REUTERS/Adriano Machado

Guedes ‘amarga’ exportações em baixa e ‘boicotes’

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A desaceleração da economia global começou a afetar as exportações brasileiras, que encolheram de janeiro a julho, depois de crescerem por três anos consecutivos nesse período, segundo dados do Ministério da Economia. No período, as vendas de produtos para o exterior somaram US$ 130 bilhões, contra US$ 136,34 bilhões no mesmo intervalo de 2018, um recuo de 4,7%. A queda, de US$ 6,34 bilhões, é a segunda maior da década para o período. Redução nos embarques de manufaturados, principalmente de automotivos para a Argentina, e queda sazonal no preço das commodities explicam a queda, mas o futuro das exportações preocupa por outra razão: possíveis boicotes a produtos brasileiros.

Entre os manufaturados, enquanto o país embarcou o equivalente US$ 48,19 bilhões entre janeiro e julho de 2018, este ano, o valor ficou em US$ 45,02 bilhões, no mesmo período. A Argentina foi a maior responsável pela queda da demanda, sobretudo por conta da baixa drástica de quase 80% na importação de automóveis e peças para veículos produzidos em solo brasileiro. De forma geral, a participação do vizinho nas exportações do Brasil caiu de 6,32% para 4,6% na comparação entre os dois períodos.

“A crise argentina foi o que mais interferiu e continuará sendo um problema forte. Não há perspectivas de solução de curto prazo, visto que o país passa por um processo eleitoral e, ao que tudo indica, será assumido por um governo de oposição. Ou seja, vai acontecer uma mudança na agenda da política econômica e o ajuste vai levar muito tempo”, avalia o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Há duas semanas, a Argentina declarou moratória ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Por não ter condições de honrar dívidas, o país pediu um prazo maior para quitar um empréstimo de cerca de US$ 57 bilhões, referente a uma linha de crédito adquirida pelo presidente argentino Mauricio Macri, em junho do ano passado.

“É difícil termos uma reversão do quadro atual, justamente porque a Argentina não sairá da crise rapidamente nem voltará a ter uma taxa de crescimento que reverta a tendência das nossas exportações”, diz Cagnin. “Vamos depender de a Argentina recuperar o ritmo e estabilizar o processo que tem passado recentemente. Será o principal fator para resgatarmos um nível de exportações sustentável”, completa.

Conselheiro da BMJ Consultores Associados, Wagner Parente destaca que a perda do mercado argentino dificilmente será compensada com embarques para outros países, como a China, principal destino das exportações brasileiras, seguida pelos Estados Unidos e pela Argentina. No entanto, ele acredita que, diante da tensão comercial envolvendo a nação asiática e a norte-americana, o momento é propício para o Brasil diversificar o estoque de commodities e amenizar os impactos causados pela perda de mercado dos produtos manufaturados. “Isso já aconteceu no ano passado, com relação à soja. Por ser commodity, ela muda o fluxo de comércio rapidamente. Portanto, o Brasil pode aproveitar este momento e negociar mais commodities com a China, porque não precisa se adaptar aos fluxos logísticos”, explica.

O especialista vê oportunidade para o Brasil aumentar as exportações de carne suína e minério de ferro para a China. “Mesmo com a economia em queda, a China segue como o nosso maior comprador desse produto”, acrescenta, mas sugere que o país amplie a quantidade de  parceiros comerciais, para não ficar refém sempre dos mesmos mercados. “Diversificar as relações é fundamental para que o Brasil sinta menos a crise desses países”, afirma.

Estudo do FMI  

Mesmo em caso de “cessar-fogo” entre as duas maiores economias mundiais — que desde 2018 têm anunciado medidas para elevar tarifas de importação entre si e provocado uma redução nas expectativas de crescimento econômico no mundo inteiro —, o Brasil poderia sentir reflexos, a depender de como se daria a negociação entre as duas potências para estreitar os laços comerciais. Estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), na semana passada, sugere que uma eventual redução do deficit bilateral com os Estados Unidos passaria pela redução das importações da China de produtos de outros países.

Com isso, o Brasil, por exemplo, teria afetadas as exportações de aeronaves e, principalmente, soja, que, nas contas do FMI, poderiam somar valor equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país (em 2017). “As tensões comerciais entre os EUA e a China devem ser rapidamente resolvidas por meio de um acordo abrangente, que apoie o sistema internacional e evite o comércio gerenciado. É importante que o acordo não seja discriminatório e seja baseado em mecanismos de mercado e em fundamentos macroeconômicos”, sugere o Fundo.

De acordo com Welber Barral, consultor e sócio da BMJ e ex-secretário de comércio exterior, a queda nas exportações brasileiras não chega a preocupar, por enquanto. “Não foi tão grande. Tem a ver com a redução sazonal, não muito acentuada, dos preços das commodities e, principalmente, com a queda de mais de 40% das exportações do setor automotivo para a Argentina, mas também está relacionada ao fato de o Brasil não ter aumentado as exportações de manufaturados para outros destinos”, explica.

“Sobre a guerra comercial entre americanos e chineses, o único efeito, até agora, é que o Brasil exportou mais soja para a China. Teve algum aumento de pneus e autopeças para os Estados Unidos também, mas foi residual. Até agora, o Brasil não aproveitou as oportunidades causadas por essa reacomodação no comércio mundial”, avalia.

Barreiras
Ele se preocupa, porém, com os resultados dos próximos meses, caso haja reação de importadores por razões ambientais, políticas ou relacionadas a direitos humanos. Na semana passada, a varejista sueca H&M anunciou que vai suspender as importações de couro do Brasil. A marca seguiu a decisão da VF Corporation, que representa 18 marcas internacionais dos setores têxtil, calçados, materiais esportivos e utensílios, que também anunciou a suspensão de compras de couro brasileiro, enquanto não houver garantias de sustentabilidade ambiental na Amazônia, onde os incêndios estão atingindo a opinião pública internacional.

“O aumento dos boicotes é um risco real. Há um valor que conta no comércio internacional, que é a marca país, e é preciso cuidar disso. À medida que a imagem do Brasil vai sendo arranhada por questões ambientais, políticas ou de direitos humanos, pode haver a adoção de barreiras não tarifárias”, avisa Barral.

Segundo o especialista, um exemplo de barreira não tarifária, que questões ambientais podem estimular, é exigência de certificação para importação.  “O setor de papel e celulose é super vigiado. Aqui no Brasil, eles emitem esses certificados para provar que o papel produzido não vem de floresta nativa. Pode acontecer de outros setores terem de emitir certificados por exigência dos importadores, aumentando os custos dos exportadores, pois certificações são caras e complexas, geralmente emitidas por entidades internacionais”, explica.

Para ele, é pouco provável que possíveis boicotes de produtos brasileiros ocorram nos mercados asiáticos e africanos, por exemplo, mas podem vir de importadores europeus e dos Estados Unidos, justamente para onde o Brasil exporta os produtos mais caros, como carne bovina e de frango, por exemplo. “O Brasil nunca sofreu boicotes sistemáticos, mas pode começar acontecer suspensão de importações ou campanhas de artistas e personalidades mundiais e isso prejudica muito a marca país”, pondera. Segundo ele, há casos clássicos pelo mundo. “Como na África do Sul, nos anos 1970, quando o mundo inteiro boicotou seus produtos por causa do apartheid. O Zimbábue também sofreu retaliações comerciais por razões políticas e muitas marcas são rejeitadas por usarem trabalho infantil”, exemplifica.

De Correio Braziliense