Articulista ataca Dilma e Marilena Chaui por criticarem junho de 2013

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Foto: Evaristo Sá/AFP

Muito tem sido dito e escrito sobre as manifestações de 2013. Efemérides são convites à reflexão das causas e das consequências de eventos marcantes de nossa história. Ao lembrar os dez anos das jornadas de junho, é bom dar atenção para aquela que esteve no centro do redemoinho: Dilma Rousseff.

Ao escrever o prólogo da coletânea “Junho de 2013: a rebelião fantasma”, que acaba de sair pela Boitempo, a ex-presidente oferece a sua interpretação daquele ponto de inflexão em seu governo.

Para Dilma, os protestos foram uma oportunidade bem explorada pelas “elites internas e seus sócios internacionais”, utilizando “meios muito superiores de comunicação, além de recursos financeiros”, de transformar as legítimas reivindicações por serviços públicos melhores e mais baratos num movimento contra o seu governo.

A leitura de Dilma repete a interpretação, bastante disseminada entre intelectuais mais à esquerda, de que em junho de 2013 foi introduzido aquilo que, segundo a filósofa Marilena Chauí, seria o “ovo da serpente” da extrema direita, num contínuo que passa pelo impeachment em 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018.

Na mesma coletânea em que consta o breve texto de Dilma, porém, a cientista política Camila Rocha demonstra como os movimentos da ainda incipiente direita brasileira tiveram limitado impacto na atração de pessoas para a rua e na definição das pautas dez anos atrás.

Segundo a autora do ótimo “Menos Marx, Mais Mises” (Todavia, 2021), “as direitas não precisaram de junho de 2013 para chegar ao poder”.

Num dos grandes lançamentos do ano, o professor e ensaísta Roberto Andrés, em “A Razão dos Centavos: crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013” (Zahar), apresenta um interessante exercício que também refuta a teoria de que os protestos foram capturados pela extrema direita. Analisando 4.128 fotografias tiradas em mais de quarenta cidades durante as passeatas, Andrés demonstrou como era difusa a pauta dos participantes, expressa nos cartazes empunhados pelos presentes. O que começou com uma predominância do tema do transporte público (o passe livre e os famosos “20 centavos”) rapidamente se disseminou para um mosaico (ou um feed de redes sociais, como prefere o autor) de questões.

Segundo o levantamento de Andrés, à medida em que as ruas foram se enchendo de gente Brasil afora, muitas outras reivindicações começaram a aparecer nos cartazes, como saúde, educação, diretos das mulheres e da população LGBTQIA+ e, em tempos de Copa da Confederações em estádios superfaturados, corrupção.

Mensagens críticas ao PT, a Dilma ou a Lula não passaram de 1,5% do total das menções – o que refuta de modo definitivo a tese do sequestro de junho de 2013 pela extrema direita.

“A rua não age, reage”, destaca a socióloga Angela Alonso logo nas primeiras páginas de “Treze: a política de rua de Lula a Dilma” (Companhia das Letras), outro livro indispensável para quem quiser entender as tensões, as origens e – embora não seja esse o objetivo da obra – as consequências daquele momento. Num relato frenético do dia a dia das manifestações em todo o país, a professora da USP e ex-presidente do Cebrap mostra como, ainda nos dois primeiros mandatos de Lula, as ruas começaram a ser ocupadas por novos coletivos de esquerda progressistas que se decepcionaram com a “modernização conservadora” do PT no poder.

Do “meu corpo, minhas regras” à Marcha da Maconha, tendo Chiapas e Seattle como inspiração, protestos anteriores a junho de 2013 já eram puxados por jovens com maior identificação com o Psol e o PSTU do que com o PT e com demandas sobre políticas públicas que tinham mais a ver com o MTST do que com a CUT. O Movimento Passe Livre, detonador das jornadas, tinha esse espírito.

Com o transcorrer dos protestos, e após a desmesurada repressão policial, as ruas e praças foram atraindo cada vez mais gente, muitos completamente novatos nesse tipo de ativismo. Milhões de pessoas nas ruas, milhares de novas demandas. É nesse momento que a pauta da corrupção ganha força, num contexto histórico bem particular: a realização da Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo de futebol. O resto é História.

“As respostas institucionais produziram uma desmobilização apenas momentânea e junho não acabou em junho”, diz a pesquisadora.

De volta à Presidência, Lula tem feito acenos aos movimentos progressistas: montou um ministério mais diverso, com agendas mais contemporâneas e a ampliação dos conselhos sociais. Só não disse como atenderá a seus pleitos, tendo em vista sua base frágil num Congresso muito conservador.

E por falar em conservadorismo, Lula não tem aberto diálogo com os grupos que dominam as ruas desde junho de 2013 – os “patriotas” que têm aspirações também legítimas no campo da economia e da moral pública e privada.

Como alerta Angela Alonso no final do livro: a eleição de Bolsonaro foi ”o desfecho não planejado, não vislumbrado e indesejado pela maioria dos que foram à rua pedir mudança”.

Reduzir junho de 2013 a um movimento capturado pela extrema direita demonstra uma interpretação muito equivocada do Brasil atual. Dilma já mostrou que não entendeu nada. Resta saber se Lula aprendeu alguma coisa nesses últimos dez anos.

Valor Econômico