Partidos atuam para manter mulher longe da política
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Com dificuldades para cumprir a cota de candidatas em eleições recentes, líderes partidários passaram a apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê reserva de vagas a mulheres nas casas legislativas. A medida funcionaria como uma compensação para acabar ou flexibilizar a cota para candidaturas femininas, que prevê a obrigação de um percentual mínimo de 30% nas chapas que concorrem a vagas de vereador ou deputado.
Na prática, a intenção dos parlamentares é retirar a responsabilidade de os partidos lançarem mulheres nas eleições. Assim, caso uma sigla decida concorrer apenas com candidatos homens, não sofreria qualquer punição. Em contrapartida, concorreria a um número menor de vagas.
Dados do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA Internacional), com informações sobre 131 países, revela que o modelo discutido no Congresso não é comum em outros países. Em parlamentos equivalentes à Câmara dos Deputados, a maioria adota cotas para candidaturas femininas — formato em vigor no Brasil — e não a reserva de vagas.
Relatada pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), a PEC prevê um percentual mínimo de cadeiras reservadas a mulheres no legislativo — Câmara dos Deputados, assembleias e câmaras municipais —, mas esse número ainda está indefinido. A ideia inicial era que começasse em 10% em 2024, aumentando progressivamente nas eleições seguintes até chegar em 16%. Líderes partidários ouvidos pelo GLOBO, contudo, afirmam que o mais aceito é 15% das cadeiras obrigatoriamente reservadas às mulheres.
O percentual, contudo, fica abaixo da representação atual da Câmara (18%, com 91 deputadas entre os 513 parlamentares) e da proporção de vereadoras eleitas em 2020 (16%). Uma nota técnica publicada em 2021 pelo Fórum Fluminense Mais Mulheres na Política, que reúne instituições voltadas para o debate de gênero no estado do Rio, já havia alertado que uma reserva de 15% teria impacto tímido nas três esferas — federal, estadual e municipal — e poderia até gerar redução de quadros, se fosse aplicada nas eleições de 2018 e 2020.
Os que defendem o percentual, por outro lado, alegam que em muitas cidades do país não há sequer uma mulher vereadora e a mudança teria um efeito significativo em cascata ao longo dos anos.
— Eu defendo que a gente estude ter, em vez de cotas para candidaturas femininas, vagas de mulheres no parlamento, nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara Federal. Acho que esse é o grande avanço — afirmou ao GLOBO o presidente do MDB, Baleia Rossi.
Ao todo, apenas 28 países adotam um número mínimo de cadeiras, segundo o IDEA Internacional, enquanto 69 países fixam cotas femininas nas listas de candidatos. Outras 31 nações não contam com cotas. O primeiro grupo, que aposta na reserva de vagas, é formado sobretudo por países que não são modelos internacionais de democracia e equidade. Caso da China, que não tem eleições diretas para a Assembleia Popular Nacional, e conta com uma reserva de 22% de vagas para mulheres.
Levantamento do GLOBO aponta que, entre os países que adotam o percentual nas candidaturas na América Latina e na Europa, o exigido costuma chegar a 50% ou próximo de uma paridade. O Brasil, que exige 30%, tem hoje um dos piores indicadores de participação feminina em parlamentos nacionais no mundo. O país é o 133º entre 187 nações em um ranking da União Interparlamentar, organização criada para promover a integração e a cooperação de parlamentares.
Professora e coordenadora do Programa Diversidade da FGV Direito Rio, Lígia Fabris destaca que o Brasil registrou alta mais expressiva na representação feminina nos últimos anos, mudança que foi possível com a determinação de destinação proporcional de recursos de campanha a partir de 2018. O acesso mais equilibrado ao fundo eleitoral, explica, é central para aumentar as chances de eleição.
A pesquisadora defende que a proposta debatida no Congresso representa um retrocesso e ressalta que não há nenhum país no mundo com cota feminina de 15% para assentos ou candidaturas.
— O mínimo de 30% foi um parâmetro nos anos 1990. O México foi um dos pioneiros ao adotar a paridade e outros países na América Latina o seguiram. Nós só não estamos seguindo essa tendência como discutimos regredir. Há uma tentativa de manter a política como espaço exclusivo de domínio de homens brancos e héteros e de ter um mecanismo para fraudar a determinação de repasse proporcional de recursos.
A PEC já passou pelo Senado e foi aprovada em duas comissões da Câmara, mas está parada desde 2021. Nas últimas semanas, a medida voltou a ser discutida em reuniões de lideranças, com a participação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que prometeu levá-la ao plenário nas próximas semanas. Para valer em 2024, precisa ser promulgado antes de outubro. A proposta tem o apoio no PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
— Devemos ter uma reserva mínima e constitucionalizar isso — disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Por outro lado, enfrenta resistência de parlamentares da oposição, que não veem a reserva de vagas como solução para aumentar a participação feminina na política.
— Partidos precisam dar chance, condições e dinheiro para as mulheres concorrerem e participarem da política. Agora, obrigar, de qualquer forma, sou contra — diz a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) ao GLOBO.
Embora a intenção seja criar a reserva de vagas, ainda não há definição de que forma o fim ou a flexibilização das cotas de candidaturas ocorreria, tampouco o valor reservado a elas no Fundo Eleitoral. Uma das possibilidades seria alterar as regras na minirreforma eleitoral discutidas em um grupo de trabalho criado na semana passada por Lira.
O relator da minirreforma, deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA), no entanto, nega que seu texto vá discutir cotas de gênero nas eleições. Até o momento, Pereira Júnior apresentou um plano de trabalho no qual elencou oito temas que devem ser tratados pelo projeto, sem detalhar quais serão as mudanças que pretende fazer na lei eleitoral.
Outro ponto debatido pelos partidos é uma mudança na lei que impeça a Justiça Eleitoral de definir novas regras às vésperas das eleições. Dirigentes citam como exemplo as resoluções que impuseram as cotas de candidaturas negras em 2018, estabelecida em julho daquele ano.
Essa questão é tratada em outra proposta em tramitação no Congresso. O Código Eleitoral, com quase mil artigos, aprovado já pela Câmara, define o princípio da anualidade para as resoluções da Justiça. Elas teriam de entrar em vigor com ao menos um ano de antecedência para ser válida em determinada eleição.