Barões da mídia querem pairar acima das leis

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A quem você daria o direito de pairar acima das leis em nome da profissão que exerce? A padres, médicos, jornalistas…? Acima dessa, eis a grande questão: é legal, moral e racional dar a um segmento profissional ou social ou ideológico ou religioso o direito de não cumprir leis que valem para todo o resto da sociedade sem que tal privilégio sequer conste da lei?

Acredite ou não, leitor, alguns dos que exploram a baratíssima mão-de-obra jornalística em um mercado oligopolizado pretendem que seus empregados não se submetam a leis que valem para todos os que não integram tal categoria. Repito: apesar de o objeto dessa prevalência ser o jornalista, quem quer colocá-lo acima das leis são os que exploram o seu trabalho.

Claro que esse poder que grandes empregadores do jornalismo pretendem que seja dado aos seus empregados não inclui desafiarem os patrões. Quando estão fora da área de influência desse grupelho de empresas familiares que exploram a comunicação no país os jornalistas vêem-se ignorados, isso quando não lhes roubam matérias que publicam na internet usando-as sem lhes dar o crédito.

Matéria da Folha de São Paulo desta quinta-feira 30 de junho revela comportamento espantoso da imprensa e faz uma denúncia que não pretendeu fazer. Peço ao leitor que examine o texto cuidadosamente e veja se capta, sem maior explicação, não só o absurdo da pretensão dos barões da mídia de pairarem acima da lei, mas outra ação ilegal de um jornalista ali relatada.

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FOLHA DE SÃO PAULO

30 de junho de 2011

PF acusa repórter de publicar dado sigiloso

Segundo procurador, jornalista prejudicou investigação ao divulgar informações preservadas por segredo de Justiça

Repórter se negou a revelar fonte de dados e foi indiciado; entidades de imprensa como a ANJ repudiaram o episódio

NATÁLIA CANCIAN
DE SÃO PAULO

A Polícia Federal indiciou um jornalista de São José do Rio Preto (SP) sob suspeita de divulgar informações preservadas por segredo de Justiça.

Allan de Abreu, repórter do “Diário da Região”, foi indiciado após publicar duas reportagens com dados obtidos por meio de escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Tamburutaca.
A operação investiga um esquema de corrupção de fiscais do Ministério do Trabalho suspeitos de exigir propina para livrar empresários de multas trabalhistas.

Segundo o repórter, no dia seguinte à primeira publicação, o procurador da República Álvaro Stipp o chamou e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Abreu diz que se negou a revelar a fonte, apesar da insistência do procurador.

Após uma segunda reportagem, o procurador pediu abertura de inquérito para investigar o vazamento das informações e solicitou o indiciamento do jornalista.

Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime “quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial”.

“Pegou de surpresa”, disse Allan de Abreu: “Essa prática [de divulgar informações sob segredo de Justiça] eu já fiz antes em duas ocasiões e nunca aconteceu nada. E não lembro de ter acontecido com alguém. Jamais esperava isso, sobretudo de um procurador, a quem cabe zelar para liberdade de imprensa”.

Stipp diz que a lei vale para qualquer pessoa que divulgar a informação e que o repórter não tem “imunidade” por ser jornalista. “Em uma democracia, temos que respeitar as instituições. Se o Judiciário diz que está em sigilo de Justiça, está em sigilo de Justiça e ponto.”

Ele afirma que também pediu o indiciamento do editor-chefe do “Diário da Região”. Segundo o procurador, a divulgação prejudicou as investigações: uma das pessoas citadas nas escutas divulgadas, e que poderia servir como testemunha, sumiu.

Stipp diz que não é contra o repórter ter tido acesso aos dados, mas por ter divulgado uma parte do processo.

O delegado da PF José Eduardo Pereira de Paula diz que só indiciou o repórter por ordem do procurador. “Estou dentro de um sistema. Não é minha vontade que prevalece”. O repórter responderá formalmente pelo caso e pode ser denunciado à Justiça.

Se for aberto processo contra ele, pode ser multado e condenado a até quatro anos de reclusão. Abreu pediu liminar para anular o indiciamento. A Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Imprensa repudiaram o seu indiciamento.

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Esse embate dos barões da mídia (as famílias donas de Globo, Folha, Veja e Estadão) com a Justiça já vem de longe. Antes desse, o último caso foi o da “censura” que o Estadão anuncia todo dia que está sofrendo porque foi proibido por essa mesma Justiça de divulgar dados de investigação sigilosa envolvendo o filho de José Sarney.

O fato é que a lei diz que não se pode divulgar detalhes de certas investigações até para não atrapalhar seu curso, como fica expresso na reportagem. Há uma lei com número e data de promulgação que sustenta a decisão da Justiça, mas os barões da mídia não querem aceitá-la.

Veja este trecho da reportagem acima:

Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime “quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial”

Como assim, “para Stipp”? É ou não é? A lei diz ou não que é crime “Quebrar segredo de Justiça”? Todavia, a reportagem deixa dúvida sobre aquilo que não tem dúvida, a letra fria da lei que protege investigações sigilosas da Justiça em benefício de seu êxito, que, por certo, interessa a toda a sociedade, sobretudo em um caso como o de corrupção de fiscais do trabalho.

A reportagem pode dar a impressão de que vige esse tratamento equânime da lei em relação a todos. Infelizmente, não é assim. Tenho uma historinha para contar ao leitor.

Ano passado, quando entrevistei o então presidente Lula (em 24 de novembro, no Palácio do Planalto), perguntei-lhe se poderia contribuir para fazer avançar representação que a ONG Movimento dos Sem Mídia impetrou em 2008 no Ministério Público Federal.

A representação acusava toda a grande mídia por “crime de alarma social” no caso do surto de febre amarela naquele ano. Por conta de alarmismo da mídia, ao fim de janeiro de 2008 havia mais gente internada devido à vacina de febre amarela do que pela doença propriamente dita. Morreu um número inédito de pessoas por reação adversa à vacina.

O então presidente Lula, quando o entrevistei, recebeu de mim uma pasta com o processo e me prometeu que cuidaria pessoalmente do caso. Todavia, sua disposição foi frustrada porque eu mesmo não me dera conta de um fato: com a extinção da Lei de Imprensa, foi extinto o crime de alarma social que figurava na regulamentação de tal lei.

O que é “alarma social”?, perguntará você. É simples: se eu entrar na estação Sé do metrô de São Paulo – a mais congestionada do mundo – às seis da tarde, no horário de pico, e começar a gritar “BOMBA! BOMBA!”, é bem provável que muita gente morra pisoteada. Só quem nunca viu o que é aquilo, nesse horário, poderá duvidar. Fazer isso, portanto, seria provocar pânico.

Deveria ser proibido causar pânico tanto quanto mais poder de causá-lo alguém tivesse. Se com minha voz consigo atingir mil pessoas, aquele que tem algum meio de se comunicar com milhões deve ser mais penalizado do que eu. Até porque recebe dinheiro público para se comunicar, por exemplo via publicidade oficial.

No entanto, inexiste, hoje, uma lei de imprensa no Brasil. E por que deveria haver uma lei de imprensa? Ora, porque o poder da imprensa é maior do que o do cidadão comum e porque a imprensa é composta por empresas privadas, controladas por cidadãos que adquirem um poder maior de se comunicar e que, portanto, também devem ter maiores responsabilidades.

Para concluir, note que a regulamentação da atividade jornalística pelos grandes meios de comunicação de massa, a imprensa, é mais um ponto em que o atual governo anda de lado ao não propor, não cobrar, não debater. Chegamos ao oitavo ano do governo Lula com menos leis do que no primeiro por conta da extinção da lei de imprensa, e parece que nada irá mudar.

Mas, enfim, você adivinhou qual é a ilegalidade que a reportagem da Folha relata? Notou que o repórter que violou o segredo de Justiça dessa investigação que a matéria cita confessou que fez isso outras vezes impunemente? Por que, antes, ninguém o indiciou por violar a lei? Quem deixou de indiciá-lo? Que investigação sigilosa foi violada? Que efeitos a violação produziu?