Brasil crescerá menos que os países emergentes
Depois da mais brutal recessão de sua história recente e uma das mais lentas recuperações, a economia brasileira ainda vai crescer abaixo de seus pares emergentes nos próximos anos, com risco de um desempenho ainda mais tímido caso o país se limite às reformas econômicas já aprovadas.
Para analistas, as reformas em curso são importantes, mas insuficientes para sozinhas gerar maior potencial de crescimento. Se quiser aumentar o PIB potencial —afetado também por questões demográficas—, o país precisa dar um salto em condições de negócio, produtividade e qualidade da educação, além de desfazer o emaranhado de leis para regulação tributária e flexibilizar mais as regras trabalhistas.
Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil cresceria, em média, 2,3% ao ano entre 2021 e 2024. No mesmo período, os emergentes como um todo avançariam 4,8% ao ano.
Entre 2011 e 2020, o Brasil deverá marcar taxa média anual de expansão de 0,8%, ante 4,8% dos emergentes —ambos números do FMI. A Fundação Getulio Vargas (FGV) estima que, confirmadas as estimativas para 2019 e 2020, o Brasil terá a pior década de sua história econômica, com base nos registros do Ipeadata.
No intervalo entre 2001 e 2010, o crescimento dos emergentes (+6,3% ao ano) foi 1,7 vez maior que o do Brasil (+3,7%).
Os juros estratosféricos, que chegaram a superar 40% ao ano no começo dos anos 2000, a limitação de crédito, a política fiscal expansionista e as dificuldades para investimento estiveram entre as principais causas para essa performance aquém da média de seus pares.
E mesmo reduzindo essa diferença nos próximos anos —os emergentes deverão crescer em média duas vezes mais que o Brasil entre 2021 e 2024, ante 6,3 vezes mais entre 2011 e 2020—, a maior economia da América Latina ainda precisará lidar com obstáculos nada triviais.
“Tem uma questão muito latente do lado trabalhista, que é o risco de judicialização. A forma como o governo financia Estados e municípios, produtividade e facilidade de negócios também são pontos a serem tratados”, afirmou Fabio Ramos, economista do UBS no Brasil.
Estudo Doing Business 2020, publicado pelo Banco Mundial, mostrou que o Brasil caiu 15 posições frente à edição de 2019, para o 124° lugar no ranking de facilidade de negócios, dentre 190 países. O Brasil fica atrás de China (31°), Chile (59°), México (60°), Índia (63°) e de El Salvador, Namíbia e Uganda —estes últimos alguns dos mais pobres do mundo.
Para além dessas variáveis, Ramos elencou a necessidade de reforma tributária. “Não é só cortar impostos, é acabar com subsídios, liberar a economia, destravá-la”, completou.
A reforma tributária tem ainda engatinhado, com divergências dentro do próprio governo sobre pontos —o mais polêmico deles sendo a volta de um imposto nos moldes da antiga CPMF.
O UBS calcula que, sem reformas que melhorem ainda a produtividade e elevem a qualificação de mão de obra, o PIB potencial sairia da faixa estimada atualmente pelo banco, entre 2% e 2,5%, para até 1,5% —menor inclusive do que a taxa de expansão esperada pelo mercado para 2020.
Mesmo o ineditismo dos juros nas mínimas históricas é tido como um elemento que gera alguma incerteza, com até o Banco Central reconhecendo que os efeitos dessa realidade ainda demandam estudos e espera.
Integrantes da equipe econômica admitem a necessidade de aprofundar e ampliar o escopo da agenda reformista. Em evento no Rio de Janeiro nesta sexta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o crescimento sustentado no Brasil exige investimento em saúde, educação e tecnologia.
Nesta semana, dados do Pisa —Programa Internacional de Avaliação de Alunos), conduzido pela OCDE— mostraram os estudantes brasileiros na ponta de baixo da tabela em termos de aprendizado, bem atrás de pares como China (que lidera a lista), México e Chile.
Entre as reformas já aprovadas, as mudanças em regras para aposentadorias são entendidas como a mais relevante no âmbito macro dos últimos anos, mas têm efeito prático apenas de não deixar que o país entre em colapso fiscal definitivo. O caos derradeiro nas contas públicas comprimiria ainda mais o já menor PIB potencial brasileiro e poderia amarrar o país a uma década de estagnação, na melhor das hipóteses.
“A reforma da Previdência é muito importante para endereçar esse ponto (fiscal), mas não tem conexão com crescimento potencial e produtividade”, disse Luka Barbosa, responsável pela cobertura de atividade econômica no Brasil do Itaú Unibanco.
O Itaú calcula que, atualmente, o PIB potencial estaria entre 1,5% e 2% ao ano, patamar bastante modesto, especialmente considerando a recessão sofrida pelo Brasil nos últimos anos.
Pela mais recente pesquisa Focus —conduzida pelo Banco Central e que compila estimativas do mercado—, a economia deve crescer 0,99% neste ano, abaixo das taxas de 1,3% de 2017 e 2018. Para 2020, o prognóstico melhora para 2,22%.
José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), listou três pontos que, para ele, impedem o país de alcançar na década de 2020 um crescimento sustentado.
Segundo ele, o nível disponível no orçamento público para investimento em infraestrutura é baixo, diante das restrições impostas pelo engessamento das despesas e pela regra do teto de gastos, que limita o crescimento do gasto público à inflação do ano anterior.
Oreiro também aponta a desindustrialização da economia doméstica. “Como a indústria é o setor com maior encadeamento, para frente e para trás, na estrutura positiva, uma indústria não só andando de lado, como caindo, reduz a capacidade de crescimento da economia pelo lado da oferta”, analisou.
Por último, ele alerta para o comportamento do déficit em conta corrente. Nos 12 meses até outubro, o rombo já é de 3% do PIB —pior dado desde dezembro de 2015 (-3,03%)—, com uma economia que ainda está em processo de recuperação.
“Uma aceleração do crescimento vai levar à uma explosão do déficit em conta corrente, o que vai levar a uma crise cambial… O Brasil está reeditando o velho problema de estrangulamento externo no crescimento”, disse.
MELHOR CENÁRIO
A favor do Brasil neste momento estão os juros nas mínimas históricas, a agenda reformista e a busca por uma reviravolta na matriz econômica —com maior participação do setor privado e menor fatia do dinheiro público.
No cenário mais benigno —aquele que contempla aprovação de várias outras reformas—, o país poderia crescer entre 3% e 3,5% nos próximos anos, segundo cálculos do Itaú Unibanco, considerando a medida do PIB potencial (crescimento sem gerar inflação).
Seria um patamar de expansão acima do esperado para este ano (+0,99%) e 2020 (+2,22%), com base em projeções do mercado financeiro.
“Estimamos um PIB potencial de 3,5% condicionado à implementação de um ajuste fiscal focado nos gastos e reformas microeconômicas”, disse o Itaú em estudo.
Essa taxa seria cinco vezes superior ao crescimento médio do Brasil nesta década, de 0,7%, conforme dados do IBGE.
O melhor dos cenários para o PIB nos próximos anos seria aquele que conjuga ajuste fiscal (em parte já promovido pela reforma da Previdência) e reformas microeconômicas.
O ajuste fiscal teria papel duplo de aumentar a poupança doméstica, o que eleva a capacidade de investimento pelo país, e garantir a sustentabilidade da dívida pública. Do lado micro, o foco, segundo os analistas, deve se voltar para abertura da economia, mudanças na estrutura tributária e regulatória e melhora na educação.
Um dos pontos mais destacados pelos economistas como fator necessário para o crescimento sustentável é a consolidação da mudança do indutor de crescimento —do setor público para o privado.
O número mais recente do PIB pareceu dar alguma esperança nesse sentido. A atividade cresceu 0,6% no terceiro trimestre contra o segundo, acima do esperado, com uma medida de investimento registrando a segunda alta trimestral consecutiva —o que não ocorria desde o começo de 2018.
“Sou otimista com o crescimento da economia nos próximos anos, com essa mudança de matriz, por exemplo, agora muito mais no setor privado do que no setor público”, disse Marcel Balassiano, pesquisador da FGV/Ibre.
Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, vai na mesma linha. Para ele, isso potencializa o mercado de trabalho e, consequentemente, o consumo. “Essas duas forças conjugadas vão acelerar o crescimento, e acho que isso já será perceptível, provável, a partir de 2021, com mais certeza em 2022.”