Veja lança “livro-bomba” de Tuma Jr. e o resto da mídia ignora solenemente

Análise

 

Em estilo grandiloquente e fanfarrão, o colunista e blogueiro da revista Veja Augusto Nunes anuncia, ao fim da noite da última sexta-feira (6/12), que “As revelações de Tuma Junior vão confirmar que sábado é o mais cruel dos dias para quem tem culpa no cartório”. As “revelações” em questão figuram em livro lançado pela edição da revista desta semana.

Em seguida, o pistoleiro da revista semanal, encarregado pela direção do veículo de acusar e insultar exclusivamente a presidente da República, seu antecessor, seu partido e seus aliados – e mais ninguém – apresenta uma espécie de micro biografia do autor do livro.

Vale conferir, abaixo, a antecipação feita por Nunes da recente matéria da Veja.

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(…) Delegado concursado da Polícia Civil de São Paulo, ex-secretário Nacional de Justiça no governo Lula, ”Tuminha” sabe muito. E está pronto para revidar com provas materiais quaisquer tentativas de desmentir as afirmações que acabou de reunir num livro de alto teor explosivo.

Os episódios relatados por Tuminha exumam, por exemplo, pressões exercidas por ministros decididos a transformar em instrumento eleitoral informações sigilosas, a fábrica clandestina de dossiês cafajestes instalada nos porões de um ministério, a movimentação de figurões envolvidos na operação destinada a sepultar os motivos reais do assassinato de Celso Daniel ou detalhes do gigantesco esquema de escutas telefônicas ilegais que não pouparam sequer a cúpula de um dos três Poderes. Fora o resto.

Os pecadores vão precisar de desculpas menos bisonhas e versões mais consistentes. Que aproveitem a madrugada insone para tentar encontrá-las.

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Para Veja e seus colunistas e blogueiros amestrados, só existe corrupção no Brasil porque o PT, Lula e Dilma existem. A revista não denuncia, não comenta, não enxerga corrupção em nenhuma outra parte, só no PT e em seus membros e aliados. Há uma década que só faz denúncias contra estes e mais ninguém.

Não foi por outra razão que a micro biografia de Tuma Jr. feita por Nunes excluiu o pequeno detalhe de sua saída tumultuada do governo Lula em 2010, após ser flagrado em gravações telefônicas e e-mails interceptados durante investigação sobre contrabando que ligavam o então secretário nacional de Justiça à máfia chinesa, conforme matéria do Estadão.

Seja como for, na entrevista concedida à Veja Tuma Jr. deixa ver que seu livro não passa de tentativa de retaliação ao ex-presidente Lula.  À certa altura, pergunta da revista e resposta do entrevistado escancaram o que é que tem no livro Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado.

Confira.

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(…)

VEJA – O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.

Romeu Tuma Júnior – Não considero uma acusação. Quero deixar isso bem claro. O que conto no livro é o que vivi no Dops. Eu era investigador subordinado ao meu pai e vivi tudo isso. Eu e o Lula vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo. Conto esses fatos agora até para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça, não vinha do nada. Era de muito tempo. 0 Lula era informante do meu pai no Dops.

VEJA – O senhor tem provas disso?

Romeu Tuma Júnior – Não excluo a possibilidade de algum relatório do Dops da época registrar informações atribuídas a um certo informante de codinome Barba.

(…)

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Estranho “Estado policial” esse descrito por Tuma Jr., no qual os mais prejudicados são os aliados desse mesmo Estado, que permite que os membros dessa “ditadura petista” sejam denunciados, julgados e encarcerados enquanto os processos contra seus adversários permanecem engavetados.

Mas o que importa é que a sequência de perguntas e respostas entre Veja e Tuma Jr. mostra que seu livro não contém nada além de vento. Perguntado pela revista sobre se existem provas da acusação maluca de que Lula teria sido “informante da ditadura” que o prendeu e combateu duramente, tergiversa.

A débil condição moral do denunciante – por ter sido flagrado em conluio com uma organização criminosa –, bem como a escandalosa seletividade “ética” de Veja e a fragilidade aparente das denúncias explicam um fenômeno que seguiu-se à chegada da revista às bancas.

Praticamente nenhum grande jornal, grande portal de internet ou telejornal deram bola ao grandiloquente aviso de Augusto Nunes sobre a edição da Veja desta semana. As únicas exceções foram o Jornal da Record e uma matéria escondidinha no portal do Jornal O Globo.

Assim mesmo, foi pífia a repercussão da “denúncia” de Veja e do autor do livro-bomba, que está mais para “livro-traque”. Afinal, para uma mídia que, de alguns meses para cá, vem tentando se livrar da pecha de ser partidarizada, dar credibilidade a alguém que foi flagrado na situação de Tuma Jr. e que escreve um livro com acusações tão frágeis, pega muito mal.

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Assista, abaixo, à matéria do Jornal Nacional de 2010 sobre a queda de Tuma Jr. Em seguida, editorial do Estadão sobre o autor do “livro-bomba”

 

 

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O ESTADO DE SÃO PAULO

9 de maio de 2010

Editorial

Promiscuidade que condena

Quem ocupa o cargo de secretário nacional de Justiça, no exercício do qual comanda áreas estratégicas do Estado – como a de rastreamento de dinheiro ilegal no exterior e o controle da regularidade da situação de estrangeiros no País -, e, além do mais, é presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria não pode ter relações tão estreitas com um cidadão preso há vários meses sob a acusação de comandar uma quadrilha especializada em contrabando de telefones celulares, como tem o delegado Romeu Tuma Júnior com Li Kwok Kwen, conhecido como Paulo Li. Se, por razões de amizade ou de qualquer outra natureza, tiver esse tipo de relação, não pode ocupar os cargos públicos que ocupa no governo federal.

 

Não se trata de condenar antecipadamente o secretário nacional de Justiça sem que lhe tenha sido dado o direito de explicar suas relações com Paulo Li. Ele tem todo o direito de se justificar e as autoridades policiais têm o dever de investigar esse caso em profundidade, para que não restem dúvidas ou suspeitas. Trata-se de começar, de uma vez por todas, a combater com eficácia a cultura da promiscuidade que prevalece no País, sobretudo no setor público – e, de maneira notável, na área federal.

Já para o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não há nada de condenável na relação de amizade entre o secretário nacional de Justiça e o indigitado Paulo Li. Na opinião do senador do Maranhão (Estado onde efetivamente exerce seu poder político, embora tenha sido eleito pelo Amapá), não têm substância as investigações da Polícia Federal (PF) ligando o delegado a uma pessoa acusada de chefiar “uma das maiores organizações criminosas de São Paulo e, consequentemente, do País”. O que há, segundo o senador, são apenas informações sobre a compra de um telefone (por Tuma Júnior, de Paulo Li) e um pedido de emprego para o “genro”.

Não haveria nada de mais, de fato, se a compra fosse de um objeto importado regularmente, fornecido por comerciante legalmente estabelecido, e o pedido de emprego não envolvesse pressões sobre funcionários públicos por meio do uso do prestígio do cargo que ocupa.

Mas não é disso que se trata. Como mostrou reportagem de Rodrigo Rangel publicada pelo Estado quarta-feira, gravações telefônicas e mensagens eletrônicas interceptadas pela PF durante investigação sobre contrabando revelam muito mais.

Ao ser preso, no ano passado, com mais 13 pessoas acusadas de chefiar a quadrilha que contrabandeava celulares da China – os aparelhos recebiam placas com marcas de produtos conhecidos no mercado e eram vendidos no comércio paralelo de São Paulo e do Nordeste -, Li telefonou para Tuma Júnior na frente dos agentes federais. Ele fazia isso com frequência. As gravações mostram que o secretário nacional de Justiça encomendava a Li telefones celulares, computador e aparelhos de videogame.

Paulo Li, de sua parte, tinha livre trânsito na Secretaria Nacional de Justiça e se apresentava como “assessor especial” do órgão. Segundo a PF, Li também ganhava dinheiro fazendo andar mais depressa os processos de emissão de vistos permanentes de chineses em situação irregular no País. Esses vistos são emitidos pelo Departamento de Estrangeiros, subordinado ao secretário nacional de Justiça.

Em outras gravações, a PF descobriu que Tuma Júnior tentou pressionar as autoridades policiais de São Paulo – ele é delegado estadual – para conseguir aprovar o namorado da filha em concurso para escrivão de polícia. O secretário nacional de Justiça não teve êxito na pressão, pois o namorado de sua filha foi reprovado.

Não são relações e atitudes simples e fáceis de justificar – e até o momento o delegado Tuma Júnior não apresentou justificativas convincentes. Mas, mesmo que as apresente e comprove que nada tem a ver com as ilegalidades praticadas pelo amigo e que não utilizou o prestígio do cargo que ocupa para beneficiar parentes ou contraparentes, as informações já conhecidas sobre o caso recomendam seu afastamento imediato do cargo – para o qual foi nomeado por razões meramente políticas.