Salles diz que Bolsonaro concorda com atitude que levou a sua condenação

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“No mérito, faria de novo”, diz o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre o processo que o levou a condenação em primeira instância, por improbidade administrativa, quando era secretário estadual de meio ambiente em São Paulo. Salles conversou com a reportagem da Folha por uma hora em seu apartamento nos Jardins, em São Paulo.

Além de ter contado na entrevista sobre como pretende atuar à frente do MMA, Salles falou sobre seus processos na Justiça e por que alterou mapas e a minuta do decreto do plano de manejo da APA (Área de Proteção Ambiental) da Várzea do Tietê.

Ele foi acusado pelo Ministério Público de cometer fraude na elaboração do plano de manejo da APA da Várzea do rio Tietê, com propósito de beneficiar empresas de mineração e filiadas à Fiesp – Federação da Indústria do estado de São Paulo. Inquérito civil apurou irregularidades como a modificação de mapas, alteração da minuta do decreto do plano de manejo e perseguição a funcionários da Fundação Florestal.

A ação criou desgastes políticos e levou à exoneração de Salles da secretaria em agosto de 2017, apenas um ano após ter assumido o cargo. A condenação em primeira instância veio em dezembro, apenas dez dias após sua indicação para o Ministério do Meio Ambiente. A punição inclui multa e a suspensão dos direitos políticos por três anos, mas o ministro ainda deve recorrer da decisão.

A escolha entre autuar áreas de preservação com urbanização consolidada ou reconhecer e regularizar a situação atual é um conflito clássico do gestor ambiental e o senhor lidou com isso no polêmico plano de manejo da APA da várzea do Tietê, que o levou a alterar os mapas da região, contornando para fora da APA as áreas que já tinham indústrias instaladas. Suas decisões no MMA serão nessa direção? Quais seus critérios para ponderar quando é o caso de recuperar ambientalmente, ou não, uma área com construções consolidadas?

Situações consolidadas cuja alteração impacta em negar a aplicação da lei, eu não vou fazer. Um país só se desenvolve se tiver segurança jurídica. O critério é temporal. Se ele construiu algo antes da norma, tem que reconhecer. É aquela frase: no Brasil, até o passado é incerto. Não dá pra viver assim.

O que o senhor aprendeu com o processo que levou à sua condenação? O que ainda defende e repetiria; o que faria diferente?
Repetiria o princípio que defendemos na APA do Tietê que era de respeito aos setores produtivos e não de perseguição, de ouvir, de dar segurança jurídica.

Mas ao fazer isso, não deixou de ouvir todo o processo construído no Consema [Conselho Estadual de Meio Ambiente, por onde tramita a elaboração do plano]? 
Ali foi o contrário. Juntou um pequeno grupo de ambientalistas no Consema…

Mas a Fiesp foi ouvida ali no processo todo.
Foi ouvida, mas foi ignorada. As considerações foram votadas e ignoradas. Quando a gente escuta, parece que fizeram um negócio super democrático antes e o Ricardo pegou os amiguinhos dele. Não é verdade. Eles escantearam a Fiesp, a Faesp e a própria Cetesb por ideologia. Vários argumentos óbvios foram ignorados. Prevaleceu a visão dos técnicos que não queriam saber o que aconteceu – “demole, tira tudo”. O que fizemos foi reequilibrar essa conversa.

Então faria de novo?
Talvez fizesse o formato diferente, mas no mérito faria de novo, porque acho que está correto. As mudanças que fizemos nos mapas estão corretas.

O que seria o formato diferente?

Talvez tivesse aberto para as pessoas darem opinião lá no Consema. Mas o Consema votou a favor do plano.

Mas não estavam informados sobre qual plano estavam votando, não foi isso?

Muita gente está lá no Consema e nem tem nada a ver com o assunto, não dá pra informar a todos o tempo todo. Vários conselheiros participaram dessas mudanças. Eu estava sendo muito pressionado pelo pessoal do Consema para colocar os planos de manejo para votação. O primeiro que fui colocar tinha um monte de questionamentos; fui olhar e eram em boa parte procedentes. Então fiquei numa situação difícil, não podia me omitir. E se eu pusesse para votação do jeito que estava, eu estaria gerando uma norma sabidamente errada. Não seria um papel responsável de um secretário.

Mas depois dessa experiência, acha que pode ter uma relação de confiança com técnicos e organizações da sociedade civil, agora no Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente]?

Tem que ter. Eu tinha no Consema também.

Segundo dados do TSE, a avaliação dos seus bens materiais foi de R$ 1,4 milhão, em 2012, para R$ 8,8 milhões em 2018. Mesmo assim, em 2014, o senhor chegou a dever R$ 28 mil de pensão dos filhos e pediu redução no valor da pensão, para que fosse proporcional ao seu salário de R$ 16 mil no governo estadual. Como explica o aumento de 600% no seu patrimônio nesse período em que trabalhou para o governo?

De maneira muito simples. Comprei este apartamento [um duplex] por R$ 2 milhões, reformei e dividi em dois. Hoje eles valem R$ 6 milhões. Fiz um trabalho danado. É a única coisa que tenho, esse apartamento.

E um barco, não é?

É, comprei um barco faz cinco anos. Dois R$ 8 milhões do meu patrimônio, seis são meu apartamento, você está nele. Evoluiu porque fiz um investimento bem feito. É onde moro, é minha casa.

Já a causa dos meus inquéritos é um conhecido da Folha. O maior litigante do Brasil, tem 6.000 ações. [Mostra papéis das ações, com uma ficha com foto de nome de Eduardo Bottura.] Ele veio contra mim porque eu era advogado do ex-sogro dele, o Bueno Netto. Ele entra com processos contra todo mundo que você possa imaginar, depois põe lá no Google.

A sua indicação para o Ministério chegou a ser abalada pela condenação em primeira instância, o senhor e o presidente conversaram?

Não, não chegou. Conversamos. O presidente falou: “olha, na minha visão, você está sendo condenado por fazer o que era o certo”.

O presidente concorda com sua atuação no processo do plano de manejo?

Concorda. Mostrei o processo para ele, tudo. Expliquei que tinham entrado com uma ação contra mim muito mais por retaliação pela minha postura do que por mérito. E ele entende isso.

O governo tem uma definição sobre em qual momento um governante que sofre um processo na Justiça deve ser afastado do cargo?

Nós temos lei no Brasil. Você só perde os direitos políticos com o trânsito em julgado.

Mas pergunto se tem alguma definição por parte do governo, que foi eleito sobre essa plataforma da ética, moral, contra a corrupção, etc.

No meu caso não tem nada de corrupção, importante deixar claro.

Mas a ação do MP insinua que sua ação visava a privilegiar interesses privados.

Eu privilegiei conjuntos habitacionais do CDHU, estradas ruas, e também empresas que estavam lá e iam ser punidas indevidamente. É um preconceito você dizer isso como se fosse o setor privado um vilão.

Da FSP