Decreto de armas de Bolsonaro desrespeita a constituição

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Leia o texto de Fernando Hideo I. Lacerda

Decreto ilegal

O Estatuto do desarmamento (Lei 10.826/2003) diz que para adquirir e registrar uma arma de fogo o interessado deve demonstrar a EFETIVA NECESSIDADE.

Até hoje, cabia à Polícia Federal analisar se no CASO CONCRETO estava presente essa necessidade efetiva. O interessado deveria “explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça”.

Um sistema passível de críticas, mas racional.

Qual o truque ilegal e fraudulento do novo decreto do presidente e de seu ministro da justiça ?

A fraude é dizer em juridiquês que TODOS QUE MORAM NO BRASIL passam a ter a tal “efetiva necessidade” que justificaria adquirir uma arma de fogo.

Por óbvio, se TODOS possuem efetiva necessidade, o conceito de “efetiva necessidade” exigido pela lei deixa de existir.

Para quem não é da área jurídica, esclareço uma obviedade: um decreto presidencial só pode regulamentar a lei. É uma questão de hierarquia das normas: a Constituição é superior às leis, as leis são superiores aos decretos. Assim, todo decreto que modifique a lei é ilegal.

Detalhando a fraude legislativa:

1. O Estatuto do desarmamento diz que o interessado em adquirir arma de fogo deve demonstrar a EFETIVA NECESSIDADE (art. 4°).

2. O decreto antigo dizia que era responsabilidade do interessado “explicitar, no pedido de aquisição e em cada renovação do registro, os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pelo órgão competente segundo as orientações a serem expedidas em ato próprio”.

3. O novo decreto diz que para a aquisição de armas de fogo, considera-se presente a EFETIVA NECESSIDADE exigida pela lei em seis hipóteses. Acontece que, de todas as seis, apenas DUAS HIPÓTESES são relevantes, pois somente elas já são suficientes para alcançar TODAS as pessoas que moram no Brasil.

4. São elas: (i) “residentes em área rural” e (ii) “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública” (art. 12, §7°, III e IV).

5. O Atlas da violência mencionado pelo novo decreto demonstra que TODOS OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO apresentaram índice anual de mais de dez homicídios por cem mil habitantes. Portanto, todos os residentes em área urbana, em qualquer unidade federativa, estão contemplados nessa classe.

6. Assim, só existem duas situações possíveis para quem mora no Brasil: (i) ou residem em “área rural”, e por isso podem adquirir arma de fogo; (ii) ou residem em “área urbana localizada em Estado com mais de dez homicídios por cem mil habitantes no ano de 2016” (porque TODOS os Estados tiveram), e por isso podem adquirir arma de fogo.

7. Ou seja, como o presidente e seu ministro da justiça não têm coragem de dizer que TODOS QUE MORAM NO BRASIL pode ter uma arma de fogo, diz então que podem adquirir arma os “residentes em área rural” e os “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública”.

Em resumo, a lei diz que para registrar arma o interessado deve demonstrar a EFETIVA NECESSIDADE, enquanto o decreto — que apenas deveria regulamentar a lei, jamais alterar essa determinação — diz que TODOS que residem no Brasil possuem efetiva necessidade.

Sim, o novo decreto é pura enganação para dizer o que não poderia ter sido dito.

Essa é a verdadeira chicana.

Parabéns pra você que queria mudar o jeito de fazer política no país e elegeu o presidente e sua trupe. Não conheço nenhum exemplo de fraude jurídica maior do que esse decreto!

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