 126 milhões.

Os gastos da prefeitura com propaganda já vêm numa escalada neste ano. A previsão inicial era gastar R$ 31 milhões, mas Kassab aumentou a verba da área e deve desembolsar até o fim do ano R$ 90 milhões.

A Câmara quer aprovar hoje, em primeira votação, a proposta de Orçamento de 2010, cujo valor total passou de R$ 28,1 bilhões para R$ 28,8 bilhões com a inclusão das receitas extras.

Para a base aliada, os gastos com propaganda – que aumentaram numa proporção bem maior do que o bolo geral do Orçamento- são necessários para fazer campanhas que informem a população, como as de combate à dengue ou as de alertas contra enchentes.

[…]

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A matéria da Folha de São Paulo a seguir mostra que Haddad, além de propor aumento menor do IPTU que o de Kassab, ainda tentou fazer justiça tributária elevando o patamar de isenção e promovendo os maiores aumentos em 45%, enquanto que os do antecessor chegaram a 60%. E isso sem contar os aumentos desproporcionais em regiões pobres que o ex-prefeito praticou.

Abaixo, a matéria

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FOLHA DE SÃO PAULO

2 de outubro de 2013

Reajuste do IPTU poderá chegar a até 45% no ano que vem

Teto fixado por Haddad valerá para comércio ou indústria; para imóveis residenciais, aumento máximo será de 30%

Alta da cobrança está incluída no Orçamento enviado à Câmara, que prevê arrecadação 24% maior com imposto

DE SÃO PAULO

O reajuste do IPTU na cidade de São Paulo poderá chegar no ano que vem a até 30% para os imóveis residenciais e 45% para outros tipos, como comércio ou indústria.

Essas serão as “travas” do reajuste do imposto –percentual máximo de aumento para cada contribuinte.

As informações foram divulgadas ontem pela gestão Fernando Haddad (PT), que detalhou os cálculos de sua estimativa de aumentar em 24% a arrecadação do imposto em 2014, conforme previsto na proposta de Orçamento enviada por ele à Câmara.

O aumento médio para os imóveis residenciais será de 18%, mas a maioria dos contribuintes terá aumento de 20% a 30% nos valores.

O reajuste ficará bem acima da inflação dos últimos 12 meses –de 6%, pelo IPCA.

Outros 2% de imóveis que são isentos do imposto passarão a ter que pagá-lo, e 8% dos contribuintes terão redução no valor cobrado.

Todas as mudanças devem ocorrer devido à revisão da Planta Genérica de Valores, que define a valorização do m² na cidade. Esse preço é usado para calcular os valores venais dos imóveis, que são a base do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Segundo a prefeitura, os valores oficiais estão “bastantes defasados” porque a última atualização ocorreu em 2009, e, desde então, houve valorização imobiliária sem a devida revisão.

Segundo a gestão, os valores oficiais representam, hoje, cerca de 30% dos valores praticados pelo mercado. Em alguns bairros, os preços mais que dobraram nos últimos quatro anos.

MECANISMOS

Para evitar que toda a valorização seja repassada ao imposto, Haddad diz planejar três mecanismos.

O primeiro é a trava. O segundo é a redução da alíquota de cálculo do imposto. Por exemplo, a faixa de imóveis que hoje tem IPTU calculado em 0,8% do valor venal passará a ter alíquota de 0,7%.

O terceiro é atualizar os mecanismos de descontos.

Atualmente, são isentos os imóveis com valor venal de até R$ 97,6 mil e existe um desconto fixo de R$ 39 mil (no cálculo do imposto) para aqueles com valor venal entre R$ 97,6 mil e 195,2 mil.

A ideia é que a faixa de isenção passe para R$ 160 mil e que sejam aplicados descontos variáveis para imóveis com valor até R$ 320 mil.

Os descontos serão menores à medida que aumentar os valores dos imóveis. O objetivo, segundo a prefeitura, “é evitar distorções entre imóveis de valores semelhantes”.

Todos os dados são projeções da equipe de finanças de Haddad, já que as mudanças precisam ser encaminhadas e aprovadas pela Câmara.

O projeto será protocolado nos próximos dias. O petista espera aprovação até o fim do ano. Apesar de ter maioria, ele pode enfrentar dificuldades. Os vereadores reclamam de ter poucos meses para aprovar grandes projetos do Executivo, como o Plano Diretor, o Orçamento e o Plano Plurianual.

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Pergunta: onde estava a Fiesp quando Kassab aumentou muito mais o IPTU? Por que não entrou com ação na Justiça, como fez agora com Haddad?

A explicação é razoavelmente simples. Além de, àquela época, a Fiesp não estar preparando uma disputa eleitoral de um de seus quadros, Kassab não propôs distribuição de renda, que, para os grandes empresários paulistas, é sempre um palavrão.

Em entrevista recente concedida à Rádio Estado, o prefeito Fernando Haddad revelou que os moradores da periferia iriam pagar menos com a sua reforma do IPTU – 25 distritos iriam pagar menos do que em 2013 e 23 iriam pagar abaixo da inflação acumulada neste ano, ou seja, mais da metade da cidade iria pagar menos IPTU ou teria reajuste bem abaixo da inflação.

Por que, então, a mídia fala em “aumento do IPTU” quando, na verdade, mais da metade dos paulistanos vai pagar menos imposto? Não fica parecendo que só quem conta são os ricos? Pobre pagar menos imposto não entra no noticiário. A maioria dos paulistanos pagar menos imposto não conta. Só o que conta é o incômodo aos mais ricos.

Segundo pesquisa do instituto Datafolha divulgada recentemente, 89% dos paulistanos são contrários à reforma da cobrança do IPTU tentada por Haddad. Como essa reforma beneficiaria mais de 50% deles, isso quer dizer que esses beneficiados não sabem disso.

Recentemente, blogueiros entrevistaram Haddad. Nessa entrevista, criticaram sua política de comunicação. A falta de uma ampla campanha publicitária da prefeitura de São Paulo para informar aos paulistanos de que a maioria deles seria beneficiada pelo novo IPTU dá razão a tais críticas… É ou não é?