Xico Calmon: organizar a sociedade para vencer

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Precisou a casa ruir após o golpe parlamentar-judicial de 2016 e instalar-se o golpismo aos direitos dos trabalhadores, ao patrimônio e à soberania nacional para acordar a todos da letargia política no exercício da luta de classes.

A luta pela redemocratização, iniciada nos anos 80, após a anistia, vai levar a Esquerda a gradativamente abandonar a concepção de luta de classes como eixo central das transformações (ou retrocessos), e velozmente adotar uma visão bonapartista do Estado (a serviço de todas as classes) e a crença na sua conciliação.

Quando a casa começou a ruir com o golpe de 2016, o diagnóstico de que a Esquerda estava desconectada das bases foi unânime.

Mas parou aí e nas críticas ao PT.

Na verdade, era mais do que isso: estava de calças curtas na luta de classes.

A causa das causas ficou na margem à espera de ser resgatada para o centro da questão.

“De tempos em tempos os operários triunfam, mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores” (Marx e Engels, Manifesto Comunista).

A concepção e operação da luta de classes se concentra no eixo perene de Formar, Organizar, Participar – FOP- as bases dos trabalhadores, para construir o empoderamento e a consciência de classe protagonista de um projeto alternativo ao capitalismo e à democracia burguesa.

Ao abandonar a concepção de luta de classes e adotar a da conciliação, a arena de atuação ficou, especialmente, circunscrita ao cercadinho institucional, e as relações republicanas como expressão comportamental do bonapartismo caboclo.

Essa adoção vai ocasionar na dialética das lutas sociais um divórcio amigável entre as lutas segmentais, como a pugna dos negros, indígenas, mulheres, LGBT…, e a luta matriz, que é a luta coletiva de classes. Amigável, mas que nutriu a concepção bonapartista-republicana, consolidou o peleguismo e gerou uma plêiade de líderes sociais que vivem às custas e como satélites dos governos, melhor ainda: como pirilampos.

Nessas últimas décadas desbotou o vermelho, daí alguns adjetivam como esquerda desbotada, outros, como esquerda rosinha-salmon, e, ainda, esquerda cosmética, que é a minha preferida. Com quaisquer denominações estamos, como sempre estivemos na história, diante da predominância do peleguismo e no outro extremo do esquerdismo bravateiro.

No ano de 2017 engolimos muitas derrotas no cercadinho institucional e avanços no social (a greve geral, as manifestações de ruas, a sobreposição da narrativa sobre o golpismo, as caravanas do Lula), e no ano de 2018 e seguintes colheremos vitórias?  E serão vitórias sustentáveis? Iniciamos com a derrota, embora fosse prevista, do julgamento do Lula na segunda instância do judiciário federal da quarta região, inclusive com o aumento da pena, sinalizando que a ditadura togada é real, perversa e sem pudores. Contudo, é possível transformar essa derrota em parideira de muitas vitórias. A começar nos desfazendo de ilusões!

Em última instância, a democracia popular é incompatível com o capitalismo, sobretudo com o capitalismo no Brasil, patrimonialista e sem riscos aos capitalistas, cuja classe dominante é marcadamente conservadora e reacionária, portadora de preconceitos e autoritarismo. A democracia burguesa serve aos interesses dos capitalistas, assim como no futuro a democracia popular servirá aos interesses dos trabalhadores.

A evolução da democracia tradicional terá limites, via golpes das classes dominantes, ou terá ruptura, via classes trabalhadoras.

Golpe fracassado ou ruptura fracassada fazem parte do cardápio de nossa história.

A construção perene da democracia sustentada, dependerá das classes trabalhadoras, especificamente do seu estágio de consciência e organização.

Meia sola, isto é, organização tradicional e consciência reformista, não sustenta a democracia e muito menos protagoniza uma ruptura.

A organização deve ser de base e a consciência coletiva de um projeto capaz de ser agregador da maioria da sociedade, inclusive da classe média.

Reformas executadas por governo popular devem estar em sintonia com a Formação, Organização e Participação – FOP – dos trabalhadores, senão fica sujeita a retrocessos, sem resistência.

A teoria libertadora se tornará em força material à medida que a intelectualidade seja organicamente da classe trabalhadora e/ou das organizações delas. A intelectualidade acadêmica, por mais competência que tenha, não só transmitirá saber mas também dependência. Nesse sentido, os trabalhadores do magistério, mormente do ensino médio, têm, potencialmente, o papel da mediação dialética da teoria revolucionária com a prática de luta da classe trabalhadora.

O sistema, através de seus aparelhos ideológicos, mantém uma hegemonia, construir aparelhos para o contraponto, faz parte do eixo FOP. O enfretamento ao sistema deve ser sistêmico e permanente.

Se entendermos a luta de classes como fenômeno objetivo (motor da história), que independe de querer ou não, e perene, consoante à concepção materialista da história, a estratégia terá que estar em conformidade a essa concepção, com variações e adequações táticas.

A história da esquerda no Brasil é pendular entre o peleguismo e o infantilismo esquerdista, como romper é um desafio tão importante quanto a busca da unidade.

A compreensão de alguns conceitos que foram deformados na teoria e na prática pode ser um primeiro passo.

A luta de classes ocorre em três níveis, em termos didáticos: o primeiro no econômico, o segundo no social e o terceiro no político.

No primeiro, a demanda é basicamente por melhores salários e eventualmente por melhorias nas condições de trabalho, que muitos líderes, ainda repetindo o século dezoito, acreditam que essa luta atinge o capital, quando, as vezes, até trabalham em seu favor, pois os patrões aproveitam para reestruturar os meios de produção e as folhas de pagamento, numa falsa impressão de ter cedido, dão com uma mão e retiram muito mais com a outra. Na luta econômica o trabalhador mantém a consciência de classe em si, ou seja, manter sua sobrevivência enquanto tal, ou cair na ilusão de conquistar altos salários que possibilitem comprar os direitos sociais, sem ir além disso.

Destaco a importância dos trabalhadores do setor financeiro (bancos, Bolsas, corretoras de valores etc), uma vez que no ápice do sistema está o capital financeiro.

Na luta social, a classe trabalhadora amplia seus interesses e a sua visão da estrutura do sistema e incorpora segmentos médios da sociedade, possuidores das mesmas demandas pelos direitos sociais. Saúde, educação/cultura, emprego/lazer, moradia, transporte, segurança e seguridade, compõe a plêiade pelo bem-estar social dos trabalhadores.

Cada demanda social possibilita agregar a maioria da sociedade carente de cada um desses direitos. Do salário mínimo ao transporte gratuito aos necessitados, aos idosos e à juventude, saúde e educação gratuita para toda a população que necessitar, passando pela aposentadoria digna, compõe uma plataforma de luta que agrega todos os segmentos de trabalhadores, da base estrutural aos segmentos intermediários.

Na luta social a classe trabalhadora amplia a sua consciência e organização e começa a construir sua liderança por uma sociedade alternativa à atual, que oprime e explora a maioria esmagadora do país.

Destaco nessa categoria a importância da luta pelo salário mínimo.

Na luta política é onde se dá a disputa pelo poder. Poder institucional e o não institucional. Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Policia Federal e Forças Armadas, no campo institucional do Estado. A ocupação deles se dá por sufrágio e por concurso. Os poderes ocupados via concursos estão hipertrofiados, quando deveriam ser hipo, pois não são oriundos da soberania popular (Todo poder emana do povo…)

Os poderes fora do campo institucional são os partidos, sindicatos, federações, centrais, frentes, movimentos sociais, conselhos (paritários ou não), enfim, entidades organizatórias da sociedade.

É na luta política que se concentra a disputa decisiva da luta de classes. Dos três andares na estrutura da sociedade é na política o andar mais alto. Entretanto, na dialética da luta há mediações entre elas, portanto, se encontram e se reforçam mutuamente, por isso, toda luta de classe é uma luta política.

Nos três campos de luta pode e deve-se travar a luta ideológica, quer dizer, diagnosticar os males do sistema capitalista e contrapor com outros valores e projetos, nos quais a soberania e o patrimônio nacional são valores a defender.

Como conquistar a paridade de armas até conquistar a hegemonia ideológica (a maioria da sociedade favorável a um sistema alternativo), que permitirá a ruptura e transição, caberá a estratégia apontar, assim como caberá ao projeto de nação galvanizar todos os segmentos sociais vítimas do sistema.

A maioria da sociedade é de mulheres. A maioria da sociedade é de negros. A maioria da sociedade é de trabalhadores, os quais representam em torno de 60% da população, acrescente os desempregados e teremos uma esmagadora maioria de espoliados.

Na outra ponta, os capitalistas no país constituem uma minoria tão ínfima que têm nome e sobrenome.

Se as mulheres são discriminadas, se os negros são discriminadas, e todos os trabalhadores são explorados, por que a correlação de forças na política é favorável aos representantes da classe dominante?

As lutas segmentais devem ser matizadas à luz da luta de classes,  todas elas devem apontar e se inserir nesse leito.

Estratégia e Projeto serão os instrumentos potencias da unidade na prática. Não é a busca da unidade pela unidade, mas a unidade na práxis, o que requer Estratégia e Projeto, sendo que as suas construções não dependerão de uma pré-unidade, mas de estarem abertos para correções e inclusões, pois, nem uma e nem o outro são acabados, estarão em construção na dinâmica da política.

Com os fundamentos e alicerces argamassados, as torres de edificação  sustentarão  transições e impedirão, com resistência, a retrocessos rumo à barbárie.

Nesta gravíssima e sinistra conjuntura, do Estado policial sob a égide da tirania togada, o que fazer?

O processo judicial (do Lula) não serve como eixo principal da luta de classes, assim como, no geral, a luta institucional, nesta conjuntura, não deve estar acima da luta social, isto é, da luta política do povo organizado pela base.

Lutar até enquanto houver esperança e meios pela candidatura do Lula é o óbvio ululante, e não deve ainda ter plano B de candidatura alternativa à presidência, pois seria o reconhecimento antecipado da inviabilidade, a qual se constituí no presente numa premissa falsa.

O papel do Lula é estratégico e tático, pois fora transformado no inimigo público nº 1 da ditadura do judiciário, entretanto, não pode e nem deve ser constituído na bala de prata dessa refrega. Na batalha de classes não há BALA DE PRATA.

Não há tempo para lamurias e lamentações, é tempo de combates.

Cada macaco no seu galho na resistência da árvore da democracia.

Os parlamentares no Congresso, nas Assembleias e Câmaras; governadores e prefeitos democráticos apoiando a resistência em conexão e trincheiras próprias; os juristas, advogados e demais operadores do direito, no judiciário, nos ministérios e em suas respectivas entidades; os intelectuais, artistas e demais que se inserem nesse segmento, nas cátedras, nas palestras, nos manifestos, nos teatros, nos cinemas, nos meios de comunicação; os trabalhadores nas suas organizações tradicionais preparando e disparando greves – geral, locais, departamentais, operações tartaruga e outras formas mais; os movimentos sociais em seus acampamentos, marchas e ocupações; a juventude, com sua ousadia e destemor característicos, em passeatas, ocupações e criativas formas de protestação; e TODOS, organizados ou não, nos Comitês Populares pela Democracia – CPD – criando uma rede deles – RCPD – com o objetivo geral de derrubar a tirania da toga – a ditadura do judiciário.

No combate à ditadura militar tivemos a experiência exitosa dos Comitês Brasileiros pela Anistia – CBAs – no país e no exterior, de composição ampla e de estruturação e ação horizontal.

Cada CPD – Comitê Popular pela Democracia – irá definir o que fazer no seu chão: chão de moradia, chão de trabalho, chão de terra, chão de estudo, usando das características conhecidas como guerrilhas democráticas: fustigamentos, constrangimentos, surpresas, ocupações temporários, avanços e recuos, et caterva, com inteira autonomia e mobilidade, com o foco central na luta pela derrubada da ditadura do judiciário.

Em paralelo as esquerdas já devem, no possível, planejar as eleições majoritárias e proporcionais sob inspiração maior da luta contra essa ditadura. O Congresso terá importância essencial nessa guerra de classes, com Lula ou com plano B, com parlamentarismo ou não.

Aos partidos de esquerda e sobretudo ao PT, o maior deles, dialogando entre si, darem as coordenadas diretivas aos comitês, na política e não na hierarquia burocrática e imobilizadora da práxis revolucionaria.

Parafraseando Carlos Marighela – considerado pela ditadura militar como seu inimigo nº 1, nenhum comitê precisa pedir licença para realizar ações contra a tirania togada.

Na dialética da luta política, ação e organização se retroalimentam. Organização sem ação produz o burocratismo diletante, ação sem organização produz aventureirismo.

Todos que perderam seus direitos os querem de volta, mas não conseguirão debaixo da ditadura. É esta a compreensão que temos que conscientizar o povo.

A história é rica de exemplos de que a crise gera saltos de qualidade na consciência e organização das classes espoliadas e oprimidas, compreendo ser esta a nossa tarefa imediata e mediata.

ABAIXO A TIRANIA TOGADA

ABAIXO A DITADURA DA TOGA

ABAIXO A DITADURA DO JUDICIÁRIO

QUEREMOS NOSSOS DIREITOS DE VOLTA: emprego, aposentadoria, segurança e liberdade

QUEREMOS O BRASIL LIVRE E SOBERANO

PELA ORGANIZAÇÃO DO POVO EM COMITÊS

CRIAR MILHARES DE COMITÊS POPULARES PELA DEMOCRACIA

A FORÇA DO POVO RESIDE EM SUA CONSCIÊNCIA E ORGANIZAÇÃO

PELA DEMOCRACIA POPULAR de TODAS E TODOS OS BRASILEIROS

 

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Xico Celso Calmon é ex-combatente da ditadura militar, tendo atuado como dirigente e militante da AP, NML, COLINA, VAR-Palmares. Profissional de Administração de Empresas, públicas e privadas, Advogado e Analista de TI. É membro da coordenação da FPB-ES e do Fórum Memória, Verdade e Justiça. Autor dos livros “Sequestro Moral e o PT com isso”, e “Combates Pela Democracia”, e coautor dos Livros “Resistência ao golpe de 2016” e “Uma Sentença anunciada – o processo Lula”.