2013 só produziu lideranças fortes na extrema-direita

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Foto: Editoria de Arte/O Globo

A militância que uniu milhares de brasileiros nas ruas em junho de 2013 deu lugar a trajetórias e a interpretações tão variadas quanto discrepantes sobre aqueles eventos uma década depois. Algumas lideranças que emergiram dos protestos pelo Brasil mantiveram o ativismo, mesmo que por caminhos distintos: membros do Movimento Passe Livre (MPL), que convocaram protestos em diferentes cidades do país, por exemplo, saíram dos holofotes, e outros nomes que defendiam pautas diferentes — à direita e à esquerda do espectro político — tentaram a carreira nas urnas.

Deputada federal em segundo mandato por São Paulo, Carla Zambelli (PL-SP) classifica junho como o “despertar” da direita. Fundadora do grupo NasRuas em 2011, ela se juntou aos atos de 2013 para protestar contra a corrupção. A divergência de pautas foi representada por um cartaz do grupo que se tornaria mote dos protestos: “Não é por 20 centavos”. Nos anos seguintes, ela entrou de cabeça em manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff e aproximou-se de Jair Bolsonaro, liderando a tropa de choque bolsonarista no governo do ex-presidente.

— Aqueles episódios foram o despertar. Tínhamos feito manifestações no 7 de Setembro de 2011 e 2012, mas em 2013 foi diferente — diz ela.

Outros nomes à direita que ganharam projeção nas redes sociais não tiveram o mesmo sucesso eleitoral. Marcello Reis, do Revoltados Online, seguiu na militância digital, fora dos principais palcos. Fundada em 2004, a marca conseguiu catalisar a convocação para os atos em sua página no Facebook. Cinco anos depois, ele tentou se eleger deputado estadual pelo PTB, sem sucesso, e hoje segue com páginas na internet com críticas estridentes à esquerda e apoio a Bolsonaro, sem a mesma repercussão.

Leonardo Péricles, por sua vez, ex-militante do movimento estudantil de Belo Horizonte, começava a atuar na luta por moradias quando os protestos eclodiram. Articulando ativistas, ele se engajou para levar a esquerda às ruas e tentar diminuir a orientação à direita dos atos.

Foi durante aquele mês que Péricles e seus companheiros tiveram a ideia de fundar um partido. Por isso, considera a Unidade Popular a única sigla herdeira das Jornadas de Junho — e um “resultado à esquerda” daqueles atos, em contraponto às “classes dominantes que sequestraram as grandes bandeiras dos protestos”, segundo avalia:

— Isso tudo levou ao golpe institucional de 2016, ao brutal processo de retirada de direitos com a reforma trabalhista, da Previdência e o teto de gastos, e fortaleceu o fascismo e a extrema-direita em nosso país.

Entre integrantes do MPL, prevalece a avaliação de que as manifestações tiveram resultado positivo. Um dos rostos públicos do grupo foi o de Lucas Monteiro, o Legume, que dez anos atrás representou o movimento em entrevista no “Roda Viva”, da TV Cultura, ao lado de Nina Cappello. Hoje aos 39 anos, ele rechaça análises que, assim como Péricles, traçam um elo entre o movimento de 2013 e o impeachment de Dilma:

— Quem diz isso esquece que em 2014 o PT ganhou uma eleição. O PT se mostrou incapaz de dialogar em 2013 e ajudou a reprimir a mobilização junto à direita tradicional. Abriram espaço para outros grupos tentarem se apropriar daquela energia popular. É daí que se forma o MBL, que tentou roubar nossa sigla, e o Vem Pra Rua, que tentou roubar nossa chamada.

Lucas avalia que, para além da reversão do aumento na tarifa dos ônibus, os protestos também trouxeram a discussão sobre acesso ao transporte para o centro do debate:

— Hoje falar de tarifa zero é uma coisa comum, ninguém tocava no assunto em 2006. O passe livre estudantil e a liberação do transporte nas eleições do ano passado mostram que houve uma transformação significativa. A população entende que o preço da passagem é um meio de excluir o direito das pessoas à cidade.

O êxito pela redução da tarifa não veio fácil. E nem sem custos. Em São Paulo, parte dos integrantes do MPL foi alvo de um inquérito aberto para apurar suposta associação criminosa. No Rio, 23 militantes foram denunciados e três tiveram a prisão preventiva decretada, dentre eles Elisa Quadros Pinto, a Sininho.

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Conhecida pela tática “black bloc”, de atacar o patrimônio público e privado para dar visibilidade à causa, Sininho ficou foragida por cerca de seis meses, até conseguir uma decisão judicial que substituiu sua prisão pelo comparecimento mensal em juízo — o que a militante precisa cumprir até hoje. Seu namorado, Luiz Rendeiro, também um rosto conhecido dos atos de 2013, morreu em março deste ano. Procurada, Sininho não quis dar entrevista.

— A gente fez o melhor que podia, paramos as nossas vidas. Quem vê close não vê corre, né? E junho de 2013 foi um close danado, que só ocorreu após um corre de muitos anos dedicados a plantar essas sementes. Hoje eu me indigno muito em ver gente como a Elisa, que é uma das pessoas mais queridas que já conheci, nessa situação — diz Mayara Vivian, uma das porta-vozes do MPL nos protestos.

Há dez anos, o militante Rafael Siqueira foi parar no hospital por conta de uma crise de estresse. Ele integrava o MPL desde 2006, tinha histórico longo de participação em manifestações, inclusive nas que pediram o impeachment de Fernando Collor em 1992, mas foi obrigado a se afastar das ruas em junho de 2013.

— Atacaram muito a gente, eu não conseguia me conformar. A gente não percebia, mas estava sofrendo um massacre psicológico. Tenho orgulho por ter ajudado o MPL a ser um catalisador sem ter a ambição de falar em nome das pessoas — diz.

Parte dos ataques lamentados por Rafael surgiu por conta de manifestantes que promoviam destruição. Também foi sob o pretexto de punir e evitar o quebra-quebra que as forças de segurança de vários estados repreenderam violentamente manifestantes, o que foi seguido pela abertura de investigações como as feitas em São Paulo e no Rio.

— Queriam nos crucificar porque quebraram a porta de um banco, porque colocaram fogo em pneu. Esperavam o quê? Que se pedisse por favor? Seria se oferecer para tomar um golpe na cabeça — rebate o militante.

Rafael e Mayara estiveram entre os manifestantes recebidos por Dilma no Palácio do Planalto em 24 de junho de 2013, evento do qual ambos dizem guardar o sentimento de “frustração” e a lembrança de que a petista não atendeu aos pedidos do grupo.

Afastado desde 2015 do MPL, Rafael diz que ainda interage com integrantes do movimento, mas que evita influenciar nas decisões do grupo e ser “a sombra de quem estava lá em 2013”. Aos 48 anos, o ex-militante hoje dá aulas de música. Mayara, agora com 33 anos, deixou o grupo em 2016, mas diz que segue como “apoiadora”. Geógrafa e corintiana, como se define, trabalha num centro cultural de São Paulo. Lucas Monteiro também distanciou-se do movimento, em 2015, e hoje é professor de História em uma escola do ensino fundamental. Diz que não aborda em sala de aula os acontecimentos de junho de 2013.

As ruas também se tornaram palco para ativistas que se tornaram personagens folclóricos. No Rio, o “Batman do Leblon” ou “Batman dos protestos” era presença certa nos atos. O “super-herói” era encarnado pelo protético Eron Morais Melo, que usou a fantasia para chamar atenção para a pauta contra a corrupção.

Em 2014, Eron seguiu participando de manifestações contra a presidente Dilma Rousseff. Foi quando se tornou apoiador de Jair Bolsonaro, com quem participou de atos nas ruas. Em 2016, chegou a se lançar como candidato pelo PSC com o nome de urna “Eron Batman dos Protestos”, mas não foi eleito.

Antes mesmo das eleições de 2018, Batman deixou de apoiar Bolsonaro e se tornou crítico do ex-presidente. De lá para cá se desencantou com a política e hoje faz trabalhos voluntários fantasiado de Batman.

O Globo