Argentina e Venezuela mostram que regulação da mídia não é panaceia

Opinião do blog

regulação mídia

 

Com a recente vitória de um imenso bloco conservador na disputa pela Presidência da Câmara dos deputados através da eleição de Eduardo Cunha, as previsões sombrias se sucedem. Não haveria mais união civil de pessoas do mesmo sexo, regulação da mídia, imposto sobre fortunas, financiamento público de campanhas e demais projetos progressistas.

Sem dúvida, fica difícil imaginar que um Congresso como esse que acaba de tomar posse vá avançar em direitos civis e medidas civilizatórias como pôr fim à farra de meia dúzia de barões da mídia que controlam todos os grandes meios de comunicação eletrônica, meios que que, ao fim e ao cabo, são os que contam.

Não há dúvida de que a pauta progressista entrará em recesso até 2019 ou até que o Brasil consiga eleger um Congresso menos reacionário. Todavia, é um erro achar que a regulação da mídia colocaria fim às trapaças e às manipulações políticas da direita.

A regulação comercial da mídia com a qual o segundo governo Dilma acenou é vital por levar o império da lei ao único setor em que hoje vige a mais completa bagunça. À diferença do que acontece nos países mais desenvolvidos do mundo, aqui uma família magnata pode controlar todo tipo de comunicação, tornando sua opinião quase uma lei.

Quando se fala em regulação da mídia, porém, surgem vários equívocos. Frequentemente, é confundida com censura – e não só pelos inimigos da regulação, mas, também, pelos seus adeptos. Quando a mídia faz alguma denúncia manipulada contra o governo, logo dizem que se Lula e Dilma tivessem regulado a mídia isso não estaria acontecendo.

Muitas pessoas sérias acabam entendendo que a regulação da mídia serviria para calar adversários do atual governo, que, agora – após 12 anos –, encampou esse projeto, ainda que sem condições políticas de levá-lo adiante.

A regulação da mídia que se propõe no Brasil, porém, é muito menos radical do que a que foi levada a cabo em países como Argentina ou Venezuela, cujas legislações chegam a prever alguma forma de controle de conteúdo sob critérios de responsabilidade dos meios de comunicação relativos ao que estes veiculam.

O projeto brasileiro, que ainda não está detalhado mas que tem sido discutido no âmbito do partido do governo e, em certa medida, pelo próprio governo, não toca em conteúdo, ficando restrito à regulação econômica. Ou seja: visa impedir o crescimento dos oligopólios midiáticos, Globo à frente.

O projeto brasileiro, porém, não visa reduzir o tamanho da Globo.Ninguém acredita que, a exemplo de Argentina ou Venezuela, o projeto-embrião do governo Dilma de regulação da mídia pretenda obrigar uma Globo a vender parte de seu império. O que se cogita é impedir que impérios como o da família Marinho continuem crescendo e concentrando propriedade de meios de comunicação.

Antes de prosseguir, vale dizer que é lenda que Lula e Dilma não regularam a mídia no passado recente porque não quiseram. Isso porque nunca houve essa possibilidade. Nas quatro legislaturas que tiveram governos do PT, o Congresso sempre teve maioria de deputados e senadores proprietários de meios de comunicação – alguns, proprietários de impérios de comunicação. É ilusão acreditar que sequer votariam um projeto que lhes dificultasse a vida.

Mesmo que, por algum milagre, fosse aprovado pelo Congresso um projeto de regulação da mídia, ele seria contestado por esta na Justiça, mais precisamente no STF, onde todos sabemos que essa mídia sempre vence em questões relativas à “liberdade de expressão”, forma (propositalmente) equivocada como a direita chama o oligopólio de meios de comunicação.

A Lei 26.522 de Serviços de comunicação audiovisual (Ley 26.522 de Servicios de Comunicación Audiovisual, popularmente conhecida como Ley de medios ou Lei da mídia, em português) foi promulgada em 10 de outubro de 2009 pela presidenta argentina, Cristina Kirchner. A guerra jurídica que a mídia argentina travou para não ter que se desconcentrar durou até o ano passado, quando o governo finalmente pôde obrigar os barões da mídia argentinos a se desfazerem de parte de seus impérios.

Claro que a lei argentina permitiu que uma infinidade de rádios e televisões fosse criada e passasse a ser controlada por setores populares, democratizando a comunicação. Porém, em termos políticos, a dita “Ley de Medios” não produziu grandes mudanças.

O governo Cristina Kirschner vai chegando enfraquecido ao fim de seu mandato. O bombardeio da mídia, mesmo desidratada, prossegue incólume e as centenas de rádios e tevês comunitárias criadas nos últimos anos não têm sido capaz de fazer frente aos grupos de mídia tradicionais, montados no dinheiro.

Agora mesmo, as investigações da morte do procurador Alberto Nisman, que pretendia processar a presidente Cristina Kirschner, estão provocando uma troca de acusações entre o governo e o jornal de maior circulação no país, o Clarín, que tem tido fôlego para manter esse governo na defensiva enquanto consegue provocar grandes protestos.

Na Venezuela tem ocorrido a mesma coisa. O governo Nicolás Maduro dificilmente seria eleito se as eleições fossem hoje e, em breve, terá que se submeter a um referendo revogatório, mecanismo da constituição chavista que permite que o povo seja chamado a opinar sobre a continuidade do governo vigente após o terceiro ano de mandato.

Durante o ano passado, com a mídia mais regulada da América Latina, esses veículos conseguiram promover o caos no país, instigando manifestações de jovens que ceifaram a vida de dezenas e dezenas de pessoas e afundaram ainda mais a economia.

Como se vê, regulação da mídia é uma medida civilizatória e no longo prazo pode – e deve – surtir efeito. Sem impérios de comunicação gigantescos como os que existiam nesses países, os argentinos têm hoje a possibilidade de ver novos veículos surgirem e crescerem. Porém, isso leva tempo. E não é pouco.

Diante dessa realidade, vemos que mesmo que o governo Lula, lá nos seus primórdios, tivesse conseguido regular a mídia, nada disso garantiria que hoje já não haveria manipulações midiáticas, até porque, pelo projeto brasileiro, os impérios de mídia não seriam obrigados a se desfazer de parte de seus vários tentáculos em incontáveis plataformas.

Ao fim, chegamos à mesma conclusão que James Carville, marqueteiro de Bill Clinton, tornou pública na campanha eleitoral de 1992, que o candidato democrata venceu: “É a economia, estúpido”. Ou seja: o estado da economia é o que determina a força ou a fraqueza política de um governo. Acima de qualquer outra coisa.

O que têm em comum Brasil, Argentina e Venezuela? A economia. Nos três países ela vai mal e não há regulação da mídia que resolva.

Note, leitor, que mesmo sem regulação da mídia Lula venceu duas eleições e fez a sucessora. Nas três vezes, praticamente com um pé nas costas. Ano passado, Dilma venceu por pouco simplesmente porque o país parou de crescer e, apesar de a população não sentir desemprego e arrocho salarial, diminuiu a euforia econômica com forte e progressiva melhora que havia.

Não estamos mal, mas paramos de melhorar a passos largos, como ocorria até 2010. Só isso tem bastado para predispor a população contra o governo.

Dizem que a mídia “conseguiu fazer a cabeça do povo”. Há dúvidas, porém, de que isso ocorreria se a economia estivesse “bombando” como aconteceu até 2010. Que corrupção que nada. O povo não deu bola para o julgamento do mensalão, no fim de 2012, e o PT foi o partido que mais conquistou prefeituras. Mas a economia estava melhor, ou as pessoas achavam isso.

De fato, é bem provável que a agenda progressista perca os próximos quatro anos. Porém, o mundo não acabou. O grande projeto da esquerda brasileira deveria ser colaborar para que a economia recupere o prumo. Com crescimento econômico e a continuidade das políticas trabalhistas e de redução da pobreza, na próxima legislatura tudo pode mudar.

Regulação da mídia é vital para qualquer nação. Não se pode dar a um pequeno grupo de interesse condições de impor suas “verdades” sem que alguém possa se contrapor com um mínimo de eficiência. Porém, é preciso que as pessoas entendam que os efeitos dessa regulação só se fazem sentir no longo prazo. Não resolve nada imediatamente.