Crescimento é adequado; câmbio é que preocupa

economia

Há uma chuva de análises críticas relativas ao “baixo” crescimento do Brasil no ano passado. O país cresceu 2,7% sobre 2010, chegando o PIB a impressionantes 2,4 trilhões de dólares. Para que se possa mensurar com serenidade e de forma realista o salto que a economia brasileira experimentou na última década, portanto, há que fazer algumas comparações.

Em 2002, o PIB do Brasil somava R$ 1,4 trilhões. No primeiro semestre daquele ano, a cotação média do dólar foi de R$ 2,44. Com o início do processo eleitoral, a cotação disparou até alcançar R$ 3,81 no segundo semestre. Se considerarmos uma taxa média de R$ 3,12 por dólar, portanto, o PIB brasileiro, há dez anos, foi de US$ 448 bilhões.

Enquanto o PIB brasileiro triplicou (em reais) em nove anos (2002-2011), o dos Estados Unidos passou de US$ 11, 2 trilhões em 2002 para US$ 13,3 trilhões em 2011. O PIB nacional, que em 2002 equivalia a 4% do PIB americano, hoje equivale a 18%.

Alguns dirão que a taxa do dólar sofreu valorização exagerada em 2002 por uma questão política, portanto conjuntural. Mas mesmo usando a taxa de R$ 2,44 o máximo que conseguiremos será elevar o PIB brasileiro em dólar, naquele ano, a US$ 573 bilhões, o que muda pouca coisa, pois passaria a meros 5% do PIB americano.

Por qualquer critério, o Brasil cresceu consistentemente e os Estados Unidos, praticamente nada.

De qualquer maneira, o crescimento sólido do Brasil entre 2003 e 2011 trouxe bem menos resultado para a sociedade do que se pensa. O índice de Gini (que mede a desigualdade de renda) foi de 0,587 em 2002 e, em 2011, chegou a 0,51. Ainda assim, foi a maior queda de concentração de renda da história do país.

Contudo, se compararmos o crescimento do PIB com a redução da desigualdade, constataremos que enquanto o primeiro cresceu quase 300% (em reais), a segunda caiu míseros 13%. E o que é mais: a queda da concentração de renda não ocorreu exatamente devido ao crescimento do PIB, mas muito mais por ação de políticas sociais do governo federal.

Some-se a isso o fato de que crescimento muito acelerado em um país com taxa de investimento baixa como ainda foi a do Brasil em 2011 – de 18,7% do PIB, enquanto que, em 2002, foi de 16,4% –  gera descontrole inflacionário. Para  atingir patamar mais acelerado teríamos que chegar a taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB, o que a presidente Dilma havia prometido para 2014, mas que dificilmente ocorrerá.

Os efeitos inconvenientes do crescimento acelerado de 2010, que chegou a quase 8%, puderam ser sentidos. De imóveis a alimentos, os preços dispararam. Ainda que a massa salarial e a renda das famílias tenham crescido fortemente no período e gerado sensação de enriquecimento entre a população, a inflação já começava a sair de controle, tendo sido necessário o freio de arrumação de 2010 e 2011, logrado via política monetária restritiva (aumento dos juros), principalmente.

Ou seja: o Brasil ainda sofre da velha síndrome do cobertor curto. Concentrar a gritaria na taxa de crescimento do PIB, portanto, é absolutamente inútil, servindo apenas para a velha luta política do conclave oposicionista-midiático. O governo teria que ser cobrado para aumentar a taxa de investimento, isso sim.

Enquanto ficamos discutindo o menor dos nossos problemas (a taxa de crescimento), o que vai se tornando uma bomba relógio é o câmbio. Nesse aspecto, o governo Dilma incorre no mesmo erro fatal que afundou o governo Fernando Henrique Cardoso.

Por medo de tomar as medidas necessárias para desvalorizar o real, FHC deixou a bomba explodir.  Hoje, ainda que a situação seja muito mais suportável devido às políticas públicas que nos permitiram acumular reservas em dólares exponencialmente maiores do que há uma década, o balanço de pagamentos (diferença entre a entrada e saída de dólares do país) segue piorando.

O governo empurra o problema, esperneia contra a inundação do mundo com dólares e euros que as potências promovem, mas não se mexe, não toma uma atitude. O resultado vem sendo um processo lento, gradual e seguro de desindustrialização, com migração de empregos da indústria para o setor de serviços, mantendo tendência da era FHC.

É certo que não se sabe direito o que fazer para combater uma valorização do real que nos coloca sentados sobre uma bomba-relógio, mas algo tem que ser feito. Se não dá para chegar a um acordo com as potências, que tratam de adotar políticas para desvalorizar as suas moedas de forma a exportarem mais e se safarem da crise interminável em que se meteram, temos que agir unilateralmente.

No limite, se não houver bom senso dos países industrializados, teremos que fazer como a China e estabelecer uma taxa de câmbio condizente com as nossas necessidades. Isso, porém, geraria um problema político sério, pois desvalorizar o real produziria considerável queda na sensação de bem-estar da população.

A verdade verdadeira, portanto, é a seguinte: FHC deixou a bomba estourar com medo de acordar os brasileiros do sonho de riqueza e o governo Dilma está seguindo a mesma rota suicida que em algum momento nos obrigará a pagar o preço, bastando que as commodities (produtos básicos) entrem em baixa, o que geraria o temível déficit na balança comercial.