MPF tem crítica a projeto de Moro
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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A Câmara Criminal e a Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF) estudam sugerir ao presidente Jair Bolsonaro vetos a pelo menos dez pontos do pacote anticrime, iniciativa do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, parcialmente aprovada pelo Congresso Nacional.
O Valor teve acesso à prévia da nota técnica, que contesta trechos que, na visão dos procuradores, são potencialmente lesivos à Operação Lava-Jato e lenientes com criminosos do colarinho branco, como investigados por corrupção e lavagem.
Para procuradores, há propostas lesivas à Lava-Jato e lenientes com criminosos do colarinho branco
A maior preocupação do MPF é com a instituição da figura do juiz de garantias – magistrado de primeira instância responsável pela instrução de um processo criminal. Caberia a ele deflagrar prisões preventivas, ordenar buscas e apreensões e determinar quebras de sigilo. No entanto, se o caso der origem a uma ação penal, a sentença seria dada por outro juiz.
No documento, há pelo menos três propostas de veto relacionadas a este instrumento. Os procuradores questionam, por exemplo, a prerrogativa do juiz de garantias de decidir sobre o acesso a informações sigilosas – isso afrontaria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente decidiu dispensar o aval judicial para o compartilhamento de dados fiscais, para fins penais.
O texto também observa que o pacote não traz ressalvas sobre o papel do juiz de garantias nos processos atualmente em curso. Sendo assim, magistrados que atuaram na Lava-Jato poderão ser afastados por “impedimento legal superveniente”, sob pena de nulidade das ações. Isso causaria um atraso na resolução dos casos investigados, trazendo “prejuízos irreparáveis à persecução penal”.
Na nota técnica, o MPF também deve questionar a prerrogativa do juiz de garantias de determinar o trancamento do inquérito policial. Como não há, na nova norma, previsão de recurso contra essa decisão, isso prejudicaria o direito de defesa.
O Valor apurou que Bolsonaro estaria inclinado a vetar a criação do juiz de garantias. A proposta não estava no pacote original, mas ganhou força depois do vazamento de supostas mensagens trocadas entre Moro, ex-juiz da Lava-Jato, e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol.
Outro ponto que, segundo os procuradores, deve ser vetado é aquele segundo o qual o juiz que declara uma prova inadmissível não poderá proferir a sentença final do processo. Essa previsão traria impactos a decisões tomadas em colegiado – se a anulação de uma prova for decidida pelo plenário do STF, por exemplo, nenhum ministro poderá julgar eventual recurso extraordinário.
O Ministério Público ainda cogita pedir veto a dispositivos que incluem “o perigo gerado pelo estado de liberdade” do investigado como critério à decretação da prisão preventiva. Na avaliação das Câmaras do MPF, essa previsão tende a restringir a preventiva a casos de crimes violentos, livrando criminosos do colarinho branco, “cujo crime pode ser extremamente danoso, mas nem sempre a sua periculosidade é enxergada como tal”.
No âmbito dos acordos de colaboração premiada, os procuradores propõem vetos a trechos que podem vir a esvaziar as investigações abertas com base em delações. Em um dos parágrafos, o texto diz que o colaborador só pode narrar fatos que tenham “relação direta” com as apurações em curso. Isso impediria a descoberta de novos crimes, sustenta o MPF.
O órgão também vê como “demasia” a previsão de que medidas cautelares – como buscas e apreensões – só possam ser impostas quando houver provas adicionais em relação ao que foi narrado pelo delator. Isso enfraqueceria o instituto da colaboração premiada, tornando-o “praticamente inútil”.
De acordo com os procuradores, a palavra do delator é suficiente no casos das cautelares – os elementos corroborativos só são de fato imprescindíveis no juízo de condenação.
O MPF ainda estuda se incluirá na nota técnica, que será enviada a Bolsonaro por intermédio da Casa Civil, sugestões de veto à proibição das videoconferências nas audiências de custódia. Na avaliação dos procuradores, a medida é um contrassenso diante da necessidade de modernização do Judiciário.
Apesar das críticas, membros do Ministério Público viram aspectos positivos no projeto aprovado no Congresso, como a implementação do acordo de não-persecução penal – proposta do ministro do STF Alexandre de Moraes que substituiu o “plea bargain”, encampado por Moro.
Pelo texto que foi à sanção, o MPF pode negociar com investigados um acordo de redução de pena mediante a confissão do crime, desde que se tratem de infrações penais sem violência e com pena mínima inferior a quatro anos. A possibilidade não será oferecida a acusados de violência doméstica, familiar ou contra a mulher.
Na semana passada, Moro afirmou que Bolsonaro iria avaliar quais pontos do projeto deveriam ser vetados. Segundo apurou o Valor, as alterações nas regras para a aplicação de prisão preventiva e para as delações premiadas desagradaram o ex-juiz da Lava-Jato.
Na semana passada, ao ser questionado sobre o assunto, o presidente só indicou que vetaria o trecho que estabelece que poderá ser triplicada a pena de crimes contra a honra – como calúnia, difamação ou injúria – cometidos pela internet, mas não quis comentar sobre os demais assuntos do projeto.
O pacote aprovado excluiu as principais propostas de Moro, como a prisão após condenação em segunda instância e o excludente de ilicitude para policiais.
Entre os pontos que agradaram o ministro estão a vedação da progressão de regime a presos ligados a facções criminosas, a proibição das saídas temporárias em casos de crimes hediondos com morte e a execução imediata da prisão após condenação do Tribunal do Júri, para penas maiores que 15 anos.