Até agora, sem surpreender, Bolsonaro não acertou em nada

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A melhor medida que Jair Bolsonaro tomou até agora, apesar de infrutífera, foi o cala a boca dirigido aos seus circunstantes. Inaugurado com o vice Mourão, não parou de repetir-se com vários outros, por reconhecida necessidade e total inutilidade.

Um erro de princípio, aliás, contribuiu para o fracasso: Bolsonaro não se incluiu na conveniência do mutismo. E as asneiras e inverdades destrinchadas pelo noticiário não abarcam a safra diária.

O general Augusto Heleno, por exemplo, diz que “fizeram um auê disso aí sem nada”, sendo o “disso aí” a possibilidade de instalação de uma base militar americana no Brasil. O “auê” foi a simples notícia proveniente de Bolsonaro.

O general mostra sua firmeza: “Ele falou comigo que não falou nada disso. Foi um comentário quando falaram de base russa, não sei quê, aí saiu esse assunto, de repente é base americana.”

A tal base russa foi uma hipótese da guerra verbal contra a Venezuela. Mas se “aí saiu esse assunto” que é a base americana, o general diz, de modo indireto, que o assunto foi falado.

E, de fato, Bolsonaro disse no SBT que poderia negociar com os Estados Unidos a instalação aqui de uma base americana.

Se a ideia foi uma leviandade a mais ou se teve algum propósito definido, negar sua ocorrência na TV não é inteligente. E atribuí-la a um “auê” da imprensa é uma tentativa de tapear a opinião pública. O que em poucos dias já mostra mais uma deformidade dos novos governantes.

Onyx Lorenzoni demite em massa na assessoria da Presidência: “É a despetização do governo”. Daí decorrentes, dois títulos da Folha informam sobre o resultado: “’Caça a petistas’ de Onyx desarticula todo o corpo técnico da Casa Civil” e “Exonerações de Onyx paralisam Comissão de Ética da Presidência” (dias 7 e 8).

As demissões tão citadas em postagens de Bolsonaro e tão exploradas por Lorenzoni são uma farsa com face dupla.

Quem tinha vínculo com o PT foi substituído, junto a muitos outros, por vinculados a Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Carlos Marun e, claro, Temer e seu compra-e-vende com deputados e senadores.

As demissões estão feitas sem critério algum, para abrir o máximo de vagas aos vinculados à nova turma do poder. Várias nomeações do gênero já foram noticiadas, casos com algum atrativo particular. O dispositivo técnico está arruinado.

A extinção da Justiça do Trabalho, disse Bolsonaro também no SBT, “está sendo estudada”. Porque há “excesso de proteção” ao assalariado. Sua convicção: “Tem que ter a justiça comum” para o assalariado reclamante. “Até um ano e meio atrás, eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Ninguém aguenta isso.”

Extinguir a Justiça do Trabalho, para eliminar o que Bolsonaro considera insuportável, é só uma obtusidade. Por sua receita, apenas acrescentaria milhões de processos ao entupimento da Justiça Cível e da Criminal, inviabilizando-as em definitivo. E isso é chamado de reforma.

O que Bolsonaro deseja está na eliminação de direitos. Tornados leis e regulamentos porque o patronato brasileiro, envenenado pelos legados escravocratas e pela concentração dos recursos financeiros, burlava com frequência até os mínimos deveres humanitários.

Esse patronato, por sua vez, deixou herança “cultural”. E a ela se deve a quase totalidade dos milhões de pedidos à Justiça do Trabalho para verificação de direitos talvez relegados —isto é o processo trabalhista. Mas Bolsonaro não pode compreender.

Da FSP