Brasil dá vexame na ONU e defende assassinos de Floyd

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Foto: Reprodução/Twitter

O governo brasileiro saiu ao resgate do presidente Donald Trump na ONU e alertou que não se pode singularizar uma só região ou país do mundo ao tratar do racismo.

A declaração do Itamaraty foi feita durante uma reunião extraordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta quarta-feira, convocada para debater a violência policial e o racismo diante da morte de George Floyd, nos EUA. O governo brasileiro não dirigiu sequer uma palavra de apoio à família da vítima e preferiu indicar que era necessário também reconhecer o papel da polícia.

A proposta do grupo de países africanos era de que a ONU concluísse o encontro com a criação de uma comissão de inquérito internacional para investigar os crimes cometidos nos EUA e em outros países que vivem a mesma situação.

O voto deveria ocorrer nesta quarta-feira. Mas a resistência do Ocidente em aceitar a proposta adiou o processo para amanhã. Para os aliados americanos, não há motivo de singularizar apenas um país e uma eventual resolução deveria apenas trazer considerações gerais. “O que vai ser necessário para que vocês entendam que isso é importante?”, atacou a relatora da ONU para racismo, Tendayi Achiume. “Se a resolução não passar, isso vai mostrar que vidas negras não importam”, alertou.

O Brasil foi um dos países que sinalizou que o resultado final do encontro não deve apontar o dedo apenas para um país, numa estratégia de garantir que uma eventual resolução seja aguada.

“O racismo não é exclusivo a nenhuma região específica”, afirmou a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. Segundo ela, trata-se de um problema “enraizado em diferentes partes do mundo, afetando uma ampla proporção da humanidade”. “Nenhum país deve ser singularizado nesse aspecto”, defendeu.

Ela também adotou uma postura de reconhecimento do papel da polícia, amplamente criticada em praticamente todos os discursos. “A discriminação racial na ação policial não deve ser tolerada em nenhum lugar do planeta. Admitir essa verdade deve nos fornecer uma base sólida para as melhorias necessárias”, disse. Mas completou: “a conscientização é tão importante quanto reconhecer o papel indispensável das forças policiais para garantir a segurança pública e proteger o direito a uma existência pacífica e segura, o direito à própria vida”.

Com frases amplas, ela garantiu que o racismo “não tem lugar no mundo hoje” e que o Brasil “luta” contra tal violação. Mas deixou claro que espera que o encontro na ONU não polarize ainda mais a comunidade internacional. O recado foi interpretado como um sinal de que não se aceitaria uma resolução que aprofundasse a crise entre os EUA e a ONU.

“É nosso dever falar contra o racismo. Espero que possamos fazer de uma forma que nos una e não que nos divida ainda mais, num mundo já polarizado”, defendeu.

O Brasil ainda aproveitou o evento para defender sua resposta à pandemia. “Enfrentamos tempos difíceis. A pandemia da COVID-19 provou ser um catalisador para o agravamento das muitas condições subjacentes que afetam negativamente a promoção e a proteção dos direitos humanos. O racismo é um deles. A resposta do governo brasileiro à pandemia compreende medidas que visam beneficiar toda a população do país, a fim de evitar qualquer tipo de discriminação racial”, afirmou.

O governo brasileiro, porém, não aderiu a uma declaração conjunta de vários países latino-americanos que alertaram que o estado tem “responsabilidades” diante de crimes. O grupo que contou com Argentina, México, Uruguai e vários outros ainda criticou o “abuso de força policial” e pediu que governos estabeleçam “diálogo com sociedade civil”.

O encontro na sede da ONU e Genebra está sendo marcado por declarações contra a discriminação. Mas, politicamente, a reunião se transformou em um retrato do racha da comunidade internacional.

Pressionados, os africanos foram obrigados a abandonar a ideia de uma comissão de inquérito, algo inédito contra um país ocidental. Mas, ainda assim, pedem que a apuração seja realizada por Michelle Bachelet, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos. Eles também querem que a ação de governos contra jornalistas e manifestantes seja examinada pela ONU.

No Itamaraty, uma ala próxima ao chanceler defende que o Brasil seja contrário ao projeto. Pelo menos dois motivos estariam pesando. O primeiro deles se refere à aliança entre Brasília e a Casa Branca. Washington vem pressionando governos a barrar o projeto no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Mas o governo brasileiro também teme que, se aprovada, a comissão de inquérito também poderia analisar o comportamento da polícia brasileira, alvo de duras críticas internacionais. No Planalto, a ideia de colocar em questão a atuação das forças policiais está fora de questão.

Bachelet, assim como seus antecessores no cargo, criticaram em diversas ocasiões a violência policial no Brasil, o que levou o presidente Jair Bolsonaro a criticar a ex-presidente do Chile.

A votação, assim, se transformou em um teste internacional e doméstico importante para o governo brasileiro. Nos bastidores, a hesitação do governo em sair em apoio explícito ao projeto dos africanos já gerou uma onda de protestos, pressões e cobranças.

Durante a conferência, o irmão de George Floyd, Philonise Floyd, fez um apelo para que governos “ajudem a trazer justiça” para afro-americanos. “Eu estou pedindo para que vocês ajudem os negros nos EUA”, disse.

“Espero que vocês considerem estabelecer uma comissão de inquérito para investigar a morte de negros por policiais nos EUA”, pediu.

Numa declaração emocionada, ele ainda insistiu: “meu irmão for torturado até a morte, no meio da rua”. “O policial queria dar uma lição: vidas negras não importam nos EUA. Ninguém foi expulso até que protestos ocorreram. E quando protestos ocorreram, foram recebidos por uma polícia brutal. Foram silenciados e mortos”, disse Philonise.

Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, afirmou que o “ato de brutalidade gratuita (contra Floyd) passou a simbolizar o racismo sistêmico que prejudica milhões de pessoas de ascendência africana – causando danos perversos, diários, de vida, geracionais e muitas vezes letais”.

“Tornou-se emblemático do uso excessivo da força desproporcional pela aplicação da lei – contra pessoas de ascendência africana, contra pessoas de cor e contra povos indígenas e minorias raciais e étnicas em muitos países em todo o mundo”, disse.

“Os protestos de hoje são o culminar de muitas gerações de dor, e longas lutas pela igualdade. Muito pouco mudou, ao longo de muitos anos. Devemos aos que partiram antes, assim como aos que virão. Temos de aproveitar este momento, finalmente, para exigir uma mudança fundamental”, defendeu a ex-presidente do Chile.

Ela, porém, alertou: condenar atos de racismo não é suficiente. “Devemos ir além e fazer mais”, insistiu. “A paciência se esgotou”, disse. “As vidas negras são importantes. As vidas indígenas são importantes. A vida das pessoas de cor importa. Todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e direitos”, alertou.

“A escala dos protestos de hoje e a evidência de uma amplitude transcendente de apoio público apontam para uma mudança em nações cuja história tem sido entrelaçada com os males gêmeos da escravidão e do racismo – e nas quais, apesar da luta exemplar do movimento de direitos civis, nunca reconheceram plenamente seus danos ou erradicaram sua influência, alertou.

Bachelet pediu “ações decisivas em todo o mundo – não apenas para reformar ou reimaginar instituições específicas e agências de aplicação da lei, por mais importante que isso seja, mas para enfrentar o racismo generalizado que corrói as instituições do governo, que enraíza a desigualdade e está subjacente a tantas violações dos direitos humanos”. Isso inclui saúde, emprego, moradia, maus-tratos e outros desafios.

A chilena indicou, porém, que a atual violência racial, o racismo sistêmico e o policiamento discriminatório representam “a incapacidade de reconhecer e enfrentar o legado do tráfico de escravos e do colonialismo”.

“Para construir uma base mais sólida para a igualdade, precisamos entender melhor o alcance da discriminação sistêmica, com dados desagregados por etnia ou raça. Também precisamos reparar por séculos de violência e discriminação, inclusive através de pedidos formais de desculpas, processos de relato de verdades e reparações de várias formas”, sugeriu.

A alta comissária da ONU ainda aproveitou o evento para alertar sobre a violência policial pelo mundo. “Muitos questionam agora também o papel omnipresente do policiamento em algumas sociedades, onde a polícia é chamada a atuar como gestora de crises, conselheira e assistente social e muito mais – em parte devido a cortes no orçamento dos serviços públicos essenciais para o bem comum”, afirmou.

“Preocupações como estas estão levando a questões mais fundamentais sobre se precisamos reconstruir a partir do zero, ao invés de apenas reformar de forma pacífica, as abordagens de policiamento em nossas sociedades”, defendeu.

“Os atos de má conduta por parte dos policiais devem ser imediatamente investigados, sancionados ou processados, com base em padrões internacionais”, pediu.

Sem citar nomes de países, ela ainda criticou “o uso excessivo da força contra manifestantes pela polícia, inclusive durante protestos totalmente pacíficos. Todos esses incidentes devem ser investigados e os responsáveis devem ser levados à justiça”.

O debate na ONU gerou reações de diferentes organizações e governos. A União Africana pediu que o debate não se limite a uma morte e que a “discriminação estrutural” seja investigada. “Esperamos que esse seja um momento crucial na história”, defendeu o bloco.

A República Centro-Africana, falando em nome de todos os governos do bloco, afirmou que é “inaceitável” que ainda uma parcela do mundo tenha de lutar para que seus direitos sejam reconhecidos.

Para a UE, porém, alertou que o racismo “ocorre em todo o mundo”, um recado de que é contra uma resolução que cite especificamente os EUA. “Precisamos olhar para nossas próprias almas”, disse o bloco.

Enquanto isso, o governo da Venezuela citou a relação do governo americano com o Ku Klux Klan e insistiu sobre o “caráter fascista” de Donald Trump. O governo americano não participou do encontro.

A Human Rights Watch, por exemplo, apoiou o estabelecimento de um inquérito independente e imparcial para tratar de questões de racismo sistêmico e violência policial nos EUA. A entidade ainda pediu que todos os estados apoiem a resolução.

“A morte brutal e sem sentido de George Floyd por policiais nos EUA desencadearam, com razão, expressões globais de indignação. Como a Human Rights Watch tem sublinhado, a morte de George Floyd não foi um incidente isolado, mas o último de uma longa história de assassinatos de negros pela polícia nos EUA, com pouca ou nenhuma responsabilidade”, disse.

Caso não haja um acordo, a entidade alerta que o Conselho corre o risco de perder credibilidade.

“Problemas sistêmicos exigem soluções sistêmicas. A realidade é que as questões de violência policial e racismo sistêmico têm sido levantadas repetidamente com vários governos dos EUA ao longo dos anos. Cada administração americana se comprometeu a fazer mais, e cada uma claramente não cumpriu com suas obrigações internacionais”, disse.

Nenhum Estado, por maior ou mais poderoso que seja, deve ser isento do exame do Conselho. O racismo sistêmico e a violência policial nos EUA chegaram a um ponto crítico, levando a protestos globais e fundamentando o chamado para um debate urgente”, afirmou a entidade. “Não desperdicemos este momento para garantir que a morte desnecessária de George Floyd inicie um processo de profunda mudança estrutural”, completou .

Uol